Donald Trump tem usado de medidas governamentais sistemáticas para impedir o funcionamento livre e crítico da imprensa nos EUA. Javier Milei também age na máquina pública para barrar denúncias de corrupção em seu governo

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) soou o alarme sobre um cenário de deterioração acelerada da liberdade de imprensa em praticamente todo o continente americano — com Estados Unidos e Argentina no centro das preocupações. O relatório, divulgado na última sexta-feira (17), durante a 81ª Assembleia Geral da entidade, em Punta Cana (República Dominicana), aponta a escalada de ameaças, assédio judicial e censura direta contra jornalistas e meios de comunicação.

“A mentira viaja mais rápido que os fatos. A manipulação corrói a confiança social”, afirmou o presidente da SIP, José Roberto Dutriz, destacando o impacto das redes sociais, da desinformação e da inteligência artificial no ecossistema midiático contemporâneo.

A entidade, que reúne mais de 1.300 veículos do hemisfério ocidental, sustenta que as pressões sobre o jornalismo independente ocorrem da América do Norte à do Sul, e representam um risco direto à democracia e ao direito dos cidadãos à informação confiável.

Nos EUA, governo Trump endurece ataques à imprensa

A SIP manifestou “profunda preocupação” com a situação nos Estados Unidos. Segundo o relatório, a administração de Donald Trump tem adotado táticas autoritárias e intimidadoras contra jornalistas e veículos críticos.

Entre os episódios recentes, dezenas de repórteres devolveram suas credenciais do Pentágono após a exigência de submeter reportagens à aprovação prévia do Departamento de Defesa, que o governo pretende rebatizar como “Departamento de Guerra”.

Trump também ameaçou revogar licenças de emissoras de rádio e TV que o criticam — prática condenada pela SIP como censura explícita. Além disso, propôs restrições a vistos de jornalistas estrangeiros, criando incerteza sobre a permanência de correspondentes no país.

“Mesmo a ameaça de retirar licenças já constitui uma forma de censura”, advertiu Dutriz. “O jornalismo não existe para bajular o poder, mas para questioná-lo.”

Em paralelo, ações judiciais bilionárias apresentadas por Trump contra jornais como The New York Times e The Wall Street Journal são vistas como tentativas de intimidação política. Segundo a SIP, tais processos “não buscam justiça, mas sim silenciar o jornalismo crítico”.

Argentina vive censura prévia e perseguição judicial

Na Argentina, o relatório denuncia a adoção de medidas de censura direta sob o governo de Javier Milei. Uma decisão judicial recente proibiu a divulgação de áudios envolvendo Karina Milei, irmã e secretária-geral da Presidência — decisão que a SIP classificou como “precedente grave e inconstitucional”.

“A medida implica censura prévia, expressamente proibida pela Constituição argentina e pela Convenção Americana de Direitos Humanos”, afirmou Dutriz.

A situação se agravou quando o Ministério da Segurança pediu buscas na casa de dois jornalistas e na sede do canal que publicou os áudios. A entidade considera a medida um ataque direto ao direito da sociedade de estar informada e alerta para o efeito de autocensura que esse tipo de decisão provoca nas redações.

Relatórios da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) reforçam o diagnóstico. A Argentina caiu 47 posições no ranking mundial de liberdade de imprensa em dois anos, chegando à 87ª colocação. A ONG aponta hostilidade governamental, desmantelamento da mídia pública e uso da publicidade estatal como instrumento de pressão.

Um continente sob pressão

O Brasil deu um salto de 47 posições no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), organização não governamental e sem fins lucrativos. A comparação é entre a posição de 2025, quando país ficou na 63º posição, e a de 2022. Segundo os pesquisadores, há um clima menos hostil ao jornalismo depois da “era Bolsonaro”.

Embora o Brasil tenha apresentado melhora relativa após o fim do governo Bolsonaro —, o panorama geral nas Américas é de recuo. Segundo a SIP, o assédio judicial, a violência, o controle digital e o uso econômico do poder público para punir críticos se intensificaram em países de diferentes matizes ideológicos.

“O que ocorre em Washington repercute em todo o continente”, alertou Dutriz. “Quando a democracia enfraquece lá, as sombras se alastram.”

O relatório ainda destaca o papel das big techs na fragilização do jornalismo: plataformas como Google, Facebook e X concentram receitas publicitárias antes destinadas aos meios independentes, enquanto alimentam desinformação e discursos de ódio.

Liberdade sob risco

Para a SIP, a combinação de pressões políticas, crises econômicas e manipulação digital forma um ambiente em que o jornalismo perde terreno e a democracia se enfraquece.

“Sem independência financeira, não há imprensa livre”, resume Anne Bocandé, diretora editorial da RSF. “Quando um meio depende de favores do poder ou de algoritmos opacos, perde a capacidade de questionar.”

Em meio à deterioração generalizada, a SIP reafirmou seu compromisso de denunciar e resistir a qualquer ameaça à liberdade de expressão no hemisfério.

“Os governos devem entender que o livre fluxo de informação — inclusive a crítica — não é um privilégio concedido pelo Estado, mas um direito fundamental da sociedade”, concluiu Martha Ramos, presidenta da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP.

Por Cezar Xavier