Finalizei a primeira parte desse artigo tratando da elaboração e execução dos planejamentos estratégicos elaborados pelo Partido no final dos anos 1990 e início e 2000, denominados de Planos de Estruturação Partidária (PEPs), e da minha felicidade de ser participe na elaboração de todos eles. 

E continuo…

Com base nessa experiência elenco 5 lições que julgo importantes no debate sobre “Revigorar e Reposicionar” o Partido, aliás muito bem expressa na parte III do PRP. Ei-las:

Lição1:  A Revolução se Planeja em “Planilhas”

Os PEPs demonstraram que a sustentabilidade no longo prazo exige uma estrutura sólida e disciplinada. Em vez de atuar apenas de forma reativa, o partido adotou planos anuais ou bienais, estabelecendo metas claras e, sobretudo, passíveis de aferição.

Os documentos estão repletos de metas quantitativas, como “Filiar 17 mil novos membros” (1º PEP) ou “atingir 50 mil nomes no cadastro nacional” (2º PEP). Mas o planejamento vai além dos números de filiação.

O 1º PEP diagnosticou um “descompasso” entre a construção política (a influência pública) e a construção ideológica e organizativa (a força interna). Para resolver isso, o plano detalha quatro frentes de trabalho essenciais: propaganda/comunicação, formação, fortalecimento da base militante e finanças.

Esse planejamento minucioso não era um fim em si mesmo; foi a ferramenta que permitiu ao partido identificar e enfrentar os perigos que ameaçam sua existência, a começar por um dos mais sedutor deles: as próprias eleições.

Lição 2. O Paradoxo das Eleições:

Para um partido que atua no sistema democrático, as eleições são cruciais, descritas como uma “via necessária” para seu crescimento, propaganda e arrecadação.

No entanto, os planos estratégicos revelaram uma tensão profunda: o próprio ato de competir pode destruir a organização. O 1º PEP admite abertamente que, em anos eleitorais, as atividades essenciais, como formação de membros, finanças e organização de base, “não funcionam ou funcionam muito precariamente“. A energia é totalmente desviada para a busca por votos, arriscando esvaziar o trabalho de longo prazo.

O paradoxo se aprofunda quando analisamos o porquê disso. Os PEPs apontaram que o PCdoB é um “partido pequeno” atuando em coalizões hegemonizadas por “partidos grandes“, como o PT.

Além disso, o sistema eleitoral brasileiro “se faz em torno de candidatos e não em torno dos partidos“, forçando-os a focar em personalidades em vez de na plataforma partidária. Essa dinâmica cria um risco existencial, expresso na preocupação de evitar que o partido se transforme em um mero “aparato eleitoral”.

Afirma “…não tomar essa tarefa como um fim em si mesmo, e sim um meio para o fortalecimento do Partido e dos movimentos sociais, popular e sindical, evitando uma orientação que negaria o papel histórico do Partido, transformando-o em mero aparato eleitoral.”

Essa luta constante entre o pragmatismo eleitoral e a fidelidade ao objetivo estratégico não afeta apenas a estratégia, mas também o seu recurso mais valioso: seus militantes.

Lição 3.  A Porta Giratória da Militância

Longe de projetar uma imagem de lealdade inabalável, os planos discutem o que o 4º PEP chama de “seríssima questão da flutuação dos contingentes partidários“. O texto admite que “a evasão e a instabilidade ainda são fenômenos muito significativos“.

Os documentos revelam que, se por um lado não é tão difícil atrair novos filiados, o grande desafio é “fazer com que os que entraram permaneçam militando“.

Manter a chama acesa depois do “recrutamento” é uma batalha constante, especialmente quando se compete por corações e mentes dentro do próprio campo ideológico.

Lição 4. A Batalha Constante pela Identidade

A luta do partido não é apenas contra adversários à direita, mas também para manter sua identidade e seus quadros dentro do próprio campo da esquerda. O 1º PEP expressa preocupação com a influência de “liberalismo” e “imediatismo” em suas fileiras, uma batalha interna pela coesão ideológica.

Externamente, a competição com partidos maiores é um tema central. A análise não é ingênua e reconhece a dura realidade do poder: “o PT é um partido grande… e o PCdoB é um partido pequeno“. Essa dinâmica de poder desigual torna a aliança uma faca de dois gumes.

O mesmo documento nota, com franqueza, que “Algumas pessoas do PCdoB foram cooptadas, indo especialmente para o PT, como resultado da perda da perspectiva revolucionária ou para satisfazer ambições pessoais“.

Essa dinâmica evidencia a fragilidade de uma força política menor, que precisa batalhar constantemente para não ser eclipsada ou engolida por parceiros mais influentes, um aspecto que, sem dúvida, contribui para a rotatividade da militância. Conforme apontam os planos, a resposta para esse desafio está na solidez das bases organizatvas.

Lição 5. A Obsessão com a Base

Se há um tema que atravessa todos os planos estratégicos, é a obsessão em construir e fortalecer a estrutura de base. O diagnóstico do 1º PEP era claro: o PCdoB era “ainda um Partido de quadros“, sofrendo com um profundo “descompasso” entre sua liderança e sua militância.

Os números à época tornam esse problema tangível: uma estrutura de liderança com cerca de 6.000 membros organizados tentando gerir uma “base militante dispersa” de aproximadamente 25.000 filiados.

Para corrigir isso, a estratégia é construir de baixo para cima, por meio das Organizações de Base (OBs) – as células do partido-, organizadas “por local de trabalho, de moradia ou de estudo“. Os planos (re) lançaram palavras-de-ordem enfáticas, como a do 2º PEP: “Nenhum Comunista sem Organização de Base“. O foco é total era garantir que cada membro estivesse integrado a um núcleo ativo (OB).

Ferramentas como programas de formação intensiva (“CIFORMA”) e um “Curso Básico em Vídeo” (CBV) são criadas para fortalecer essa fundação. A lição é clara: para o partido, o poder real e a sobrevivência a longo prazo não emanavam dos parlamentares, participação em instâncias de governo, mas da capilaridade de sua militância organizada no nível mais próximo do povo possível.

4. Uma Máquina Lenta em um Mundo Rápido (Conclusão)

Analisar os Planos de Estruturação do PCdoB é como observar a planta de uma construção complexa. Eles vão além da retórica política.

 Demonstra um trabalho lento e metódico, uma verdadeira engenharia social. É o esforço de uma organização que lida com metas de crescimento, problemas de retenção e uma batalha incansável para construir uma fundação sólida, passo a passo.

A cultura dos PEPs nos trouxe grandes benefícios que estão refletidos no Projeto de Resolução Política do 16º Congresso Nacional. O parágrafo 140 é um exemplo, cito-o: “Elevar o nível da organização e atuação dos/as filiado/as, tendo como centro a Organização de Base, pilar estratégico do Revigoramento partidário, elemento essencial para estreitar a ligação do Partido com o povo e organizar o trabalho dos militantes e novos filiados. Num país do tamanho do Brasil, é necessário atuar através de milhares de núcleos de base, envolvendo-os nas deliberações dos projetos partidários e das entidades de massa. O esforço iniciado no 15º Congresso deve ter continuidade através da Política Nacional de Fortalecimento das Bases e ser tarefa coletiva, cotidiana e perseverante. Quadros devem ser destacados para acompanhar as bases, atuando como pivôs ou prestando serviços voluntários. Usar a internet e as redes como ferramenta de organização e divulgação da política partidária. Ter um programa de formação voltado para a militância de base. Renovar as linhas de atuação dos movimentos e entidades populares de caráter nacional para que tenham força real de mobilização e participação do povo.”

A reflexão que fica, numa era de política digital, viral e focada em personalidades, ainda existe espaço para esse tipo de construção institucional paciente e profundamente ideológica? Particularmente, afirmo que sim.

(*) Todos os PEPs estão disponíveis no site do Partido em: https://pcdob.org.br/documentos/?hl_blockid=ad72b55b071c49baa7ee4e97fbf10649&hl_term=planos-de-estruturacao

**Dirigente do PCdoB/RN e CM de Natal (Capital)