Como muitos dos comunistas, sempre fui apaixonado pela história. Fosse ela como fosse, de qualquer texto histórico buscava leitura. Tanto o fiz que até numa faculdade de História entrei. É, mas não acabei. Talvez decepcionado com colegas e professores discutindo horóscopo e dizendo que o a luta de classes, e as classes (sic), haviam acabado. Mas isso era nos anos 1990, onde assistimos, impotentes, a dissolução do bloco dos países socialistas europeus, que tanto incomodavam a burguesia mundial somente por sua existência.

Pois desde guri li e ouvi sobre grandes artistas e escritores – sim, eu queria ser um daqueles que haviam se filiado ao partido depois da carreira embalada, especialmente no pós-grande guerra. Picasso, para ficar no exemplo que mais impactava, e depois até os existencialistas aderiram, agora apoiando Cuba no enfrentamento revolucionário. Lógico, quando chegasse na minha maioridade, eu tinha que ser do partido comunista, não poderia ser diferente – e não foi. Sou filiado desde meus primeiros meses com 18 anos.

Hoje, feito editor de livros e mexendo diariamente com a produção editorial, entendo quando os camaradas da China falam e insistem na luta pelo softpower, ou pela hegemonia no poder da cultura e do conhecimento. De minha parte, prefiro em português mesmo, da força da economia da cultura. E foi disso que o partido sempre atraiu: Jorge Amado, Graciliano Ramos, Portinari e mais tantos outros, que tentavam, ao seu jeito, fazer parte da luta pelo socialismo. Afinal, para eles, não havia outra alternativa, mesmo que muitos soubessem dos percalços soviéticos.

No entanto, o Brasil dos 2020 é um cenário curioso, e nos perguntamos: seria necessária outra guerra tão cruel com uma vitória penosa das forças progressistas – gente, só do lado soviético, na 2ª Grande Guerra, foram 20 milhões de mortos (os americanos perderam pouco mais de 300 mil) – para recuperarmos aquela mesma adesão massiva que o partido no mundo inteiro teve? E teríamos, no Brasil, no centenário PCdoB novamente uma adesão massiva, visto o clima de guerra mundial que paira? Pois um Trump e um Netanyahu são o desenho de bombas atômicas.

Não é de se crer que seja para tanto, não espero, pelo menos. É preciso antes levantar alguns pontos fundamentais. O movimento comunista à época dos 1940/50/60, ainda abrigava a maioria expressiva das correntes sociais-democratas à esquerda. A fragmentação atual, como temos no Brasil, entre PT, PSB, PSOL e outros, só é possível graças ao histórico de ditaduras que se esforçaram ao máximo para esvaziar, não permitindo um partido comunista de massas. Aliás, o próprio sistema eleitoral brasileiro o faz ao adotar cláusulas de barreira e frequentemente flerta com o voto distrital e outros golpes antidemocráticos, muitas vezes apoiados inclusive pelos sociais-democratas de esquerda (a questão da clausula de barreira para os partidos e na união sindical, por exemplo, em permitir que uma categoria tivesse diferentes sindicatos, foi obra também desses sociais-democratas).

E este é o cenário hoje, nosso partido perde quadros intelectuais para a social-democracia e assiste atônito quadros militantes a enveredar pela democracia burguesa instalada. Esses dois campos, siderados pela beleza do individualismo e fascinação das benesses midiáticas e políticas de gente que gosta de ter seu partido dividido em correntes e facções, ou sua ação isolada em grupelhos quixotescos promotores de políticas da moda.

Mas e a nossa capacidade, comunista, de unir, integrar e principalmente agir em bloco, algo que apavora tanto a direita? Não esqueça, não é a palavra socialismo ou ditadura do proletariado o que mais assusta, isso vem depois, o que está em primeiro lugar na luta das ideias (disputa pelo softpower), é o tal centralismo democrático. Isso é inaceitável para a direita e muito socialdemocrata tem arrepios.

Chegamos agora a um novo ponto. O Partido Comunista do Brasil, ao ver quadros formados ou mesmo quadros recentes se utilizarem da infraestrutura do partido para darem seus saltinhos, e depois desaparecerem no mar amigável dos conchavos e facções, sente-se confortável? Ou ainda, o Partido prefere ficar esperando nova Guerra ou um lumiar ofuscante da revolução chinesa provocar uma onda de novas adesões? É o que muitas vezes parece.

Mas isso é para quem tem pressa, para quem tem projetos ou desejos de fazer notícia, e não compreender a necessidade de aprofundar o materialismo histórico, e a compreender a luta de classes em sua maior profundidade.

Gosto, nestas alturas, de pensar na maneira que os chineses do partido lidaram com a questão religiosa, e, creio, é bom entender. Em rápidas palavras – pois alongar neste momento, seria perder o leitor –, o partido conseguiu influenciar e tomar as rédeas em algumas das principais instituições religiosas do país. Tanto o foi, que há uma grande divisão entre os budistas (prática religiosa mais expressiva na China), e um deles, da ala à direita, não por coincidência mora nos EUA. Em resumo, há mais de uma entidade superior do budismo no mundo, o Dalai Lama sino-americano não é reconhecido dentro da própria China e tornou-se um provocador da divisão do país, ao pedir a independência do Tibete, que hoje é uma região autônoma, porém vinculada e articulada à administração central em Pequim. E, nesse ínterim, há outros dalais-lamas dentro da China e o budismo, sem essa interferência seccionista, segue muito bem obrigado.

E mais, há também, para surpresa, padres católicos promovendo a cultura chinesa e se envolvendo na questão do separatismo de Taiwan, mas a favor do continente, e a favor do país e do Partido. É de se imaginar, portando, que outras instituições religiosas fortes e bem estruturadas mundo afora, também tenham seus embates no país, mas que também devem ter passado por essa situação, de se adaptar à luta pelo socialismo na preservação da revolução chinesa, para sobreviverem.

Precisamos, neste momento, olhar para trás, e recordar que a socialdemocracia brasileira teve e ainda tem muito da igreja católica, não à toa o crescimento do pentecostalismo, que surgiu e foi bancado pelos EUA para combater, no povo, movimentos católicos mais à esquerda. E ninguém pode dizer que, lá no fundo, isso não é o que está acontecendo nos grotões brasileiros e nos bairros e igrejas: pastores e padres se digladiam pelo dízimo, enquanto alguns lutam pelo que é o mais correto para o povo, o que, obviamente se traduz na batalha pelo poder central na democracia burguesa brasileira. Portanto, padres e pastores podem estar no PCdoB, e devem ser estimulados e aproximados, sempre que possível.

Na faculdade de história, numa universidade federal, recordo da discussão sobre a chapa para o Diretório Acadêmico que encabeçávamos: Não perca o trem da história. Ora, questionavam os sociais-democratas e a direita, e na história lá existem trilhos? Trem? Tem estação? E se tem, não seria hora de avaliarmos que nossa locomotiva havia descarrilhado? Sendo assim, devíamos fazer como o José Dirceu fazia antes da última reeleição do Lula, a história está a nosso favor, nada devemos fazer, só aguardar, como se numa estação estivéssemos à espera do próximo vagão? E tudo sempre com um desdém irônico, típico dos enfrentamentos políticos na universidade.

Neste instante, volto ao silencioso exemplo russo de política: não deixemos ser flanqueados, por mais poderoso que o inimigo seja, avancemos. Está sendo assim na Ucrânia, o foi na Chechênia diante de ataques terroristas, e tudo indica se manterá. O Partido Comunista do Brasil precisa propor, precisa avançar com inovações, e em todas suas instâncias. Agora somente promover e colocar bancadas de mulheres e negros já não basta. Temos que abrir as portas para movimentos LGBQIA+, movimentos da juventude de diversas matizes, para questões fundamentais como nome social, liberdade de união afetiva, assistência de saúde (leia-se também saúde mental) para as questões mais prementes desta vida patriarcal e machista que desmorona no novo milênio. Temos que manter a juventude atenta, pois só ela sabe renovar ideias, chacoalhar a poeira e trazer inovação nos vícios que se acumulam.

E, ao fim, o óbvio: precisamos combater o racismo e denunciar, sempre, práticas discriminatórias, porque é nelas que o nazifascismo, que ressurge, se baseia. O nazifascismo arregimenta suas hordas desse chorume: o preconceito e a discriminação, sempre para encobrir suas falcatruas e golpes. E para aqueles que acham que o partido, por sua formação centralista-democrática, pode ser um degrau para seu sucesso carreirístico na democracia burguesa brasileira, é bom repensar, não temos mais de 100 anos por acaso, as coisas mudam tão rápido como surgem…