Proposta da direita “banaliza terrorismo” e desestabiliza sistema penal e processual
Em sua nova ofensiva eleitoreira e contra o governo federal, a direita tem se aproveitado da crise na segurança pública para tentar criar mecanismos legais que não apenas prejudicam o arcabouço atual como podem trazer novos problemas para o país e para a população por meio da classificação do crime organizado como terrorismo.
Para tentar emplacar essa tese, a direita e o bolsonarismo propuseram inicialmente transformar essas organizações em “narcoterroristas”, num claro alinhamento à posição do presidente dos EUA, Donald Trump, que vem usando esse discurso para ameaçar e intervir na soberania dos países latino-americanos.
Agora, ajustaram o foco, procurando alterar pontos do Projeto de Lei Antifacção enviado pelo governo Lula à Câmara no final de outubro,. “Eles, na verdade, recuaram naquela ideia inicial de transformá-las efetivamente em terroristas, mas procuraram equiparar a ação”, explicou o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, em entrevista à GloboNews nesta segunda-feira (10).
Conforme salientou o secretário, “terrorismo, em qualquer país do mundo, é uma exceção para determinadas circunstâncias e não para qualquer atividade criminosa. E aqui se banaliza o terrorismo, de tal forma que a lei ficou com muitos artigos, com inúmeras situações, e eu insisto, o grande problema dessa proposta é que ela vai desestabilizar todo o sistema penal e processual brasileiro”.
Sarrubo salientou, ainda, que ao fazer esse tipo de mudança na lei, cria-se um cenário de instabilidade e vulnerabilidade para o Brasil. “Nós não sabemos qual pode ser a interpretação de organismos internacionais ou de outros países, que podem dizer: ‘olha, se é equiparado a terrorismo, todas as sanções internacionais, todos os movimentos internacionais contra um país que abrigue instituições terroristas ou equiparadas, pode gerar o mesmo efeito’. Então, isso é um risco muito grande”.
Ele acrescentou que “se os EUA entenderem que terrorismo e equiparados a terrorismo geram o mesmo efeito em termos da interpretação que eles têm, isso pode deixar o Brasil vulnerável — é o que está acontecendo hoje na Venezuela. E mais do que isso: há outras sanções, como dificuldades para obter visto, sanções econômicas e assim por diante. O Brasil não precisa disso para combater as facções. Precisa de ajustes na legislação”.
Como forma de tentar forçar a aprovação e obter maior apoio da opinião pública a uma nova proposta, a direita lançou mão de Guilherme Derrite (PP-SP).
O secretário de Segurança Pública de São Paulo — com histórico de truculência tanto à frente da pasta como antes, na condição de policial miliar — se licenciou do cargo às pressas, no dia 5, para assumir a relatoria do projeto encaminhado pelo governo federal, com a benção do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Apenas dois dias após se licenciar, Derrite entregou seu parecer. “Foi elaborado às pressas”, criticou Sarrubo. O projeto levou cerca de um ano para ser construído com especialistas da área no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Sarrubo também condenou o fato de a proposta de Derrite retirar dispositivos que estavam no projeto do governo, como a apreensão de bens, já utilizada em países da Europa e da América Latina. “Esse instrumento é essencial para evitar que bens como helicópteros, barcos e propriedades voltem aos criminosos mesmo após a anulação de processos. Foi retirado do texto, o que é um retrocesso”, argumentou.
Também destacou negativamente o fato de o texto não diferenciar os líderes das fações daqueles que operam na base. “É um projeto que olha para o andar de baixo e não para o andar de cima. Precisamos atacar o comando, o dinheiro, a estrutura que sustenta essas organizações”, ressaltou.
PL Antifacção
O texto originalmente apresentado pelo governo para apreciação na Câmara atualiza a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº. 12.850/2013) e cria a figura da “facção criminosa”.
Entre outros pontos, o texto propõe penas de oito a 15 anos de prisão se a atuação da organização visar o controle de territórios ou atividades econômicas, mediante o uso de violência, coação ou ameaça.
Homicídios cometidos por ordem ou em benefício de facções criminosas poderão levar a penas de 12 a 30 anos, passando a ser enquadrados como crimes hediondos.
Também busca fortalecer os instrumentos de investigação e amplia ferramentas legais para a responsabilização de integrantes de facções, além de autorizar o Poder Executivo a criar o Banco Nacional de Facções Criminosas.
Outros eixos importantes tratam da punição às facções que estejam infiltradas no Poder Público e de medidas para sufocar o poder econômico dessas organizações.
Além disso, prevê a possibilidade de monitoramento dos encontros de membros de facções criminosas no parlatório — local destinado às conversas entre preso e advogado —, bem como maior cooperação policial internacional, a cargo da Polícia Federal, e a inclusão do setor privado na busca de provas e informações de interesse da investigação, quando cabível.



