Moraes durante julgamento. Foto: Rosinei Coutinho/STF

“Esse julgamento não discute se houve ou não tentativa de golpe, se houve ou não tentativa de abolição ao Estado de Direito. O que discute é a autoria”. Com essa frase, o ministro-relator Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu início ao julgamento, nesta terça-feira (9), do mérito sobre a trama golpista, perpetrada por organização criminosa chefiada por Jair Bolsonaro, com a participação de outros sete réus, boa parte dos quais militares.

O histórico julgamento, conduzido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), começou com a negativa, por parte do ministro-relator, de todas as objeções preliminares feitas pelas defesas do núcleo crucial da trama.

Entre tais questionamentos estavam a validade da delação do ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, a suposta inviabilidade de acessar o grande conjunto de provas coletadas durante as investigações e o papel de Moraes durante o processo e julgamento.

O núcleo crucial é formado por Bolsonaro, os ex-ministros ex-ministros e generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto; pelo ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier; o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que também é delator no processo.

Materialidade reconhecida

Ao iniciar a leitura de seu voto sobre o mérito do processo, Moraes salientou que “a materialidade dos delitos imputados pela Procuradoria-Geral da República, já foi reconhecida em mais de 474 ações penais”, número referente aos processos relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023.

Moraes fez questão de frisar, então, que “esse julgamento não discute se houve ou não tentativa de golpe, se houve ou não tentativa de abolição ao Estado de Direito. O que discute é a autoria, se os réus participaram, porque não há nenhuma dúvida, em todas essas condenações, e em mais de 500 acordos de não persecução penal, de que houve tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, que houve tentativa de golpe e houve uma organização criminosa que gerou dano ao patrimônio público”.

Como forma de se contrapor a argumentos das defesas e de aliados de Bolsonaro que questionaram supostos cerceamentos no andamento da ação, o ministro salientou que o devido processo legal foi respeitado, com total direito ao contraditório.

De acordo com o ministro, tanto a acusação quanto as defesas foram feitas considerando o “conjunto de uma organização criminosa, sob a liderança de Jair Messias Bolsonaro, que, de julho de 2021 a 8 de janeiro de 2023, com divisão de tarefas e de forma permanente e hierarquizada — o que caracteriza o crime de organização criminosa —, praticou vários atos executórios”.

Tais atos, argumentou, destinavam-se, primeiramente, “a atentar contra o Estado Democrático de Direito, no sentido de pretender, nos termos do Artigo 359-L, restringir ou suprimir, mediante grave ameaça, a atuação de um dos poderes de Estado, no caso, o poder Judiciário. E, também, atos executórios nesse período para consumar o Artigo 359-M, tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça um governo legitimamente constituído”.

Neste ponto, Moraes ressaltou a diferença entre os dois crimes, contrapondo-se a argumentos segundo os quais um crime conteria o outro. O primeiro ilícito, disse, “visa impedir o livre exercício dos poderes dentro de um governo constituído, não visa derrubar esse governo. No mais das vezes, é o próprio poder constituído, o governo, o Executivo constituído, que pretende — para diminuir ou acabar com o sistema de freios e contrapesos — restringir, mediante grave ameaça, a legítima atuação dos demais poderes”.

A outra conduta, completou, “os atos executórios para preparar o golpe de Estado são, aí sim, uma tentativa de ou impedir ou derrubar um governo legitimamente eleito”. “São coisas absolutamente diversas”, concluiu.

O julgamento segue nesta terça com a continuidade do voto de Moraes e, possivelmente, a leitura do voto do ministro Flávio Dino. O Portal Vermelho seguirá acompanhando o julgamento. A sentença está prevista para ser anunciada na sexta-feira (12).