Por uma política nacional de fomento a economia popular solidária no PCdoB
A economia solidaria é um projeto politico societário que preconiza a emancipação humana através da organização de formas coletivas de produção, distribuição, comercialização, financiamento e desenvolvimento tecnológico. No Brasil, sua principal base social é a enorme parcela da força de trabalho constituída por agricultores familiares, artesãos, trabalhadores autônomos, comerciantes e industriais, associados ou cooperativados e corresponde a mais de 22 milhões trabalhadores, cerca de 24% do total da população ocupada no país[i].
As atividades econômicas destes trabalhadores e trabalhadoras destinam-se prioritariamente a prover e repor condições de vida e não o capital. É formada, em sua maioria por não assalariados produtores de mercadorias, bens e serviços; está presente em todo o território nacional e é majoritariamente feminina e negra. Em muitas situações a produção se confunde com a vida doméstica pelo uso compartilhado dos meios de trabalho e do espaço da casa ou de uma extensão dela. Possui um elevado grau de privação de direitos sociais e econômicos e não tem seu status de empreendimento coletivo legalmente reconhecido. Por outro lado, trata-se de um fenômeno histórico estrutural, cuja origem remonta ao período de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, permanecendo, nas condições históricas do desenvolvimento capitalista dependente brasileiro, para além das épocas de crise ou de expansão da economia.
O setor popular da força de trabalho ainda está amplamente desorganizado ou precariamente organizado para as lutas econômicas, sociais e politicas. Mesmo sendo cotidianamente influenciados por instituições de caráter oportunista e obscurantista e por meios de comunicação de massas e redes sociais retrógrados, resistem à opressão e à exploração criando e recriando formas de viver e sobreviver, tecendo redes de solidariedade, mantendo e reinventando tradições culturais e religiosas populares através das quais expressam sua alegria de viver e a persistência da esperança.
Organizar os trabalhadores e trabalhadoras do setor popular da economia com base na Solidariedade.
A solidariedade entre os trabalhadores e trabalhadoras populares no Brasil remonta ao período das lutas contra a escravidão em experiências sociais que reuniam ex-escravos, artesãos e operários especializados para realizarem “o socorro mutuo”, as festas, as atividades religiosas, as cerimonias de casamento, etc. Na atualidade as praticas solidarias persistem sejam nas atividades sociais mais tradicionais como as religiosas ou corporativas, ou nas redes de apoio social mais modernas como na economia informal do cuidado e nos inúmeros coletivos de produção e consumo, urbanos e rurais. A solidariedade, portanto, não é apenas um valor ético/moral difuso, é uma prática social que compõe a cultura popular brasileira, o senso comum do cidadão e seus modos de vida. É um valor fundamental para a construção de uma contra hegemonia à ideologia individualista capitalista.
Além disso, dando continuidade às formas econômicas coletivas que persistiram entre os indígenas, nas religiões de matriz africana, nas comunidades quilombolas e entre os mestiços ribeirinhos, desenvolve-se atualmente, entre os trabalhadores e trabalhadoras da economia popular, novas formas de economia coletiva de amplo alcance, tais como: redes locais e territoriais de produção e comercialização, moedas sociais, fundos rotativos solidários, bancos comunitários, patentes coletivas de tecnologias e inovação social, autogestão de empreendimentos, redes de pesquisadores e pesquisadoras, incubadoras de empreendimentos coletivos solidários, etc. Neste sentido, já é uma realidade concreta os processos sociais que constroem uma economia coletiva voltada para a produção e reprodução da vida nos marcos e nas condições do capitalismo dependente que lhes impõe limites e possibilidades de desenvolvimento.
Recentemente com a sanção pelo Presidente Lula da Lei Nacional de Economia Solidaria que cria o Sistema Nacional de Economia Solidaria e estabelece as condições para o fomento e o apoio publico às iniciativas que desenvolvam a economia popular e solidaria, torna-se necessário ações mais ousadas no sentido de elevar seu nível de organização e competências na execução de programas e projetos que fomentem a economia popular solidaria numa direção democrática e anticapitalista, contribuindo assim, para a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento.
Princípios para uma Politica Nacional de Fomento a Economia Popular Solidaria no PCdoB
A Economia Popular Solidaria é um conjunto de iniciativas que visa organizar a produção de bens e de serviços, sua distribuição, consumo e financiamento, assim como o acesso e a construção do conhecimento, em consonância com os princípios da autogestão, democracia, solidariedade, cooperação, equidade, valorização do meio ambiente, valorização do trabalho humano, valorização do saber local e a igualdade de gênero, geração, etnia e credo. A economia solidaria é feminista e antirracista. Tem como objetivo a valorização do trabalho e do bem viver em contraposição aos modos de produção centrados na geração de lucro, na exploração e opressão do trabalho, no desenfreado consumismo e na destruição da natureza.
A Economia Popular Solidaria é um movimento social, político e teórico que se propõe construir, aqui e agora, os caminhos de uma nova economia que vá além dos marcos do capitalismo. Enquanto movimento social, político e teórico procura seus fundamentos nos processos históricos atuais que buscam reformar e transformar a realidade social vigente marcada por uma enorme crise civilizacional, cujas características principais são a degradação do trabalho e da natureza, fontes principais da existência social.
A Economia Popular Solidaria é um projeto politico dos trabalhadores e trabalhadoras, assalariados e não assalariados, que além de defender as pautas tradicionais de resistência à exploração do capital e de conquistas de direitos econômicos e sociais propõe o desafio de construir o desenvolvimento local e territorial através de estratégias coletivas de inclusão social produtiva.
A economia solidaria como estratégia de inclusão sócio-produtivaarticula ações de combate a pobreza e à exclusão socioeconômica organizando coletivos de trabalhadores e trabalhadoras para a produção e comercialização com o intuito de gerar trabalho e renda. Politicamente adapta-se a conquistas que melhorem as condições de vida e reformem o sistema de exploração do capital sobre o trabalho.
A economia solidaria como estratégia de desenvolvimento local e territorial articula ações de incidência dos coletivos de produtores solidários sobre sistema ou sistemas produtivos locais e territoriais formando redes de produção, comercialização, logística, credito e inovação tecnológica. A ação em rede, as incidências sobre os níveis municipal, estadual e nacional das políticas e o domínio crescente de cadeias produtivas que tem impacto socioeconômico e cultural local e territorial são formas concretas de organizar o povo em torno da questão do desenvolvimento, dimensão estratégica do Programa Socialista. Desta forma, a economia popular solidaria deve ser um movimento eminentemente político com impacto transformador no seu entorno e contribuir com o processo de construção de um marco civilizatório superior ao capitalismo.
A Economia Popular Solidaria objetiva a emancipação do trabalho da opressão e exploração capitalista ao organizar-se em coletivos autogestionários para produzir ou consumir bens e serviços, produzir ou consumir conhecimentos, saberes e tecnologias. Partindo da condição de ser formada por trabalhadores e trabalhadoras produtores de mercadorias cuja força de trabalho não é, ela mesma, em sua maioria, uma mercadoria, a economia popular solidaria deve se propor o desafio da desalienação do trabalho na construção do desenvolvimento local e territorial sustentável revalorizando o trabalho e a natureza, construindo sociabilidades fundadas na solidariedade, na luta por um marco civilizatório superior, de caráter socialista.
O PCdoB entende que o objetivo principal de uma politica nacional dos comunistas para esta área é o fortalecimento da economia popular solidaria como uma forma de abordar o desenvolvimento nacional, a partir do local, do território e do fortalecimento de formas coletivas de propriedade, visando acumular forças na luta pela emancipação do trabalho e construção do socialismo.
[i] KRAYCHETE, Gabriel; GONCALVES, Vinicius. Trabalho e inserção social no Brasil: um olhar a partir da economia dos setores populares. Cadernos do CEAS: Revista Crítica de Humanidades. Salvador/Recife, v. 46, n. 253, p. 339-358, maio/ago. 2021.
*Membro da Comissão Politica do PCdoB Bahia e Secretário de Economia Solidaria do PCdoB Bahia. Coordenador do Coletivo Nacional de Economia Popular Solidaria do PCdoB.