Quebrar o silêncio, defender o Brasil: a urgência do debate sobre militares, defesa e soberania.
O governo Bolsonaro e o ataque de 8 de janeiro de 2023 expuseram uma urgência histórica: a esquerda e todas as forças democráticas precisam debater sem melindres o papel das Forças Armadas, a política de defesa e a soberania nacional. O silêncio mantido por décadas, vendido como garantia de estabilidade, serviu como adubo de onde germinou a maior ameaça à democracia brasileira desde a redemocratização. Por muito tempo, um pacto velado interditou a discussão sobre os quartéis, pois a transição negociada da ditadura deixou intocada uma estrutura de pensamento e de poder que nunca se reconciliou com a soberania popular. O resultado dessa omissão foi a ascensão de um governo neofascista que teve nas Forças Armadas não apenas um suporte, mas seu principal pilar de sustentação, ocupando o Estado e planejando abertamente a ruptura institucional. Nossa tarefa, como comunistas, é dissecar essa realidade para formular um caminho. Este não é um debate contra uma instituição, mas a favor do Brasil. É a luta para resgatar as Forças Armadas da tutela de uma casta reacionária e submissa a interesses estrangeiros, e transformá-las em um verdadeiro instrumento de defesa de um projeto nacional de desenvolvimento, democrático e soberano.
A crise recente não criou os problemas estruturais de nossa Defesa, mas os expôs de forma dramática, aprofundando um diagnóstico que já conhecíamos. A tradicional e perversa Doutrina do “Inimigo Interno”, antes focada em comunistas, indígenas e movimentos sociais, foi atualizada para incluir o STF, o Congresso Nacional, as universidades e o próprio processo eleitoral. Vimos generais no Palácio do Planalto, como Augusto Heleno, agindo como chefes de uma guerra de desinformação contra o povo, usando a estrutura do Estado para alimentar a ideologia que serviu de combustível para a tentativa de golpe. Essa visão de mundo foi posta em prática por meio de um deliberado projeto de poder que se manifestou no desvio de função generalizado, com a ocupação de mais de seis mil cargos civis por militares. A desastrosa gestão do General Pazuello no Ministério da Saúde durante a pandemia é o exemplo mais letal desse processo, que não trouxe eficiência, mas sim autoritarismo, obscurantismo e uma lógica de comando incompatível com a gestão democrática.
Esse projeto de poder interno se completava com uma vergonhosa subserviência externa. O alinhamento automático ao imperialismo estadunidense de Donald Trump aprofundou nossa dependência, simbolizada pela entrega da Base de Alcântara e pela compra de equipamentos sem transferência de tecnologia. Enquanto se batia continência para bandeiras estrangeiras, o projeto de uma indústria nacional de Defesa, essencial à nossa autonomia, foi abandonado. Todo esse processo culminou no ativismo político descarado e na conspiração golpista. Desde o tuíte do General Villas Bôas em 2018, chantageando o STF para manter Lula preso, até a conivência e participação de setores do Alto Comando na trama do 8 de janeiro, o que vimos foi a atuação de um partido fardado. A recusa em desmontar os acampamentos golpistas em frente aos quartéis não foi omissão, mas cumplicidade, transformando a instituição que deveria garantir a democracia no abrigo da conspiração contra ela.
As consequências dessas distorções não são apenas corporativas; são entraves diretos ao nosso projeto de nação. O orçamento bilionário das Forças Armadas, com quase 80% comprometido com salários e pensões de uma elite, drena os recursos que faltam na saúde e na educação. Esse dinheiro não financia a defesa da Amazônia ou do Pré-Sal, mas sustenta uma burocracia que se vê como tutora do país, deixando-o, na prática, vulnerável às reais ameaças. Essa anomalia orçamentária sustenta uma instituição anacrônica, um dos espaços mais refratários à diversidade do nosso povo. A ausência de mulheres no topo, a baixa representatividade de negros no oficialato e a persistência da homofobia revelam uma força que não se parece com o seu povo e, portanto, não pode defendê-lo. A base legal para essa tutela foi a interpretação golpista do Artigo 142 da Constituição. Após a intentona, a disputa em torno desse dispositivo deixou de ser um debate jurídico para se tornar uma batalha política central. A tese de um “poder moderador” é uma aberração que precisa ser sepultada, pois sua existência é uma ameaça permanente à democracia.
Diante deste cenário, nosso Partido deve ir além da denúncia e apresentar propostas claras, disputando os rumos do país. A base de qualquer mudança é a subordinação inquestionável ao poder civil, o que exige uma reforma profunda no Ministério da Defesa para que seja sempre chefiado por um civil com real autoridade, desmilitarizando também o GSI. A partir desse princípio, é preciso promover uma reorientação estratégica da missão militar para a defesa da soberania, focando na proteção da Amazônia, do Atlântico Sul e na cibersegurança, o que demanda um plano de reequipamento que priorize a indústria nacional e o desenvolvimento tecnológico autônomo. Autonomia tecnológica requer uma política industrial de defesa coerente. Encomendas tecnológicas orientadas à absorção e geração de conhecimento, financiamento de P&D dual (civil e militar) e integração com universidades e centros de pesquisa são instrumentos decisivos. Cada aquisição estratégica deve deixar legado de capacidade produtiva e domínio do ciclo tecnológico, não apenas entrega de plataformas. Nesse assunto o nosso partido já tem um bom acúmulo, com quadros importantes ocupando a pasta de Ciência e Tecnologia.
Uma nova missão exige um novo perfil de militar, e isso passa pela democratização da instituição. Defendemos o fim do serviço militar obrigatório em tempo de paz e o acesso a todas as carreiras por concurso público universal, quebrando a lógica de castas. É igualmente fundamental reformar os currículos das academias militares para incluir os princípios democráticos e uma visão crítica da história, que reconheça os crimes da ditadura e cesse a celebração do golpe de 1964. Essa mudança de mentalidade deve refletir-se nos símbolos, exaltando heróis do povo como Tiradentes e João Cândido, em detrimento de figuras ligadas à repressão. Finalmente, nossa defesa se fortalece com a integração sul-americana, reconstruindo a UNASUL como um escudo anti-imperialista para proteger nosso continente.
A chamada “questão militar” não é um tema setorial ou de especialistas, mas uma dimensão central da luta de classes no Brasil. A experiência recente nos ensinou de forma brutal que não haverá avanço democrático consistente sem resolver o problema da tutela militar sobre a política. Seria uma visão ingênua e até autocomplacente não ter como pré-condição que o nosso projeto nacional de desenvolvimento, com soberania e rumo ao socialismo, exige Forças Armadas com outra doutrina, outra composição e outro propósito. O PCdoB não pode desconsiderar este tema como elemento central e permanente de sua estratégia política. A tarefa da nossa militância é estudar, aprofundar este debate e levar nossas propostas para o seio da sociedade. O pior erro, hoje, seria o silêncio. Vamos, com coragem e clareza, construir as bases para que as armas da nação sirvam exclusivamente para defender o Brasil e o seu povo.
Viva o Brasil Soberano!
Viva a luta do povo brasileiro!
Viva o Partido Comunista do Brasil!