Plano de resgate de Trump a Milei provoca reação global: “imperialismo financeiro”
Milei e Trump se encontram na Flórida durante a Gala do America First Policy Institute, realizada em Mar-a-Lago, em 14 de novembro de 2024, em Palm Beach, Flórida.
O controverso plano de resgate anunciado pelo governo de Donald Trump para sustentar o governo de Javier Milei, na Argentina, não está recebendo críticas apenas de vizinhos sul-americanos. Nos próprios Estados Unidos, a proposta tem gerado forte reação entre analistas, economistas e veículos de imprensa de prestígio. O Financial Times, referência mundial em economia e finanças, publicou um editorial contundente em que classifica a operação como “uma forma flagrante de imperialismo financeiro”.
A jornalista Gillian Tett, membro do conselho editorial do FT, questiona a viabilidade e as intenções do plano, que prevê uma linha de swap cambial de US$ 20 bilhões e outros US$ 20 bilhões em financiamento privado, articulados pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent. “Será que vai funcionar? Não está claro, para dizer o mínimo”, escreveu Tett. “Com Milei enfrentando eleições de meio de mandato cruciais e uma economia à beira da recessão, as reservas estão perigosamente baixas, e parte da população começa a se rebelar contra as políticas radicais de livre mercado.”
A colunista também destacou o apelido irônico que o mercado deu ao pacote — MADA (“Make Argentina Default Again”[Faça a Argentina Dar Calote Novamente]), uma paródia direta do slogan trumpista MAGA (“Make America Great Again”[Faça a América Grande Novamente]) —, evidenciando o ceticismo quanto ao sucesso da iniciativa.
“Trump está usando o dólar como arma diplomática”
O Financial Times identificou pelo menos três riscos principais no plano. O primeiro seria o custo político interno nos EUA, já que parte dos recursos viria de fundos públicos e pode enfrentar resistência no Congresso, inclusive entre republicanos. O segundo, mais grave, é o uso geopolítico da moeda americana.
“Trump está usando o dólar como arma diplomática”, escreveu Tett. “Isso é imperialismo financeiro em estado puro — e pode fazer com que outros países fiquem ainda mais cautelosos em depender da ajuda americana ou de swaps de dólar, diante do preço político que isso pode implicar.”
O terceiro risco, segundo o editorial, é de ordem econômica: o swap foi desenhado para evitar o colapso do peso argentino, mas “a maioria dos indicadores sugere que a moeda está supervalorizada, talvez em 20%, e, portanto, precisaria ser desvalorizada”. Nesse cenário, o FT alerta que Milei e Bessent “estão tentando desafiar a gravidade financeira”.
Se o plano fracassar, prossegue o texto, “a imagem de onipotência do Tesouro americano será minada — e os investidores podem se perguntar se Washington ainda tem capacidade de desafiar outras forças de gravidade financeira, como o peso da própria dívida dos EUA”.
Político: “Aposta bilionária e caótica” de Trump na América do Sul
Na mesma linha crítica, a revista Politico — uma das mais influentes publicações políticas dos EUA — classificou o pacote de ajuda como “a mais recente janela para a abordagem geopolítica caótica e baseada em lealdade de Trump”.
Em reportagem assinada por Michael Stratford e Victoria Guida, a Politico afirma que “a credibilidade dos Estados Unidos na região está em jogo”, já que a Casa Branca estaria “apostando bilhões de dólares e sua influência no resgate de um país perpetuamente falido, sem apresentar uma estratégia de saída clara”.
O texto destaca ainda que o pacote de socorro ocorre às vésperas das eleições de meio de mandato na Argentina, cruciais para a governabilidade de Milei e vistas como um teste para seu programa de austeridade radical, conhecido como “motosserra”.
“Um revés para Milei poderia prejudicar severamente o esforço dos EUA de reafirmar sua influência econômica na América Latina e conter o avanço da China”, observa a revista.
Economistas questionam: “Ninguém arrisca voluntariamente dinheiro na Argentina”
A desconfiança não se limita ao campo político. Economistas de renome também duvidam do sucesso da iniciativa. Sergi Lanau, diretor de estratégia de mercados emergentes globais da Oxford Economics, foi categórico: “Nenhum investidor privado arriscaria voluntariamente quantias significativas de dinheiro na Argentina.”
Lanau acredita que, mesmo com incentivos diplomáticos da Casa Branca, o volume total de aportes dificilmente se aproximará dos US$ 20 bilhões prometidos. “Algo pode acontecer porque os bancos não querem romper com Washington, mas o valor real será muito menor. Não há como chegar a esse montante”, afirmou.
Robin Brooks, ex-estrategista-chefe do Goldman Sachs e membro da Brookings Institution, também alertou para os riscos de um fracasso: “Um programa de resgate só funciona se os mercados acreditarem nele — e, claramente, não acreditam.”
Aposta política com alto custo
Para Trump, o plano é também uma jogada política. Ele vem apresentando a assistência a Milei como um gesto de apoio a um aliado ideológico que compartilha sua agenda ultraliberal e antissistema. “Se ele perder, não seremos generosos com a Argentina”, afirmou o republicano na semana passada.
A fala foi parcialmente suavizada por Bessent, que condicionou o apoio à “continuidade das boas políticas” do governo argentino, e não à pessoa de Milei. Ainda assim, analistas veem no pacote um raro caso de intervenção financeira externa com motivações eleitorais explícitas — tanto em Buenos Aires quanto em Washington.
Um resgate que pode sair caro para os dois lados
Enquanto o governo argentino tenta conter a desvalorização do peso e enfrenta crescente resistência social às medidas de austeridade, a Casa Branca lida com críticas internas sobre o uso de recursos públicos em uma aposta considerada arriscada.
Se o plano fracassar, dizem analistas, Trump não apenas enfrentará desgaste político doméstico, como também poderá comprometer a credibilidade dos EUA como potência econômica na América Latina.
Como resumiu o Financial Times, “se Milei e Bessent conseguirem desafiar a gravidade financeira, o Tesouro americano parecerá onipotente; mas, se falharem, o estrondo será ouvido muito além de Buenos Aires”.
Cezar Xavier com informações de Página 12




