Rodeado de ministros, parlamentares e representações sociais, Lula Sanciona ECA Digital. Foto: Ricardo Stuckert

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, nesta quarta-feira (17), a lei que cria o ECA Digital, também conhecido como PL da Adultização, voltado à proteção de crianças e adolescentes na internet. Além disso, lançou um pacote de iniciativas voltadas à segurança e à competitividade das empresas nesse ecossistema.

Em seu discurso, Lula agradeceu ao Congresso pela dedicação ao tema e lançou alguns recados aos parlamentares e ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que vem tentando interferir não apenas na Justiça brasileira como, também, nas iniciativas de regulação das redes sociais.

De acordo com o presidente, ao aprovar o ECA Digital, “o parlamento brasileiro deu uma demonstração de que todas as vezes em que é provocado a fazer coisa séria, consegue fazer”.

O ECA Digital é de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e teve relatoria do deputado federal Jadyel Alencar (Republicanos-PI). O texto foi apoiado pelo governo Lula e ganhou tração após a denúncia de adultização de crianças e adolescentes feitas pelo influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca.

O nome ECA Digital faz referência ao Estatuto da Criança e Adolescente, criado em 1990, e estabelece obrigações para aplicativos, jogos eletrônicos, redes sociais e serviços digitais com o objetivo de prevenir riscos e proteger os direitos desse público. Como parte do pacote anunciado hoje, o governo também apresenta medidas
para garantir celeridade e segurança jurídica na implementação (saiba mais abaixo).

Soberania digital

Para o presidente Lula, o conjunto de medidas anunciado e a sanção do ECA Digital são “um passo importante em relação à soberania digital do Brasil”. Fazendo referência a Trump, disse que “estamos dando uma demonstração de que não há veto a nenhuma empresa, seja do país que ela for, que queira vir trabalhar no Brasil e produzir atendendo a legislação brasileira”.

A fala diz respeito, especialmente, ao PL da Concorrência Digital Justa, que compõe o conjunto de medidas lançado pelo presidente. O projeto, encaminhado ao Congresso, dá ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) instrumentos para lidar com os desafios concorrenciais de plataformas de relevância sistêmica — ou seja, aquelas poucas empresas cuja posição nesse tipo de mercado afeta a capacidade de consumidores e negócios chegarem uns aos outros. O foco principal da proposta são as pequenas e médias empresas (saiba mais abaixo).

O presidente salientou que “conquistar a soberania digital não significa se isolar do mundo, criar barreiras, fechar as portas para o que há de mais avançado em tecnologia, pesquisa e inovação. Significa, isso sim, fortalecer o ecossistema digital brasileiro e torná-lo mais aberto às empresas estrangeiras dispostas a investir no Brasil. Essas empresas são e serão sempre bem-vindas”.

Em contrapartida, agregou, “exigimos de todas elas o cumprimento estrito da legislação brasileira, sobretudo no que diz respeito à proteção de nossas crianças e adolescentes no mundo digital”.

Regulação das redes

Ao se referir especificamente à proteção das pessoas no ambiente virtual, o presidente Lula enfatizou ser inegável a importância das redes digitais para a garantia de informação, estudo, lazer e os negócios, mas salientou que essas empresas “não estão e não podem estar acima da lei; não podem continuar sendo usadas para espalhar fake news e discurso do ódio; não podem dar espaço à prática de crimes como golpes financeiros, exploração sexual de crianças e adolescentes e incentivo ao racismo e à violência contra as mulheres”.

O presidente defendeu o papel do Estado na regulação desses espaços: “É um equívoco acreditar que as big techs algum dia tomarão a iniciativa de se autorregular. Esse equívoco já custou a vida de várias crianças e adolescentes. Não apenas pela prática do bullying ou pela promoção de desafios muitas vezes mortais, mas também pelos ataques contra escolas e creches estimulados em grupos de internet”.

Outro ponto tratado pelo presidente e que tem sido propositalmente deturpado pela extrema direita mundial é a defesa da liberdade de expressão. Para Lula, este é um “valor inegociável”, mas que não pode “servir de desculpa para a prática de crimes no mundo digital”.

Quanto ao PL da Concorrência Digital Justa, Lula destacou tratar-se de um instrumento para evitar práticas anticompetitivas que afetam a inovação, o empreendedorismo e as oportunidades para um conjunto enorme de empresas, independentemente da nacionalidade. “Esse é o papel do Cade no mundo físico e passará a ser também no meio digital”, afirmou.

Conjunto de medidas

O carro-chefe da cerimônia foi a sanção presidencial ao PL 2628/2022, que cria o ECA Digital. O novo marco estabelece obrigações para empresas digitais, a fim de proteger as crianças e adolescentes. Se não cumprirem as regras, as plataformas poderão ser penalizadas.

A sanção veio com três vetos. Um deles trata de item da proposta que atribuía competências à Anatel e ao CGI.br. O veto foi justificado por conter vício de iniciativa que o tornava inconstitucional.

Assim, o governo está enviando ao Congresso uma medida provisória que transforma a Autoridade Nacional de Proteção de Dados em Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), garantindo-lhe autonomia e consolidando a entidade como regulador independente da proteção de dados no país.

Além disso, foi estabelecido decreto designando a agência como a autoridade autônoma prevista no PL 2628/2022, e organiza a cooperação entre autoridades em relação às responsabilidades por encaminhamento de ordens judiciais. Dessa forma, a Anatel seguirá responsável por bloqueios no nível dos provedores de conexão e o CGI atuará sobre nomes de domínio (DNS) sob o ‘ponto br’.

Outro veto trata do tempo para a entrada em vigor do ECA Digital, que inicialmente era de um ano, passando para seis meses como forma de acelerar a nova proteção.

Há ainda um veto sobre a vinculação de multas ao Fundo da Criança e do Adolescente, de ordem administrativa, que será resolvido em medida provisória.

Por fim, o PL de Concorrência Digital Justa dá ao Cade instrumentos para lidar com os desafios concorrenciais de plataformas de relevância sistêmica, como colocado anteriormente.

De acordo com o governo, o projeto cria a Superintendência de Mercados Digitais (SMD) no Cade e um rito de enquadramento regulatório das plataformas com relevância sistêmica — com critérios objetivos, inclusive piso de faturamento (R$ 5 bilhões no Brasil e R$ 50 bilhões em nível global), e seguindo decisão colegiada.