Moraes vota para condenar golpistas, com agravante para o líder, Bolsonaro

O ministro-relator Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou, nesta terça-feira (9), pela condenação de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado. No caso do ex-presidente, houve ainda a imputação por liderar a organização criminosa dedicada a estabelecer uma ruptura democrática, o que poderá agravar sua pena.
“Os réus praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República”, disse Moraes, após quase cinco hora de leitura de seu voto, em que esmiuçou toda a atuação da organização criminosa, desde o início das suas ações, em meados de 2021, até o 8 de janeiro de 2023.
Moraes votou pela procedência total da ação penal para condenar os réus Almir Garnier Santos, Anderson Gustavo Torres, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Mauro Cesar Barbosa Cid, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto pela prática das condutas de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência ou grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado.
O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) responderá pelos mesmos crimes, com exceção dos dois últimos por terem sido praticados após sua diplomação parlamentar.
Ataques às urnas
Próximo de finalizar seu voto — dividido em 13 fatos principais que demonstram a maneira como o núcleo crucial agiu buscando a ruptura democrática — Moraes falou sobre os ataques às urnas eletrônicas, promovido pelo grupo como forma de deslegitimar a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao tratar do relatório feito por ordem de Bolsonaro pelas Forças Armadas com o objetivo de apontar fraudes ou brechas para descredibilizar as urnas, Moraes argumentou: “se essa organização, desde junho de 2021, insistia na vulnerabilidade das urnas eletrônicas, deslegitimando o poder Judiciário e a Justiça Eleitoral para desacreditar as eleições e dizendo inclusive, perante embaixadores e milhares de pessoas no 7 de Setembro de 2021, que as Forças Armadas é que deviam garantir sua lisura, como divulgar um relatório das próprias Forças Armadas que atestava a total lisura e ausência de vulnerabilidade das urnas?”
Mais adiante, o relator lembrou que, na sequência, Bolsonaro “determinou ao réu Paulo Sérgio Nogueira, que emitisse uma nota — uma das mais esdrúxulas e vergonhosas notas que um ministro da Defesa do Brasil poderia ter emitido — tentando disfarçar a própria conclusão das Forças Armadas. E por que isso? Para manter a chama do discurso das fraudes eleitorais e impedir a posse do presidente e vice regularmente eleitos”.
Na nota em questão, o então ministro da Defesa argumentava que os militares não haviam encontrado indícios de fraude, mas também não descartavam essa possibilidade.
Atos violentos
Na sequência, Moraes falou sobre o agravamento das tensões e dos atos executórios por parte do núcleo golpista, subsequentes à vitória de Lula. “Do dia 30 de outubro ao dia 9 de novembro de 2022, a organização criminosa, em virtude da derrota nas eleições, incita pelas redes sociais — usando o seu modus operandi tradicional — e financia milhares de pessoas para obstruírem as rodovias no dia 31 de outubro”, apontou.
O ministro lembrou que a orientação dos golpistas era bloquear rodovias federais, onde atua a Polícia Rodoviária Federal — à época comandada pelo bolsonarista Sidney Vasquez, que também é réu compondo outro núcleo de atuação. Assim, os militantes incitados por Bolsonaro e seus aliados não seriam “incomodados”.
Ao rememorar parte dos atos realizados após os segundo turno para demonstrar o intuito golpista e o uso de violência ou grave ameaça, Moraes listou, entre outros, o monitoramento de autoridades; a representação eleitoral feita pelo PL pedindo a verificação de apenas parte das urnas e apenas do segundo turno; financiamento do acampamentos golpistas; ataques ao Judiciário; planejamento da morte de autoridades com participação dos kids pretos (Plano Punhal Verde e Amarelo); a redação da carta aos comandantes do Exército e da Aeronáutica para pressioná-los a aderir à tentativa de golpe (a Marinha já havia sido “colocada à disposição” pelo almirante Almir Garnier); os atos violentos em Brasília em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação de Lula e Alckmin e a bomba colocada em caminhão, na véspera do Natal, nas proximidades do Aeroporto de Brasília, culminando do 8 de janeiro de 2023.
Como forma de denunciar a gravidade desses atos, Moraes salientou: “Estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase voltou a uma ditadura, como a que durou 20 anos, porque uma organização criminosa, constituída por um grupo político, não sabe perder eleições”.
Punhal Verde e Amarelo
Sobre o plano Punhal Verde e Amarelo — que previa o assassinato de Moraes, Lula e Alckmin —, o ministro reafirmou o conhecimento de Bolsonaro a respeito e ressaltou: “Não é possível alguém querer normalizar todo esse iter criminis (as etapas para o cometimento de um crime) desde meados de junho de 2021 até este momento em que, com armamento pesado de forças especiais do Exército, se pretendia matar o presidente do TSE (Moraes) e, com envenenamento ou remédio para induzir a colapso orgânico, matar o presidente eleito da República. Não é possível normalizar”.
Ele acrescentou que “o Brasil demorou para atingir e concretizar sua democracia. Tivemos 20 anos de ditadura, com torturas, desrespeito à independência do Poder Judiciário e do Legislativo, com as pessoas sumindo e sendo mortas. Não é possível banalizar o retorno a esses momentos obscuros da história”.
Sobre a minuta que previa o estabelecimento de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), apontou que Bolsonaro insistiu em sua aplicação de maneira desvirtuada, para viabilizar o golpe, o que teria causado incômodo aos comandantes do Exército e da Aeronáutica, durante reunião com as Forças Armadas.
“Por que um presidente da República, às vésperas de acabar seu mandato, convocaria os comandantes das FA? Para tentar garantir a sua perpetuação no poder. Na ausência de um instrumento jurídico de impugnação, só restava um instrumento: a força, GLO, intervenção militar. Isso é claro e cristalino”.