Alexandre de Moraes durante abertura do julgamento. Foto: Antonio Augusto/STF

Ao fazer sua fala inicial no julgamento da ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado por Jair Bolsonaro (PL) e aliados — iniciado nesta terça-feira (2) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — o ministro-relator Alexandre de Moraes destacou que a impunidade e a omissão deixam cicatrizes traumáticas na sociedade, corroem a democracia e incentivam novas iniciativas golpistas. E enfatizou que a Corte julgará o caso independentemente de ameaças e pressões internas ou externas.

As declarações, feitas de maneira enfática, foram um claro recado ao ex-presidente e a seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que incitaram o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a chantagear e retaliar o Brasil, atentando contra a soberania e as instituições nacionais.

“O país e a Suprema Corte só têm a lamentar que na história republicana brasileira se tenha novamente tentado um golpe de Estado, atentando-se contra as instituições e a própria democracia, pretendendo-se a instalação de um estado de exceção e de uma verdadeira ditadura”, disse Moraes.

Na sequência, acrescentou que “a sociedade brasileira e as instituições mostraram sua força, sua resiliência” e que todos os brasileiros e brasileiras “devemos afastar, com toda nossa força e empenho, a tentativa de qualquer quebra da institucionalidade”.

Nesses momentos, salientou, “a história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil — e só aparentemente, que é o da impunidade, da omissão — deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia como lamentavelmente o passado recente no Brasil demonstra”.

O magistrado enfatizou que a pacificação do país “depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo a possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição Federal e mais: significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado”.

Tentativa de coação

Ao longo do processo, como forma de desqualificar as acusações, bolsonaristas passaram a insinuar que o STF não teria apresentado provas concretas contra os réus e que a base central da ação 2668 seria tão somente a delação do ex-ajudante-de-ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.

Sem citar tal situação, mas reforçando o papel do Supremo e da Procuradoria-Geral da República, bem como os pressupostos legais levados em conta na apuração, instrução e julgamento, Moraes pontuou que a missão do STF é “analisar as acusações oferecidas pela PGR, a partir das provas produzidas segundo o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, como foi verificado na presente ação penal”.

Moraes acrescentou que “existindo provas, acima de qualquer dúvida razoável, as ações penais serão julgadas procedentes e os réus, condenados. Havendo prova da inocência ou mesmo qualquer dúvida razoável sobre a culpabilidade dos réus, os réus serão absolvidos. Assim se faz a Justiça. Esse é o papel do STF: julgar com imparcialidade e aplicar a justiça a cada um dos casos concretos, independentemente de ameaças ou coações, ignorando pressões internas ou externas”.

Plenário do STF. Foto: Antonio Augusto/STF

O ministro também salientou que “lamentavelmente, no curso dessa ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira com a finalidade de tentar coagir o Poder Judiciário — em especial, este STF — e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro”.

Ele ainda afirmou que “essa coação e tentativa de obstrução não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes do STF, que darão, como estamos dando hoje, a normal sequência ao devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e imprensa brasileiras, publicidade e transparência estas que não encontram paralelo em nenhuma corte do mundo”.

Moraes também ressaltou que “as instituições brasileiras são fortes e sólidas e seus integrantes foram forjados no mais puro espírito democrático da Constituição de 1988. Coragem institucional e defesa da soberania nacional fazem parte do universo republicano dos membros dessa Suprema Corte, que não aceitará coações ou obstruções no exercício da sua missão constitucional, conferida soberanamente pelo povo brasileiro por meio de sua Assembleia Nacional Constituinte”.

A soberania nacional, destacou, “não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida, pois é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil”. E acrescentou: “O STF sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional e em seu compromisso com a democracia, os direitos fundamentais, o Estado de direito, a independência do Poder Judiciário nacional e os princípios constitucionais brasileiros”.

Julgamento histórico

Pela primeira, autoridades e militares são julgados por tentativa de golpe no Brasil. O julgamento iniciado nesta terça-feira (2) envolve Bolsonaro e outros sete réus, grupo classificado pela PGR como núcleo crucial do golpe, por encabeçar uma série de ações com objetivo de manter o ex-presidente no poder.

De acordo com o relator, ao todo 1.630 ações penais referentes à tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023 foram ajuizadas pela PGR. Nessas ações penais, já ocorreram 683 condenações, 11 absolvições e 554 acordos de não persecução penal; 382 ações seguem em andamento.

A fala de Moraes prosseguiu com um relato pormenorizado sobre as acusações contra os réus. Na sequência, teve a palavra o procurador-geral da República, Paulo Gonet. O julgamento deve prosseguir até o dia 12.

Na denúncia apresentada em fevereiro, a PGR atribuiu ao grupo cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. 

A soma das penas máximas pode ultrapassar os 40 anos de prisão para cada réu. Todos os oito acusados respondem a esse conjunto de crimes, com exceção do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Compõem o núcleo crucial, além de Jair Bolsonaro: Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato à vice na chapa de 2022 e Mauro Cid, ex-ajudante-de-ordens de Bolsonaro.