Sem educação, não há soberania
A situação educacional no Brasil vive sob intensa disputa. Tornou-se de reconhecimento acadêmico e público, desde a criação da Base Nacional Comum Curricular, o envolvimento de institutos e fundações de caráter privado nas políticas educacionais, representando o terceiro setor e empresas privadas, caracterizando a fase neoliberal de “terceirização da educação” que estamos hoje, através de lobby e pressões políticas.
Neste cenário, destaca-se um desmonte da educação pública sem precedentes, configurado pela precarização deliberada da profissão docente, o achatamento dos salários de servidores e servidoras da educação, o entreguismo das escolas públicas para gestões privadas, a contratação temporária em massa de docentes, que gera piora no ensino e instabilidade para os/as trabalhadores/as, e a perseguição implícita ou explicita à liberdade de cátedra.
Esse cenário gera consequências terríveis, como o descumprimento deliberado do Plano Nacional de Educação, que de 20 metas cumpriu apenas 4; um total de 9,1 milhões de jovens que não concluíram a educação básica e 40,1% da população geral de 25 a 64 anos que não concluíram a escolar a escolaridade básica; 9,1 milhões de adultos que ainda não sabem ler; pessoas pretas e pardas, embora maioria na educação, ainda atingem resultados de 10 a 20% piores do que pessoas brancas; e a terrível estimativa de que faltará 240 mil professores até 2040, ocasionada pela precarização docente que desestimulam jovens a trabalharem na área.
A neoliberalização da educação, passando hoje pela sua terceira fase, isto é, a “terceirização educacional”, não pode ser tomada levianamente. Seu constructo não foi meramente realizado, mas é parte de uma pedagogia estrategicamente elaborada que se impregnou à superestrutura cultural da sociedade capitalista, ocupou espaços antes progressistas, reciclou e raptou temáticas de cunho da esquerda, foi fomentada e financiada por governos progressistas e tomou o Estado de assalto com lobbystas, cumprindo a agenda financeira de mercantilização educacional através de processos sutis de dominação cultural, ideológica e pedagógica. Há de lembrar dos comerciais do Novo Ensino Médio, afinal.
Daí, portanto, que o papel dos comunistas se faz fundamental. O enfrentamento precisa ser, também, tático. A educação não pode ser, de maneira alguma, uma palavra jogada aos ventos cinco, seis, sete vezes em um documento de resolução. Precisa ser pauta prioritária em um projeto partidário, destacada como política permanente de enfrentamento às desigualdades sociais e a o projeto neoliberal que circunda a sociedade moderna. Ela é eminentemente política, como nos anunciava Paulo Freire, e, por isso, também ferramenta de disputa pela consciência política das massas.
Neste sentido, se faz fundamental o destaque de dois pontos: a educação vinculada ao componente econômico e a educação como ferramenta de consolidação da soberania e democracia.
É um equívoco teórico e político apontar a educação como um espectro vazio. Tal qual como se ela estivesse desvinculada de suas características sociais, políticas, culturais e, principalmente, econômicas. Não se faz economia sem um modelo educacional que produza uma ação cultural das massas voltada para esse modelo econômico. Por isso a escola moderna é tão similar às fábricas do século XVIII e XIX. A estrutura pedagógica e educacional bancária, meritocrática, disciplinar, que gera concorrência entre os sujeitos através de notas e valores, e técnica, está voltada para os interesses reprodutivos do capital. Daí, então, que seu componente cultural seja eminentemente econômico, e aliado ao modelo atual de produção.
Portanto, desvincular a educação do campo econômico, como se ela não tivesse sobre este impacto ou importância, é uma ingenuidade. A própria reprodução do modelo econômico capitalista depende da educação e dos valores capitalistas que são introjetados na educação atual. Por isso, a disputa tão acirrada que os projetos neoliberais investem na educação, a disputa pelo currículo e suas pautas, etc.
Nós, comunistas, precisamos estar atentos a essa disputa. Disputar a escola como espaço de ação cultural e o currículo como base para introjeção dos valores socialistas é fundamental para a disputa de corações e mentes, bem como a conscientização das massas acerca de sua condição histórica e fundamental na luta de classes.
Neste momento, em que a democracia sofre ataques da extrema-direita, não relegar a educação a um segundo plano é ainda mais fundamental. A educação, aliada ao componente econômico, é extremamente necessária para a consolidação da soberania e da democracia. Será ela – e tão somente ela – a capaz de, no chão da escola, na disputa curricular, apresentar valores democráticos e cívicos de uma nação soberana e democrática. É a educação que ensina democracia, e não ao contrário. Se hoje o debate está ausente dos currículos e da sala de aula, há motivo intencional.
Como, então, fazer?
O primeiro passo é não relegar a disputa a um segundo plano e a palavra educação ser usada como um coringa que tudo resolve. Disputar a educação no campo neoliberal requer tática e um contra-projeto à educação mercantilizada e neoliberal, que precisa ser, evidentemente, popular. A educação popular precisa ser liderada pelos comunistas neste momento, os únicos com capacidade real de dialogar com as massas, incorporar os valores culturais brasileiros às salas de aula e ao currículo, debater as necessidades da classe trabalhadora, e tomar de assalto as escolas novamente, trazendo pautas importantes, socializando saberes, criando espaços comunitários, levando cursos de formação e conteúdo de comunicação, impedindo que as fundações e instituições privadas realizem seus projetos e tornem estes seus espaços privados.
A educação precisa ter papel no projeto partidário, com tática, estratégia e ser pauta prioritária na disputa pela consciência coletiva, atrelada ao componente econômico para a consolidação da soberania e da democracia. Caso contrário, estaremos apenas enxugando gelo.
*Professor. Membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, fundador do Instituto de Ação Cultural Esperançar. Vice-presidente e Secretário de Organização do PCdoB Pelotas.