Primeira Turma durante julgamento. Foto: Luiz Silveira/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta terça-feira (9), o julgamento do núcleo crucial da trama golpista, que poderá resultar, pela primeira vez na história do Brasil, na prisão de um ex-presidente, Jair Bolsonaro, e outros sete réus, inclusive militares de alta patente, por tentativa de golpe de Estado. As penas máximas previstas para cada crime, somadas, ultrapassam 40 anos de prisão.

A sessão de julgamento tem início na terça, e vai das 9h às 12h; depois, continua das 14h às 19h, com os votos dos ministros. Recomeça no dia seguinte, quarta (10), das 9h às 12h e prossegue na quinta (11), também com sessões pela manhã e à tarde.

O julgamento ocorre na Primeira Turma do Supremo, formada por cinco ministros. O primeiro a falar será o relator, Alexandre de Moraes. A ordem é do mais jovem até o decano, terminando com o presidente do colegiado. Por isso, as manifestações seguem com Flávio Dino, Luiz Fux e Carmen Lúcia, concluindo com o presidente Cristiano Zanin.

Na sexta-feira (12) será proferida a sentença — a sessão também está marcada para manhã e tarde. Neste dia, além de declararem a culpa ou inocência dos réus, os ministros também deverão tratar da dosimetria das penas. O julgamento será transmitido pela TV Justiça.

Após o resultado, os réus poderão, ainda, apresentar recursos chamados de embargos de declaração e embargos infringentes. Os de declaração dizem respeito ao questionamento a pontos que possam não ter ficado claros ou que sejam contraditórios na decisão. Já os infringentes podem ser apresentados quando a decisão final não for unânime e “quando caracterizada divergência relevante, a ponto de gerar dúvida razoável sobre o acerto da decisão”, segundo o próprio STF.

As condenações são dadas como certas, embora pairem dúvidas sobre a posição de Fux, restando, nesse caso, o estabelecimento do tempo das penas.

Conforme tem sido noticiado, as falas das defesas ao longo da semana passada pouco mudaram a percepção sobre a trama golpista. Basicamente, os advogados se concentraram em pedir a absolvição de seus clientes, sem apresentar argumentos capazes de mudar, na essência, o que as investigações da Polícia Federal (PF) e da Procuradoria-Geral da República trouxeram à tona.

O núcleo crucial é apontado pela PGR como uma organização criminosa responsável por arquitetar e orientar ações com o objetivo de obter uma ruptura democrática para manter Bolsonaro no poder.

O grupo é formado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apontado como o líder da organização, e pelos ex-ministros e generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto; pelo ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier; o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que também é delator no processo.

Eles são acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado — a exceção é Ramagem, que não responde a estes dois últimos por já ter sido diplomado como deputado quando o 8 de janeiro aconteceu.

A soma por todos os crimes pode levar a penas de 12 a 43 anos de prisão.

O julgamento teve início no dia 2 de setembro, com a apresentação do ministro-relator Alexandre de Moraes. Ele destacou que a impunidade e a omissão deixam cicatrizes traumáticas na sociedade, corroem a democracia e incentivam novas iniciativas golpistas. E enfatizou que a Corte julgará o caso independentemente de ameaças e pressões internas ou externas.

Destacou, ainda, que “a sociedade brasileira e as instituições mostraram sua força, sua resiliência” e que todos os brasileiros e brasileiras “devemos afastar, com toda nossa força e empenho, a tentativa de qualquer quebra da institucionalidade”.

Por sua vez, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, salientou que não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem “recrudesce ímpetos de autoritarismo e põe em risco o modelo de vida civilizado”.

Sustentações orais

Na semana passada, as defesas também apresentaram os argumentos a favor de seus clientes. Em comum, pediram a absolvição dos réus e reclamaram da quantidade de provas obtidas, o que, segundo elas, teria inviabilizado a análise total do processo. Nenhuma negou a existência da trama e todas tentaram provar que seu cliente não teria tido participação em nada, apesar das investigações, provas e manifestações públicas indicando o contrário.

No caso de Augusto Heleno, a defesa — a cargo de Matheus Mayer Milanez — sustentou que não haveria provas contra o general e disse que ele teria perdido influência junto a Bolsonaro após este se filiar ao PL e se aliar ao centrão. Disse, ainda, que teria havido manipulação das anotações feitas na agenda do militar.

A defesa de Jair Bolsonaro, feita pelo advogado Celso Vilardi, também tentou descolar o ex-presidente dos atos claramente dedicados a uma ruptura democrática, que vinha sendo gestada desde antes das eleições de 2022 e que culminaram nos atos de 8 de janeiro. Ele também contestou a delação de Mauro Cid, reclamou do volume de provas e defendeu a tese de que os crimes apontados exigiriam atos concretos e violentos, o que, na sua avaliação, não teria acontecido.

Um ponto importante veio à tona na sustentação oral do advogado de Paulo Sérgio Nogueira, que levou a questionamento da ministra Carmen Lúcia. Em sua fala, o advogado Andrew Fernandes Farias declarou que Nogueira sempre se opôs a qualquer insurreição e que teria tentado demover Bolsonaro de ações golpistas, confirmando, assim, a existência de planos dessa natureza.

Já a defesa de Walter Braga Netto, feita pelo advogado José Luís Oliveira Lima, contestou a existência de provas contra seu cliente e disse que as acusações estariam baseadas apenas nas palavras de Mauro Cid. Ele também lançou dúvidas sobre a voluntariedade do delator.

Primeira parte

A primeira leva de sustentações orais da semana passada teve início com a defesa de Mauro Cid. O advogado Jair Alves Ferreira sustentou a validade do acordo de colaboração firmado com a Polícia Federal e homologado pelo STF e rebateu alegações de coação. Seu outro advogado, Cezar Bitencourt, argumentou que o tenente-coronel não teria ajudado a incentivar os atos golpistas contra a democracia ou o sistema eleitoral.

Em seguida, a defesa de Alexandre Ramagem, feita pelo advogado Paulo Pinto, negou, entre outras coisas, que o hoje deputado tenha utilizado indevidamente a estrutura da Abin para fins políticos, como a espionagem de adversários e magistrados.

A defesa do ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, foi feita pelo advogado Demóstenes Torres. Ele negou que seu cliente tivesse oferecido tropas para apoiar medidas autoritárias de manutenção de Jair Bolsonaro no poder.

Quanto a Anderson Torres, o advogado Eumar Roberto Novacki, sustentou que não haveria nenhum elemento de que Torres tenha arquitetado a atuação da Polícia Rodoviária Federal visando comprometer a lisura do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. A respeito da “minuta do golpe”, afirmou que o documento já circulava na internet, muito antes de ser encontrado na residência de Torres.