SP revive crise hídrica e põe em xeque privatização da Sabesp
Segundo especialistas, São Paulo deve reviver crise hídrica de dez anos atrás, agora, com a Sabesp privatizada
São Paulo volta a viver o fantasma da crise hídrica. Relatórios recentes do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) indicam que o Sistema Cantareira — principal reservatório que abastece a Região Metropolitana — entrou na primavera com apenas 28% do volume útil, o menor índice desde 2015. Tecnicamente, isso significa operação em “faixa de restrição”, o que, na prática, representa risco real de racionamento prolongado no próximo verão.
Os dados mostram que a precipitação acumulada foi de apenas 58% da média histórica, enquanto a vazão ficou em 41%. A estiagem prolongada, somada às incertezas climáticas, deve comprometer a recuperação dos níveis mesmo durante a estação chuvosa.
Privatização e perda de capacidade de manutenção
O cenário é especialmente preocupante porque ocorre no primeiro ciclo seco após o início do processo de privatização da Sabesp, aprovado pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em 2024. Segundo José Antônio Faggian, presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo), a mudança no controle da companhia compromete a agilidade na gestão de crises:
“A Sabesp pública fez obras estruturantes que interligaram sistemas e aumentaram a segurança hídrica. Mas sob a lógica privada, há o risco de o lucro dos acionistas se sobrepor ao bem-estar da população”, afirmou Faggian, em entrevista ao Portal Vermelho. Ele se referir a obras que dão maior segurança ao abastecimento da grande São Paulo, ao interligar os sistemas e trazer adutoras de novos mananciais. “Dependendo da intensidade da estiagem isso pode ser insuficiente e o abastecimento prejudicado”.
O dirigente sindical lembra que, enquanto uma empresa pública pode planejar investimentos de longo prazo, uma empresa com controle privado tende a priorizar retorno financeiro imediato, o que enfraquece ações preventivas e a manutenção da rede.
Racionamento silencioso e desigualdade
Desde agosto, a Sabesp vem adotando medidas de “redução de pressão noturna” para conter o consumo, ampliando a faixa de restrição entre 19h e 5h. A medida diminui o desperdício, mas, na prática, interrompe o abastecimento nas regiões mais altas e periféricas, onde moram famílias com menos recursos e, muitas vezes, sem caixa d’água.
“É uma medida que penaliza as camadas mais pobres. A água simplesmente não chega, e as pessoas passam horas com as torneiras secas”, diz Faggian.
A situação evidencia o caráter regressivo das políticas hídricas: quem paga mais caro por caminhões-pipa são justamente os que têm menos.
Manutenção e perdas no sistema
Estudos mostram que o índice de perda de água na rede de distribuição de São Paulo varia entre 22% e 30% — um problema histórico que demanda altos investimentos em manutenção. Com a privatização, há receio de que os custos de manutenção preventiva sejam cortados, já que não geram receita imediata.
Sem investimentos pesados e contínuos, as perdas crescem. E isso reduz a resiliência do sistema justamente nos momentos de crise.
Mudanças climáticas e política pública
A crise hídrica paulistana se insere em um quadro mais amplo de colapso climático. As chuvas tornaram-se mais intensas e irregulares: tempestades violentas se alternam com longos períodos de seca. Essas variações não garantem reposição dos reservatórios, já que boa parte da água das enxurradas escoam sem infiltrar o solo, agravando a erosão e reduzindo a vazão dos rios.
A solução, segundo ambientalistas, passa por recuperar mananciais, ampliar o reuso de água e reduzir a dependência de sistemas sobrecarregados como o Cantareira. Não basta coletar esgoto, é preciso tratar, reaproveitar e proteger rios e nascentes com políticas permanentes de revegetação.
Impacto político e desgaste antecipado
No plano político, a crise hídrica pode se transformar em um dos maiores desafios do governo Tarcísio em 2026. Com eleições estaduais (e federais) no horizonte, o desabastecimento nas periferias e a percepção de que a privatização fragilizou a Sabesp podem ter efeito eleitoral direto, especialmente se a grande imprensa não blindar o governo, como observa Faggian:
“Se a responsabilidade da crise não for atribuída apenas à natureza, mas também à má gestão e à privatização, o impacto político sobre Tarcísio de Freitas será inevitável.” Para que a responsabilidade não seja atribuída apenas à natureza, Faggian diz que é preciso que a grande imprensa não blinde o governo e os efeitos da privatização sejam bem computados nos prejuízos para a população (no desabastecimento e nas possíveis multas para se conter o consumo).
Um teste para o modelo privatizado
A iminente escassez de água colocará à prova o modelo de gestão privada dos serviços públicos essenciais. O resultado pode definir o futuro das concessões no estado — e influenciar o debate nacional sobre privatizações em setores estratégicos, como energia e saneamento.
A crise hídrica de 2026, se confirmada, não será apenas um teste para a Sabesp, mas um termômetro da capacidade do governo Tarcísio de enfrentar problemas estruturais sem abrir mão da responsabilidade pública.
Por Cezatr Xavier




