O governador de São Paulo age nos bastidores da política para herdar o eleitorado de extrema direita de Jair Bolsonaro.

A ofensiva política do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em favor de uma anistia ampla que beneficiaria Jair Bolsonaro e outros acusados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro, detonou reações duríssimas nos principais jornais do país. Em editoriais publicados nesta quinta-feira (4), Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo classificaram a articulação como um ataque frontal à ordem constitucional, um risco de institucionalizar a impunidade e uma ameaça à própria democracia.

A convergência dos três maiores jornais do país em torno da condenação da manobra revela o peso da crise política em curso. Para Folha, Estadão e Globo, a anistia seria não apenas uma jogada casuística para salvar Bolsonaro, mas também um precedente corrosivo que enfraqueceria o combate a futuras ameaças à democracia.

Em comum, os editoriais apontam que impunidade não pacifica: ao contrário, legitima novas tentativas de ruptura e mina a confiança da sociedade nas instituições. Ao mirar no curto prazo eleitoral, Tarcísio arrisca manchar suas credenciais republicanas e tensionar ainda mais a relação entre os Poderes.

Folha: fidelidade a Bolsonaro à custa da lei

Folha de S.Paulo destacou que o movimento do governador paulista é menos jurídico e mais político, motivado pela tentativa de se consolidar como candidato da direita em 2026. Para o jornal, o acordo de Tarcísio com partidos do Centrão e a defesa da anistia “propagam uma afronta institucional”, pois significam oferecer perdão antes mesmo da condenação por crimes gravíssimos.

O editorial vê o gesto como demonstração de fidelidade ao bolsonarismo, mas considera “nefasto” que parlamentares e governadores trabalhem para sabotar o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF). “Os acusados de golpismo precisam se entender com a Justiça, não com partidos”, sentencia a Folha.

Estadão: “acordo pornográfico” e repetição da História

O tom mais ácido veio do Estadão, que classificou a articulação como um “acordo pornográfico”, “juridicamente teratológico [decisão absurda] e moralmente inaceitável”. Para o jornal, admitir anistia a quem atentou contra a democracia é aceitar que a Constituição contenha um mecanismo de “autodestruição”.

O texto ressalta que a pressa em livrar Bolsonaro e seus aliados não busca proteger apenas os “idiotas úteis” que invadiram Brasília, mas sim “os mentores do golpe, cujos nomes figuram no topo da política e das Forças Armadas”. O Estadão também recupera a tradição brasileira de anistias a militares e golpistas, que, em vez de pacificar, alimentaram novos ciclos de ruptura. A advertência é clara: “cada perdão fomentou a ruptura seguinte”.

O Globo: risco de crise entre Congresso e STF

Já O Globo fala em “afronta irresponsável à Constituição” e pressiona o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a enterrar a proposta. O jornal lembra que, se aprovado, o projeto inevitavelmente será questionado no STF, abrindo uma crise institucional inédita entre Legislativo e Judiciário.

Para o Globo, o argumento de que a anistia traria pacificação é falacioso: “revigora quem defende a destruição do Estado Democrático de Direito”. O editorial também critica a postura de Tarcísio, que chegou a declarar não confiar na Justiça: uma estratégia para ganhar apoio de Bolsonaro, mas que, na visão do jornal, pode corroer sua imagem de representante de uma direita institucional.

Tarcísio articula Centrão para blindar Bolsonaro e herdar liderança da direita

O governador de São Paulo mergulhou nas articulações em Brasília para viabilizar uma anistia ampla aos acusados de tentativa de golpe de Estado, incluindo Jair Bolsonaro. A manobra busca não apenas livrar o ex-presidente da condenação esperada no Supremo Tribunal Federal (STF), mas também garantir a transferência da liderança do bolsonarismo ao governador paulista, que desponta como candidato da direita em 2026.

A estratégia, segundo aliados, é votar o projeto ainda em 2025, antes da disputa presidencial, de modo a esfriar o tema na campanha e evitar que Tarcísio enfrente embates diretos com o STF em pleno período eleitoral. Em troca, Bolsonaro consolidaria o apoio ao seu nome como sucessor na corrida pelo Planalto.

O plano tem como base a adesão de partidos do Centrão, como União Brasil e PP, que romperam com o governo Lula e se alinham cada vez mais a Tarcísio. O principal obstáculo, no entanto, está no Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre (União-AP) resiste a uma anistia que beneficie Bolsonaro, tornando-se alvo de pressões simultâneas do Planalto e da oposição.

Os editoriais apontam que a manobra de Tarcísio não é apenas um cálculo eleitoral: trata-se de um movimento que pode pôr em choque Congresso e Supremo, reabrindo brechas institucionais para novas investidas contra a democracia.

(por Cezar Xavier)