O gigantismo do PT e os limites da Federação Brasil da Esperança
A Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) nasceu como instrumento político-eleitoral necessário. Ela possibilitou a superação da cláusula de barreira, assegurou unidade estratégica na disputa de 2022 e contribuiu de modo decisivo para derrotar o bolsonarismo, elegendo o presidente Lula e consolidando uma frente ampla de resistência democrática.
Entretanto, passado o momento inicial de vitória, impõe-se uma reflexão crítica: até que ponto o gigantismo do PT dentro da federação fortalece ou sufoca a possibilidade de crescimento e afirmação do PCdoB e do PV?
Não se pode negar que a federação trouxe ganhos concretos como:
- Sobrevivência institucional: sem a federação, o PCdoB enfrentaria enormes dificuldades frente à cláusula de desempenho.
- Unidade mínima programática: o bloco permitiu coordenar candidaturas e articular uma narrativa conjunta de defesa da democracia.
- Contribuição eleitoral decisiva: a soma de forças deu musculatura à campanha presidencial e ao enfrentamento parlamentar contra a extrema direita.
Esses fatores mostram que a federação cumpriu importante papel político, evitando o isolamento e preservando a relevância institucional do PCdoB.
Todavia, não podemos ignorar os efeitos do gigantismo do PT. Seu peso eleitoral e organizativo tende a transformar a federação em uma espécie de extensão da lógica petista, em que as demais legendas aparecem como meras coadjuvantes.
Essa hegemonia se expressa em três dimensões:
- Organizativa – O PT dispõe de aparato, recursos e militância que desequilibram a dinâmica federativa.
- Eleitoral – Em muitos estados e municípios, a pressão pela “viabilidade” das candidaturas petistas inibe a construção de nomes próprios do PCdoB.
- Programática – O discurso da federação, muitas vezes, reflete mais a pauta do PT do que a pluralidade das forças que a compõem.
Se não houver uma estratégia consciente, o risco é de o PCdoB perder visibilidade, identidade e capacidade de formular projetos próprios perante a sociedade.
O desafio do PCdoB não é romper a federação, mas redefinir o seu lugar dentro dela. E isso só será possível se o Partido afirmar com maior clareza sua identidade socialista, que o distingue tanto no campo da esquerda quanto dentro da própria federação.
Desde sua fundação, o PCdoB se guia pelo horizonte estratégico da construção de uma sociedade socialista, assentada no protagonismo da classe trabalhadora, na defesa da soberania nacional e no combate às desigualdades estruturais produzidas pelo capitalismo dependente e periférico brasileiro. Essa característica não é mero detalhe programático: ela é a bússola que deve orientar a ação do Partido dentro da federação.
Isso implica:
- Afirmar identidade própria: o Partido deve manter vivas suas bandeiras históricas ligadas ao movimento operário, social, estudantil, sindical e popular, sempre articuladas a uma perspectiva socialista de transformação estrutural da sociedade brasileira.
- Propor agendas específicas: a defesa do desenvolvimento nacional, da industrialização, da soberania e da justiça social devem ser expostas como marcas programáticas do PCdoB, explicitando que tais pautas se conectam a um projeto de transição ao socialismo.
- Fortalecer candidaturas próprias: é essencial que o Partido não desista de disputar prefeituras, governos estaduais e espaços legislativos, mesmo em contextos adversos, pois é nesses espaços que pode difundir sua visão para os problemas atuais, sob uma perspectiva socialista de futuro.
- Exercer crítica construtiva: a federação não pode ser espaço de subserviência, mas de diálogo franco, em que o PCdoB aponte limites e proponha caminhos, reafirmando que a luta contra o neoliberalismo e a extrema direita só alcançará êxito duradouro se articulada a uma estratégia que aponte para uma dimensão socialista adaptada às características brasileiras.
A Federação Brasil da Esperança (FE BRASIL) não deve se transformar em fusão orgânica. Ela deve ser compreendida como instrumento de unidade estratégica na luta contra o neoliberalismo e a extrema direita, mas sem apagar a diversidade política que a compõe.
O PCdoB tem um papel histórico e intransferível: ser a voz que articula um projeto nacional de desenvolvimento com base popular e horizonte socialista. Para cumprir esse papel, precisa atuar na federação com ousadia e iniciativa própria, fortalecendo sua identidade e ampliando sua inserção social.
Em resumo: a federação pode ser trincheira de fortalecimento do PCdoB, desde que o Partido não abdique de ser o que é – uma legenda comprometida com a luta do povo, com a soberania nacional e, sobretudo, com a perspectiva de construção do socialismo.
*Poeta, advogado público federal, professor do curso de Direito (UFRN). É doutor em Direito (UNIMAR) e mestre em História (UFRN). Milita no PCdoB há quase 40 anos, no Rio Grande do Norte.