Foto: Gustavo Moreno/STF

O ex-presidente Jair Bolsonaro chefiou a organização criminosa golpista que agiu com “unidade de desígnio” no sentido de garantir a perpetuação de seu grupo político no poder, independentemente da vontade popular expressa nas urnas. Essa foi a essência de parte do voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo sobre a tentativa de golpe, em sessão do julgamento desta terça-feira (9).

Moraes dividiu seu voto em 13 elementos centrais (veja lista abaixo) que demonstram a maneira como o núcleo crucial — formado pelo ex-presidente e outros sete réus, a maioria militares — agiu, de maneira orquestrada, com uma finalidade clara de levar a cabo um golpe de Estado.

Ao tratar do primeiro elemento — a utilização de órgãos públicos para o monitoramento de adversários políticos e a execução da estratégia para atentar contra o Poder Judiciário, desacreditando a Justiça Eleitoral, o resultado das eleições de 2022 e a própria democracia — Moraes disse que a finalidade do grupo era muito clara: “evitar o sistema de freios e contrapesos exercido pelo Judiciário” e a “perpetuação no poder”.

Dentre as estruturas públicas utilizadas pela organização criminosa foram listadas a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) à época chefiada pelo hoje deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), encabeçado pelo general Augusto Heleno.

Moraes lembrou, então, da agenda de Heleno, apreendida pela Polícia Federal, na qual foram encontradas anotações sobre diretrizes e ações a serem implementadas. “Não é razoável achar normal um general quatro estrelas do Exército, ministro do GSI, ter uma agenda com anotações golpistas, preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, o Judiciário e se perpetuar no poder”, salientou.

O ministro lembrou ainda dos documentos “Relatório de análise da urna eletrônica” e “Relatório de inspeção de códigos fontes no sistema brasileiro de votação eletrônica”, ambos em posse do general. “Tudo isso já seria extremamente estranho se não configurasse o primeiro ato executório na preparação do discurso que foi usado na sequência da live pelo réu Jair Messias Bolsonaro e que, a partir daí, criou não só esse clima de antagonismo contra o Judiciário por parcela da sociedade, mas também a sequência de graves ameaças”, ponderou.

Na sequência, Moraes de destacou que com Ramagem, “identificou-se, também, a existência de documentos em claro alinhamento com as anotações e documentos em posse de Augusto Heleno, mostrando a unidade de desígnios dessa organização criminosa”.

Segundo Moraes, um desses documentos, denominado “presidente-tse”, continha tópicos e argumentos contrários ao sistema de votação e imputando fraudes à justiça eleitoral — idêntico ao que foi dito depois em live de Bolsonaro.

Moraes lembrou que Ramagem confirmou titularidade do documento e do e-mail em que foi encontrado, salientando, porém, que as anotações eram só para ele. “Uma espécie de meu querido diário”, ironizou Moraes.

O ministro acrescentou não ser razoável a alegação de Ramagem de que esses documentos fossem apenas para guardar suas “ideias e pensamentos” e terem mensagens “escritas e direcionadas ao então presidente e réu Jair Messias Bolsonaro, depois utilizadas na live”.

Gabinete do ódio

Dando continuidade ao seu relatório, Moraes salientou que a partir da live de Bolsonaro de 29 de julho de 2021, com ataques ao sistema eleitoral, “verificou-se a utilização do mecanismo que ficou muito conhecido, a partir do gabinete do ódio: as denominadas milícias digitais. Ou seja, a live era realizada para, imediatamente, a partir de um complexo sistema de financiamento, produção e divulgação e com utilização de robôs, inclusive, divulgar essa desinformação de forma massiva para, realmente, atentar contra os poderes constituídos”.

O ministro prosseguiu dizendo que “o réu Jair Messias Bolsonaro deu sequência a essa estratégia golpista, estruturada pela organização criminosa sob a sua liderança para colocar em dúvida o resultado das futuras eleições, sempre com a finalidade de obstruir o funcionamento da Justiça Eleitoral, atentar contra o Judiciário e garantir a manutenção de seu grupo político no poder, independentemente dos resultados das eleições vindouras”.

Moraes também se contrapôs à fala de Bolsonaro, na live, em que ele dizia: “onde as Forças Armadas não acolheram um chamamento do povo, o povo perdeu sua liberdade”. O ministro, então, afirmou que “no Brasil, toda vez em que as FA acolheram um ‘chamamento’ de um grupo político que se diz representante do povo, nós tivemos golpe, estado de exceção, ditadura”.

O ministro apontou que essa linha discursiva foi também verificada nos depoimentos de pessoas presas pelos ataques de 8 de janeiro de 2023, mostrando o objetivo de insuflar parte da população para a criação de uma situação de caos que levasse as Forças Armadas a decretarem intervenção.

Em mais um momento em que colocou Bolsonaro como líder do grupo golpista, Moraes lembrou de entrevista em que o ex-presidente dizia: “Só saio preso, morto ou com a vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”. O ministro argumentou que nessa fala, “o líder do grupo criminoso deixa claro, de viva-voz, de forma pública para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota democrática nas eleições, que jamais aceitaria ou cumpriria a vontade popular”.

O Sete de Setembro de 2021 também foi apontado por Moraes como um momento em que Bolsonaro passou a fazer uma série de ameaças e afirmou categoricamente que, a partir daquele momento, descumpriria ordens judiciais, além de instigar milhares de pessoas presentes e outros milhões pelas redes sociais contra o poder Judiciário.

E, sobre a reunião ministerial de julho de 2022, Moraes destacou: “essa não foi uma reunião ministerial; foi, talvez, na forma, mas não no conteúdo. Foi uma reunião golpista em que se pretendia arregimentar mais ministros, servidores e, principalmente, os comandantes das FA para o projeto dessa organização criminosa”.

Elementos norteadores do voto de Moraes

Para organizar seu voto, o ministro Alexandre de Moraes estabeleceu 13 pontos que mostram a atuação do núcleo crucial da trama. Durante a leitura, ele foi mostrando como cada um desses itens se desdobrou em evidências e ações concretas por parte dos réus, visando o golpe de Estado:

1) Utilização de órgãos públicos para o monitoramento de adversários políticos e a execução da estratégia de atentar contra o Poder Judiciário, desacreditando a Justiça Eleitoral, o resultado das eleições de 2022 e a própria democracia;

2) Atos executórios com graves ameaças à Justiça Eleitoral: live de 29 de julho de 2021, entrevista de 3 de agosto de 2021 e live de 4 de agosto de 2021, além das graves ameaças à Justiça Eleitoral;

3) Tentativa, com emprego de grave ameaça, de restringir o exercício do Poder Judiciário, em 7 de setembro de 2021;

4) Reunião ministerial de 5 de julho de 2022;

5) Reunião com embaixadores, em 18 de julho de 22;

6) Utilização indevida da estrutura da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições;

7) Utilização indevida da estrutura das Forças Armadas em relação ao relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação do Ministério da Defesa;

8) Atos executórios após o segundo turno das eleições (live em 4 de novembro de 22); ações de monitoramento de autoridades em 21 de novembro de 22; representação eleitoral para verificação extraordinária; reunião dos kids pretos em 28 de novembro de 22 e elaboração da Carta ao Comandante; atos violentíssimos no dia da diplomação de Lula e Alckmin em 12 de dezembro de 22, com tentativa, inclusive, de invasão ao prédio da PF; colocação de bomba — que acabou não explodindo — em caminhão nas proximidades do Aeroporto de Brasília em 24 de dezembro de 22;

9) Planejamento “Punhal Verde e Amarelo” e operação “Copa 2022”;

10) Atos executórios seguintes ao planejamento do Punhal Verde e Amarelo: monitoramento do presidente eleito, operações Luneta e 142, e discurso pós-golpe;

11) Minuta do golpe e apresentação aos comandantes das FA;

12) Tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 23;

13) Gabinete de crise após consumação do golpe de estado.