Jovens se dizem conservadores, mas têm bandeiras progressistas, mostra estudo
A maioria da juventude brasileira tem pautas progressistas e defende a atuação do Estado e das políticas públicas; por outro lado, se diz mais ao centro ou à direita do espectro político, sendo as mulheres as mais propensas a posições menos conservadoras.
No entanto, “o que emerge, em vez de um deslocamento ideológico linear entre esquerda e direita, é uma juventude marcada por contradições, disputas simbólicas e reinvenções políticas”. Estes são alguns dos achados do estudo “Juventudes: um desafio pendente”, feito pela Fundação Friedrich Ebert Brasil (FES, na sigla em alemão), lançado nesta quarta-feira (5).
O levantamento foi realizado com dois mil entrevistados, entre 15 e 35 anos. A instituição também vem se dedicando a analisar esse estrato populacional em outros países da América Latina e Caribe.
“As juventudes brasileiras expressam altos níveis de satisfação pessoal, 68% estão satisfeitos com a sua vida em geral e 70% com suas relações familiares. Mas, ao mesmo tempo, também demonstram forte insatisfação com a economia (46%) e a situação do país (55%). Esses dados refletem os impactos das desigualdades históricas e das reformas que, após 2016, intensificaram a precarização do trabalho e cortaram direitos sociais”, resume o estudo.
Segundo os dados, 58% dos jovens demonstram avaliação positiva com a educação recebida, sendo que 30% se consideram satisfeitos e 28% muito satisfeitos.
Questionados se está trabalhando atualmente, 36% disseram ter trabalho estável e 14% responderam que exercem trabalho temporário. Outros 36% afirmaram não ter trabalho, mas estar procurando e 11% não tinham e também não estavam à procura.
Segundo o relatório, “de um modo geral, os homens (41%) e os jovens das classes sociais mais altas (48%) tendem a ter um índice de emprego estável mais alto do que as mulheres (31%), e jovens de classe média (41%), muito baixa e baixa (24%)”.
Situação do país e políticas públicas
A pobreza, o desemprego e a falta de acesso a direitos são considerados os principais problemas que afetam a juventude brasileira, com 61% das respostas; já o consumo de drogas ficou com 45%, seguida de corrupção (35%); crime organizado (34%) e insegurança (29%).
“A pobreza como principal questão priorizada pelas juventudes aponta uma percepção de preocupação social que dialoga com o papel do Estado como responsável por políticas sociais”, argumenta o estudo.
Para os jovens, as políticas voltadas ao emprego (55%), as sociais ou de bem-estar social (46%) e as de segurança cidadã (27) são os principais temas que deveriam ser abordados pelas políticas
públicas no Brasil.
Na avaliação do FES, os jovens que participaram da pesquisa “percebem problemas sociais e econômicos como os mais relevantes, dentre os possíveis problemas que afetam suas vidas e
apontam as políticas públicas, como um caminho privilegiado para tratar estas questões”. Ou seja, acrescenta, “apesar da manifestação da possível perda de confiança em instituições de governo, ainda apostam na centralidade do papel do Estado”.
Segundo a pesquisa, os jovens têm baixa ou muito baixa confiança nos partidos políticos (57%) e nos influencers e youtubers (56%), seguidos da presidência e gabinete do governo (45%) e governos locais (44%).
Por outro lado, as universidades têm 30% de alta confiança e 42% de média. Em seguida, estão as Igrejas/instituições religiosas; os meios de comunicação e as Forças Armadas, as três instituições com 27% de alta e muito alta confiança cada. “No entanto, destas três, as Igrejas/instituições religiosas, possuem também um alto grau de desconfiança, com 33% dos jovens indicando baixa e muito baixa”, pontua.
Quando questionados sobre políticas públicas, apenas 16% disseram conhecer alguma das apresentadas. Nesse universo, as mais conhecidas são a Jovem Aprendiz (28%); o Enem (24%) e o Bolsa Família (14%).
“O período de governo petista (2005-2015) foi marcado pela construção de uma significativa institucionalidade no campo das políticas públicas de juventude, com a criação de centenas de órgãos
governamentais municipais e estaduais e de programas e políticas direcionadas aos jovens”, pondera o levantamento.
No entanto, acrescenta, “as mudanças, contrarreformas e os reveses decorrentes dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro retrocederam a implementação de PPJs (Políticas Públicas para a Juventude) e consequentemente, o conhecimento sobre elas”.
Posicionamento político
Ao abrir este tópico, o estudo salienta que “o caso brasileiro contribui para desconstruir leituras simplificadas sobre uma suposta juventude mais à direita ou um mero desencanto democrático entre os jovens. O que emerge, em vez de um deslocamento ideológico linear entre esquerda e direita, é uma juventude marcada por contradições, disputas simbólicas e reinvenções políticas”.
Assim, prossegue, “as juventudes brasileiras não aderem de forma homogênea a uma agenda conservadora, mas se movimentam em um terreno ambíguo, no qual coexistem insatisfações com a democracia e expectativas de transformação social”.
De maneira geral, isso pode estar refletido nas escolhas ideológicas apresentadas pelo estudo: 44% se dizem de centro; 21% de direita e centro direita e 17% de direita. No campo oposto, 14% se alinham à esquerda e centro esquerda e 4% com a extrema esquerda.
O estudo ainda aponta que, quando feito o recorte por gênero, as mulheres jovens tendem a se identificar mais com a esquerda e a adotar posturas mais progressistas, dentro e fora do Brasil. Aqui, 20% delas se identificam com a esquerda, contra 16% dos homens jovens.
Outro dado da seara política trazido pelo levantamento é que a maioria dos jovens valoriza a democracia como a melhor forma de governo: 66% concordam com essa afirmação (sendo 26% totalmente de acordo e 40% de acordo), enquanto 17% discordam.
Por outro lado, serve como alerta o fato de que 58% acreditam na necessidades de “lideranças fortes” e 49% defendem uma democracia sem partidos, o que parece indicar um entendimento superficial do que é o sistema democrático.
Também merece destaque o fato de que 33% disseram ter interesse em política; 21% sinalizaram pouco interesse e 19% afirmaram ter nenhum, contra 13% e 12% que responderam ter interesse ou muito interesse, respectivamente.
O estudo também constatou que 59% não participam de nenhuma organização (social, religiosa, esportiva, política, sindical etc.). Dentre os que participam, 19% estão em igrejas ou entidades religiosas.
Papel do Estado
Dado positivo revelado pelo FES é a visão dos jovens sobre o papel do Estado na sociedade: 86% concordam com a afirmação de que “o Estado deve garantir o acesso gratuito de todos e todas à educação e saúde de qualidade”, percentual semelhante ao apoio à afirmação de que “o cuidado com o meio ambiente deve ser uma prioridade dos governos”, com 85%.
Além disso, a afirmação de que “deve haver um imposto adicional para os ricos, a fim de redistribuir a riqueza” tem 60% de concordância.
Também merece destaque o fato de que 66% apoiam a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero; 63% defendem que imigrantes tenham os mesmos direitos que os cidadãos nacionais e 59% concordam que pessoas transgênero devem ter acesso a cuidados de saúde relacionados à afirmação de gênero.
O levantamento também mostrou que 58% aceitam o casamento entre pessoas do mesmo sexo e 56% acreditam que a educação sexual integral deve ser tema prioritário nas escolas.
No entanto, em relação aos direitos reprodutivos, observa-se maior tendência a posições conservadoras: apenas 33% apoiam a legalização da interrupção voluntária da gravidez, embora esse percentual suba para 43% entre jovens das classes mais altas.
Busca por informação
Outra questão avaliada pelo estudo diz respeito à informação e às formas de obtê-la. “A maioria dos jovens brasileiros presta atenção às notícias de maneira regular com 60% consumindo diariamente e 33% algumas vezes na semana, totalizando 93% de engajamento frequente”, diz.
Quanto aos meios de comunicação usados para obter informações, as redes sociais são apontadas em 57% das respostas, seguidas da televisão, com 45%; Youtube, com 30%; Whats App, com 25% e sites, com 24%.
No que diz respeito às plataformas mais utilizadas para buscar informações políticas despontam o YouTube (21%), Instagram (15%), Twitter/X (12%), Facebook (12%) e Tik Tok (11%).
Apesar do forte uso das redes, a maioria dos jovens não se engajou em agendas de mobilização por meio desses canais nos últimos seis meses: 41% disseram não ter se mobilizado e não ter interesse; outros 20% disseram não ter se mobilizado, mas têm interesse.
Conclusões
Entre suas conclusões, o levantamento defende: a ampliação da participação democrática por meio de canais de comunicação acessíveis e espaços inclusivos de representação; o fortalecimento das políticas públicas que assegurem direitos básicos, como educação, saúde e trabalho, com prioridade para os jovens em maior vulnerabilidade.
Além disso, enfatiza a importância de se “promover os valores democráticos e responder as posições extremistas contrárias aos direitos humanos, por meio de debates integradores, garantia da liberdade de expressão e estímulo à participação social em diferentes espaços institucionais e comunitários”.




