Ato recriará protesto ecumênico que denunciou o assassinato de Vlado há 50 anos
Há 50 anos, em 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog era assassinado por agentes da ditadura militar, nos porões do DOI-Codi de São Paulo. Como forma de homenageá-lo e reafirmar a atualidade da luta por memória, justiça, verdade e em defesa da democracia, um ato será realizado no próximo sábado (25), no mesmo local onde, dias após sua morte, uma multidão protestou silenciosamente, chamada por entidades como o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo (SJSP).
Iniciativa da entidade, a “Caminhada por Vlado” sairá de sua sede (na rua Rego Freitas, 530) às 17 horas e seguirá até a Catedral da Sé. Lá, a partir das 19 horas, a Comissão Arns, o Instituto Vladimir Herzog, o SJSP e outras entidades recriarão o ato inter-religioso que ocorreu no mesmo local há 50 anos, com a presença de familiares, religiosos, artistas e autoridades.
“A morte de Vlado marcou o País e, meio século depois, seguimos caminhando por memória, justiça e verdade. Num tempo em que tentam manipular a verdade, lembrar é defender a democracia”, diz Márcia Quintanilha, da direção da Federação Nacional dos Jornalistas e do SJSP.
De acordo com o sindicato, ao refazer esse trajeto da história, o objetivo é que o Brasil nunca se esqueça das atrocidades praticadas naquela época. Além disso, aponta que, no contexto atual, torna-se imprescindível lembrar porque, ainda hoje, é preciso defender a democracia e a soberania.

“O assassinato de Vladimir Herzog foi um dos crimes mais brutais da ditadura militar, e o ato de 1975, organizado pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, rompeu o silêncio e acendeu uma chama de coragem coletiva contra o terror de Estado. Aquele momento mostrou o poder da organização sindical, dos movimentos de luta contra a ditadura — com destaque para os comunistas — e da resistência democrática”, destaca a jornalista Joanne Mota, também diretora do SJSP.
Segundo Joanne, 50 anos depois, “é simbólico e necessário que o Sindicato dos Jornalistas volte à Praça da Sé para, mais uma vez, afirmar que seguimos exigindo justiça. A memória de Vlado nos convoca a não esquecer — porque a impunidade dos crimes da ditadura alimenta as ameaças autoritárias do presente”.
Silêncio eloquente
A morte de Vlado foi um dos episódios mais explícitos da truculência da ditadura militar. Procurado para depor no Destacamento de Operações de Informação–Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo, na Vila Mariana, Vlado — então diretor de jornalismo da TV Cultura, — se apresentou espontaneamente no dia seguinte, 25 de outubro. Lá, foi torturado e morto, aos 38 anos.
Para tentar driblar as atenções da opinião pública sobre o crime, os responsáveis forjaram uma falsa cena e a narrativa de que o jornalista teria se suicidado por enforcamento em sua cela.
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Mas a foto de seu corpo — feita pelo fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, chamado pelos agentes para registrar a cena — deixava claro que a tese de suicídio era impossível, dada a altura e posição do corpo.
Segundo a tradição judaica, suicidas devem ser enterrados numa ala específica do cemitério israelita. Ciente de que Vlado fora morto, o então rabino Henry Sobel impediu que seu corpo fosse sepultado nessa área, uma forma inteligente de afrontar a versão oficial e demonstrar que o jornalista não tirara a própria vida.
No dia 31 de outubro, um ato ecumênico — cuja convocação teve protagonismo do SJSP, na época presidido por Audálio Dantas — reuniu 8 mil pessoas na Catedral da Sé e foi conduzido pelo arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo, o rabino Henry Sobel e o pastor James Wright.
O protesto virou um dos símbolos mais fortes da contestação à ditadura e contribuiu para desnudar os crimes cometidos por seus agentes, para o processo de esfacelamento da ditadura e para a conquista da redemocratização.
Um dos pontos que tornou o ato ainda mais pujante foi que, apesar de todos ali sentirem revolta pela violência da ditadura, o ato, além de pacífico, foi silencioso — um silêncio eloquente a exprimir a brutalidade do regime.
“A catedral tornara-se pequena para conter a multidão, que transbordou de seus limites e avançou pela praça, ocupando as escadarias e o espaço que se estende até o monumento do marco zero da cidade. Oito mil pessoas — indignadas, mas silenciosas — protestavam contra o assassinato de Herzog, na maior manifestação de massa ocorrida desde a imposição do Ato Institucional nº 5, em 1968, pela ditadura”, escreveu o jornalista Audálio Dantas, em artigo publicado no Estadão em 2015, três anos antes de seu falecimento, aos 88 anos.
Por fim, salientou Dantas: “o protesto silencioso do 31 de outubro de 1975 mudou os rumos do Brasil”.




