A imagem mostra a prisão de civis e militares tenentistas após o Levante Comunista de 1935.

Há exatos 90 anos, em novembro de 1935, o Brasil assistiu ao capítulo mais ousado — e mais brutalmente reprimido — da história do movimento comunista no país. Conhecido como Levante Comunista, o movimento articulado pelo Partido Comunista do Brasil (então PCB) e pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) representou a primeira tentativa de enfrentamento direto ao governo de Getúlio Vargas, que avançava em direção a um regime autoritário.

Para a tradição histórica preservada pelo PCdoB, o Levante não foi um “golpe”, como a narrativa oficial tentou impor por décadas, mas uma insurreição antifascista, parte de um contexto internacional em que a ascensão do nazifascismo colocava a necessidade de frentes amplas de resistência.

No entanto, o preço pago pelos comunistas foi altíssimo: prisão, tortura, mortes e a quase completa desmontagem da organização partidária.

O contexto da ANL e a escalada autoritária de Vargas

Em 1935, o Brasil vivia uma grave crise política e social: Getúlio Vargas consolidava seu poder ditatorial, enquanto cresciam as pressões da Terceira Internacional para organizar frentes antifascistas. Foi nesse cenário que o Partido Comunista do Brasil impulsionou a Aliança Nacional Libertadora, movimento amplo que pretendia unir operários, tenentes, camponeses e intelectuais contra o governo autoritário e o avanço do integralismo. 

A ANL — movimento de massas legal, popular e progressista — foi proscrita por Vargas poucos meses após seu vigoroso crescimento. O governo reagiu com violência às mobilizações que defendiam reformas sociais, combate ao fascismo e oposição ao autoritarismo.

É nesse ambiente de fechamento político que ocorreu o Levante, deflagrado em três cidades: Natal, Recife e Rio de Janeiro. A articulação contava com segmentos militares e civis, inspirados pela perspectiva internacional de luta contra regimes reacionários.

Mas, sem apoio suficiente e já sob estreita vigilância, o movimento foi rapidamente esmagado pela repressão estatal.

Repressão devastadora: Prestes preso, Partido mutilado

A resposta do Estado foi fulminante. Getúlio Vargas utilizou o Levante como justificativa para instalar um regime de exceção, pavimentando o caminho para o Estado Novo (1937). A perseguição se concentrou nos comunistas, com milhares de detidos em todo o país.

O símbolo máximo dessa repressão foi a prisão de Luiz Carlos Prestes, entregue pelo governo e mantido em condições desumanas ao longo de quase nove anos. Ao mesmo tempo, quadros importantes foram mortos, sumiram nas prisões ou tiveram de se exilar.

Para o PCdoB, a repressão de 1935 representou uma tentativa deliberada de liquidação da organização comunista no Brasil. E, de fato, o Partido viveu durante anos uma dispersão profunda, funcionando de forma fragmentada, com sua direção destruída.

Um novo começo: a Conferência da Mantiqueira (1943)

Mesmo fragmentado e ilegalizado, o Partido resistiu. Foi apenas em 1943, no auge da Segunda Guerra Mundial e da luta mundial contra o fascismo, que os comunistas conseguiram refazer suas fileiras e articular um processo nacional de reorganização.

A Conferência da Mantiqueira, realizada de forma clandestina, é considerada pelo PCdoB um divisor de águas histórico. Nela:

  • recompôs-se a direção partidária;
  • foi definida uma linha política de frente ampla antifascista;
  • reorganizou-se a estrutura nacional do Partido;
  • surgiram dirigentes que marcariam as décadas seguintes, como Maurício Grabois, Pedro Pomar, Diógenes Câmara e João Amazonas.

Foi, como afirmam análises comunistas, o renascimento político do Partido após anos de devastação provocada pelo aparato repressivo varguista.

Essa conferência marcou a virada política necessária: do sectarismo para uma frente mais ampla, com foco antifascista e de reorganização para o pós-guerra.

Significado dos 90 anos: memória, combate e renovação estratégica

Ao comemorar 90 anos do levante de 1935, é preciso reforçar que esse evento foi um marco político e simbólico: ele encarna a luta contra a repressão, pela democracia e pelo socialismo no Brasil.

Do ponto de vista do PCdoB, o Levante de 1935 representa:

  • uma insurreição heroica, conectada à luta internacional contra o fascismo;
  • um marco fundador na tradição brasileira de resistência popular e revolucionária;
  • o testemunho de que a repressão estatal pode atrasar, mas não destruir a organização popular;
  • a origem da trajetória de reconstrução que culminou no protagonismo comunista nas lutas democráticas do século XX.

Noventa anos depois, o episódio continua a iluminar debates contemporâneos sobre democracia, soberania, violência política e a necessidade de organização permanente.

Mesmo diante da derrota, os comunistas aprenderam lições fundamentais: a importância da organização clandestina, da frente antifascista e da estratégia de longo prazo — pilares que moldaram o PCdoB moderno.

Se o Levante foi derrotado militarmente, sua memória alimentou gerações de lutadores e lutadoras. A repressão brutal não impediu a reconstrução do Partido — e a Mantiqueira marcou o retorno estratégico da luta comunista ao cenário nacional.

Desafios atuais com olhar histórico

A memória do Levante de 1935 serve hoje como estímulo para reflexões estratégicas: em um contexto de crescente autoritarismo global, a necessidade de frentes populares amplas, mobilização social e compromisso democrático permanece vital.

A trajetória daqueles dirigentes e de seus camaradas reforça que resistência e reorganização são elementos centrais para transformações profundas — lições para os comunistas e para toda a esquerda brasileira contemporânea.

Para o PCdoB, celebrar nove décadas desse episódio é reafirmar que, mesmo diante da violência do Estado e das forças reacionárias, permanece viva uma tradição de coragem, resistência e projeto histórico voltado ao povo brasileiro.

(por Cezar Xavier)