Companhia Mineira de Saneamento (Copasa) na mira do governador de MG, Romeu Zema | Foto: Reprodução

O ex-relator especial da ONU para os Direitos Humanos à Água e ao Saneamento, Léo Heller, divulgou uma carta aberta criticando de forma contundente o avanço da privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), conduzida pelo governador Romeu Zema (Novo) e seu vice, Mateus Simões (PSD). Para o pesquisador, as medidas adotadas pelo Executivo mineiro representam “um ousado movimento legislativo” que coloca em risco direitos fundamentais da população.

O processo de privatização ocorre em duas frentes articuladas: a PEC 24/2023, que extingue a exigência de referendo popular para desestatizações – aprovada pela Assembleia Legislativa na quarta-feira (5) –, e o Projeto de Lei 4.380/2025, que autoriza o Estado a vender parte das ações da companhia, abrindo caminho para a perda do controle acionário. A combinação de ambos, segundo Heller, revela a sanha privatista do governo mineiro.

Para Heller, que também é pesquisador da Fiocruz-MG, a proposta “despreza os enormes riscos de violação dos direitos humanos fundamentais”, especialmente o direito à água e ao saneamento, reconhecido pela ONU e endossado pelo Brasil. Para ele, a lógica ultraliberal que orienta essa entrega da Copasa tende a excluir populações vulneráveis, encarecer tarifas e comprometer a qualidade e a universalização dos serviços.

Ele cita ainda que experiências semelhantes já fracassaram em diversas partes do mundo. Em países como França e Argentina, a privatização trouxe “aumento das tarifas e falta de transparência”, levando à reestatização dos serviços. No Brasil, ele lembra o caso de Itú (SP), onde, diante do colapso no abastecimento e da insatisfação popular, a prefeitura precisou intervir e rescindir o contrato com a empresa privada.

Além das experiências internacionais e nacionais, o pesquisador ressalta que, após a aprovação da PEC e do PL, “os contratos em vigor entre os municípios e a Copasa seriam convertidos em contratos de concessão com a empresa privatizada, sem o posicionamento de prefeitos e câmaras de vereadores”. Ele destaca que a mudança esvazia a autonomia municipal e retira da sociedade qualquer possibilidade de participação no processo.

Heller também aponta para o risco de Minas entregar um setor estratégico a grupos financeiros multinacionais. “A maior e mais voraz delas é a Aegea”, afirma, lembrando que a empresa já se apresenta como interessada na Copasa e tem metade de seu capital controlado pelo fundo soberano de Singapura (GIC) e pela Itaúsa, do Banco Itaú. A tendência, segundo ele, é aprofundar a financeirização e a oligopolização do saneamento, com tarifas pressionadas para cima e menor compromisso com a universalização.

O pesquisador alerta ainda que a Copasa é um instrumento essencial para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, como estiagens severas – fenômenos já recorrentes em Minas Gerais. Entregar a empresa ao mercado, diz, enfraquece a capacidade do Estado de responder a crises ambientais e hídricas.

Fonte: Página 8