Mesmo com farta comprovação, defesa insiste que Bolsonaro não tentou golpe

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), feita durante o julgamento do núcleo crucial da trama golpista nesta quarta-feira (3), seguiu o mesmo roteiro usado pelos outros réus: criticar o processo investigatório e a suposta dificuldade em acessar os autos, além de alegar inocência do cliente, pedindo sua absolvição.
Bolsonaro, que não compareceu à sessão, responde pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A soma desses crimes podem levá-lo a cumprir mais de 40 anos de prisão.
Conforme tem sido apontado, as investigações da Polícia Federal e a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) trouxeram vasta comprovação das iniciativas tomadas por Bolsonaro e seu entorno a fim de romper com a ordem democrática e se manter no poder após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência.
Ainda assim, ao apresentar a tese da defesa, o primeiro advogado a falar, Celso Vilardi, disse que não haveria “uma única prova” ligando Bolsonaro aos atos de 8 de Janeiro. Além disso, procurou descredibilizar a delação do ex-ajudante-de-ordens Mauro Cid, dizendo que ele não seria “confiável” por ter alterado suas versões — cabe destacar que a delação é apenas parte do material que compõe a peça acusatória apresentada pela Procuradoria-Geral da República.
Paralelamente, o advogado admitiu desconhecer a íntegra do processo porque, segundo ele, as provas colhidas pela Polícia Federal e disponibilizadas num acervo virtual seriam demasiadamente fartas (70 terabytes), ao ponto de não haver tempo suficiente para analisá-las — argumento semelhante ao usado pelos defensores de outros réus da trama.
O advogado também afirmou que Bolsonaro não teria incitado movimentos golpistas, nem atos violentos, ao contrário também do que mostra a investigação.
Outra tese defendida foi a de que Bolsonaro não poderia ser réu por atos preparatórios do golpe porque, de acordo com o segundo advogado a defendê-lo, Paulo da Cunha Bueno, dois dos ilícitos imputados ao ex-presidente — golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito — precisariam ser feitos mediante “atos de violência ou grave ameaça” para se configurarem como crimes, o que, segundo ele, não teria ocorrido.
Acusação da PGR
Conforme apontado na acusação apresentada pela Procuradoria-Geral da República, Bolsonaro chefiou uma organização, formada por autoridades e pessoas de seu entorno, inclusive militares de alta patente, cujo objetivo era a ruptura da ordem democrática.
Transmissões ao vivo pela internet atacando as urnas eletrônicas, reuniões com militares e minuta golpista — que oferecia as “bases legais” para sustentar o golpe — estão entre os principais elementos a demonstrar o desenvolvimento do processo golpista.
Entre os desdobramentos mais graves desse processo estão o plano Punhal Verde e Amarelo — focado no assassinato do presidente então ainda não empossado, Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes — e a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023.
O ex-presidente também é acusado de usar ilegalmente a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), bem como a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que realizou operação em redutos de Lula, no segundo turno das eleições, para impedir eleitores de comparecerem às urnas.
Progressivo e sistemático ataque às instituições

Na manifestação na qual resumiu o processo, apresentada nesta terça-feira (2), primeiro dia de julgamento, o procurador-geral da República, Paulo Gonet destacou que “o grupo, liderado por Jair Messias Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas, com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”.
Gonet prossegue dizendo que “a denúncia não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis” e que “os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada”.
Ele lembra que “as testemunhas ouvidas em juízo, especialmente os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, confirmaram que lhes foram apresentadas, em mais de uma ocasião, minutas que decretavam medidas de exceção, cujos fundamentos não se ajustavam às hipóteses constitucionais e eram de consequências impensáveis no Estado Democrático de Direito”.
Outro ponto importante da acusação é que “desde o início da prática de seus atos executórios, a organização criminosa desejou, programou e promoveu a eclosão da rebeldia popular”.
A revolta popular, explica, “serviria como fator de legitimação para que fossem decretadas as medidas de exceção. Para se aliciar o apoio popular, disseminava-se a desconfiança no processo eleitoral e se promovia o incitamento à animosidade contra os poderes constituídos”.
Por fim, salienta que o “conjunto dos fatos relatados na denúncia e suficientemente provados ao longo do feito, que obedeceu pontualmente aos parâmetros do devido processo, leva a Procuradoria-Geral da República a esperar juízo de procedência da acusação deduzida”.