Lula e José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras.Foto: Ricardo Stuckert / PR

O economista Sérgio Gabrielli classificou o anúncio de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros por Donald Trump como uma “ação imperialista” com objetivo essencialmente político. Em entrevista ao programa Entrelinhas Vermelhas, ele argumentou que a medida visa “reduzir a possibilidade da esquerda continuar no governo a partir de 2026” e desestabilizar o país.

“A discussão deixou de ser comercial e se deslocou para o centro do poder americano, o Departamento de Estado. A motivação deles é desestabilizar o governo, forçar o Judiciário a se dobrar e recuar em políticas”, afirmou Gabrielli, destacando o apoio aberto de setores da direita brasileira a Trump.

Assista a íntegra da entrevista:

Impacto econômico limitado, efeito setorial severo

Gabrielli projetou que o impacto macroeconômico será administrável, afetando cerca de 1,5% do PIB brasileiro, já que 70% das exportações para os EUA estão isentas. No entanto, alertou para consequências graves em setores específicos:

  • Armas: Dificuldade de encontrar mercados alternativos;
  • Frutas e móveis: Encontrariam alternativas com dificuldade;
  • Carnes: Teriam mais facilidade para realocação.

O economista defendeu que o governo adote políticas setoriais para mitigar os efeitos, mas reforçou que a verdadeira batalha é política e de soberania.

BRICS: tiro sairia pela culatra

Questionado se o ataque a Brasil e países outros BRICS (Índia, África do Sul e Rússia) visaria enfraquecer o bloco, Gabrielli avaliou o oposto. Ele citou o recente anúncio do gasoduto Sibéria Soberana entre Rússia e China como exemplo de como as ações de Trump podem fortalecer a integração entre os países do grupo.

“Se o Brasil continuar nesse processo de autonomia e altivez, e China, Rússia e Índia se unificarem, os BRICS saem fortalecidos”, projetou, destacando que Lula mantém diálogo com todos os líderes do bloco.

O Projeto Nacional de Desenvolvimento: uma necessidade urgente

Para Gabrielli, o Brasil carece de um projeto nacional claro, como a China, a Rússia e a Índia. Ele criticou a desindustrialização precoce desde os anos 1980 e a financeirização da economia, que tornou a indústria dependente do capital internacional.

O economista elogiou a abordagem do programa Nova Indústria Brasil, por ser orientada a “missões” e demandas internas, mas alertou que a política ainda é muito dependente de instrumentos de mercado e condicionada por juros altos e câmbio volátil.

“Precisamos desenvolver um projeto nacional integrado, com novos setores, maior uso de computação e atenção a questões climáticas. Não adianta dizer que ‘o agro é pop’ e ignorar o resto”, afirmou.

Big Techs: o novo campo de batalha geopolítico

Gabrielli destacou a mudança radical no capitalismo global: das dez maiores empresas do mundo em 2010, seis eram petroleiras ou industriais; hoje, todas são big techs. Ele alertou que o Brasil corre o risco de se tornar um mero exportador de recursos para essa nova economia.

“Se formos exportar hidrogênio como amônia, estaremos exportando sol, água e vento. O valor agregado ocorreria na Europa. Precisamos densificar cadeias produtivas aqui”, defendeu, citando a necessidade de desenvolver aço verde, cimento verde e combustíveis sintéticos.

Reformas estruturais e a disputa por 2026

Para viabilizar um projeto nacional, Gabrielli listou reformas urgentes:

  • Tributária: Sistema menos regressivo, “colocando o pobre no orçamento e o rico na tributação”;
  • Macroeconômica: Redução de juros e controle do câmbio para reduzir ganhos financeiros da elite;
  • Industrial: Adicionar valor às exportações de commodities;
  • Social: Fortalecer SUS, salário mínimo e transferência de renda.

O economista alertou para os riscos eleitorais de 2026, com a extrema direita focando no Senado para dificultar governos progressistas. “Governar a partir de 2026 será mais difícil. Precisamos de força política para mudar a macroeconomia”, concluiu, enfatizando que a disputa será diária e permanente.

O programa Entrelinhas Vermelhas vai ao ar às quintas-feiras pela TV Vermelho, YouTube e Spotify.

(por Cezar Xavier)