Debate no Senado alerta sobre a pejotização do trabalho

O Senado promoveu nesta segunda-feira (29) o debate sobre “Precarização das Relações de Trabalho: Pejotização, Terceirização e Intermediação”. Convocado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a sessão antecipou uma discussão que estará na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos dias.
Com o início da presidência da Corte pelo ministro Edson Fachin, o tema será um dos primeiros tratados sob sua liderança. Há uma expectativa positiva, pois Fachin já demonstrou apoio à Justiça do Trabalho.
Os julgamentos sobre pejotização (Pessoa Jurídica) nas cortes trabalhistas encontram-se parados desde abril por determinação do ministro do STF, Gilmar Mendes. A expectativa é que colegiado do Supremo determine uma resolução geral sobre os reconhecimentos de vínculos empregatícios, destravando os processos e a atuação do Judiciário.
“Vivemos tempos em que os direitos dos trabalhadores estão sofrendo ataques permanentes. Nada melhor que um debate franco e aberto para apontarmos caminhos, sempre com muito diálogo”, afirma Paim.
De acordo com o senador, a precarização do trabalho assume diversas formas e todas vão na linha de reduzir custos para o empregador e transferir riscos e responsabilidades para os trabalhadores.
“Estou me referindo àquelas propostas que realmente fragilizam as leis trabalhistas. Entre essas práticas, destacam-se a pejotização, a terceirização e a intermediação irregular. Além, também, do enfraquecimento da Justiça do Trabalho”, diz.

Debate
Na tribuna do Senado, o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Valter Souza Pugliesi, criticou as tentativas de banalizar o tema de forma maniqueísta, como se não houvesse formas de associar a geração de mais empregos com proteção trabalhista.
“Nada mais atual quando nos defrontamos com o desafio das novas formas de produção e prestação de serviços, guiadas pela nova revolução, agora tecnológica, que nos desafia a pensar e repensar o mundo do trabalho sem permitir que sejamos tragados pelo discurso fácil da necessária flexibilização para a manutenção dos empregos, que carrega carga subliminar de ameaça, ou, na expressão que ouvimos em tempo recente: é melhor ter menos direitos e emprego do que mais direitos e desemprego”, analisa Pugliesi, ao citar a defesa da flexibilização de direitos que permeou o governo de Jair Bolsonaro sob orientação do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes.
Também houve espaço para discordância. O diretor-executivo do Instituto Livre Mercado, Rodrigo Marinho, defendeu a atuação das empresas de aplicativo, acusadas de dificultar a regulação do mercado. Para ele, existe uma falta de sintonia no governo, uma vez que se comemora o baixo desemprego, mas se faz críticas às empresas de aplicativo, responsáveis por oferecer trabalho: “políticas públicas não devem ser medidas pelas suas intenções, e sim pelos seus resultados”, justifica.
Na visão de Marinho, o Congresso permitiu um avanço positivo em reconhecer a legitimidade da terceirização e agora também precisa reconhecer o papel dos aplicativos de entrega e transportes, afastando a pauta do entendimento do STF.
Pejotização
A procuradora do Trabalho e vice-coordenadora nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, Priscila Dibi Schvarcz, fez questão de explicar o que se entende por pejotização.
“É um termo que foi criado para adjetivar uma fraude. E a gente está à frente da possibilidade de institucionalizar a pejotização. Quando o empregador contrata um empregado e, ao invés de registrar a carteira de trabalho ele contrata como PJ (Pessoa Jurídica), ou como MEI (microempreendedor individual), e muitas vezes, inclusive, custeia a própria criação dessa PJ, ele tem o único objetivo de afastar a incidência dos direitos dos trabalhadores”, alerta Schvarcz, ao apontar que essas condições estão cada vez mais comuns, o que esvazia qualquer opção dos trabalhadores.
Preocupação
O ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, demonstrou preocupação com o desmonte da legislação trabalhista, pois rompe com o pacto sociopolítico definido na Constituição de 1988.
Para ele, os trabalhadores contratados como PJ estão desprotegidos, sendo obrigados a trabalhar muito mais do que o período habitual, inclusive finais de semana, e são mais passíveis a assédio: “O que nós estamos vendo com esse tipo de construção é exatamente o afastamento e a redução a pó do artigo 7º da Constituição Federal [direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social], que não se aplicará a quem está no mundo do trabalho, nem para o trabalho decente”, argumenta Filho.
Segundo o presidente do TST, estas formas de contratação que burlam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) atacam a construção histórica de luta social, de reivindicação de direitos e de fortalecimento de classes.
“Eu não vejo progresso nisso, eu vejo retrocesso. Talvez o progresso seja construir uma outra legislação com outro desenho para determinadas formas de trabalho, mas não desproteger, porque nós temos velhice, acidentes, descanso, temos uma série de proteções que vem da Previdência Social. Como vai ficar esse discurso? Quem vai pagar a Previdência? Quem vai ser responsável pelas gerações futuras?”, pergunta o magistrado.
Em defesa da pejotização, o gerente de gestão das representações da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Sérgio Henrique Moreira Sousa, entende que o modelo é uma “expressão da liberdade econômica e da livre iniciativa da autonomia do trabalhador”. Dessa maneira, espera que a regulação da área assegure direitos, mas preservando a competitividade empresarial e a escolha de quem trabalha.
O discurso do representante da CNC foi rebatido pela coordenadora-Geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego, Dercylete Lisboa Loureiro.
Como elucida, a pejotização do trabalho está intrinsecamente relacionada à fraude: “Isso é um neologismo, pejotização é uma palavra que não existia. Pejotização e “cnpjotização” são sinônimos de fraude. É disso que se trata. É como se quisessem enganar os trabalhadores e as trabalhadoras, levando-os a uma compreensão equivocada”, rebate a auditora que atua na área há 26 anos.
Loureiro apresentou dados que mostram como os trabalhadores estão sendo coagidos a prestar serviços como PJ.
Entre janeiro de 2022 e julho de 2025, 5,5 milhões de CPFs (Cadastro de Pessoa Física) tiveram os contratos de trabalho extintos e passaram a ser vinculados a um cadastro PJ, dado representado por 6 milhões de empresas vinculadas a estas pessoas – o número superior indica que muitos abriram até mesmo mais de uma empresa ou se tornaram sócios de outros negócios, para prestar diferentes serviços.
Desse total de 6 milhões de CNPJs (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) abertos, 4,7 milhões são de MEIs, 954 mil são optantes do Simples Nacional (microempresas ou de empresas de pequeno porte) e 347 mil estão em outros tipos empresariais.
“Com isso, nós podemos afirmar que nesse período [janeiro de 2022 até julho de 2025] temos 8,3 milhões de MEIs criados. Desses mais de 8 milhões, 4,7 milhões são ex-empregados. Assim, nós temos 56,67% de MEIs que são ex-empregados. Ou seja, é um total desvirtuamento do MEI. Porque, se ele foi criado com o objetivo de trazer microempreendedores para ter uma proteção social, hoje, o MEI se tornou um instrumento de informalidade, pois está retirando trabalhadores, que estão com a sua carteira de trabalho anotada, para irem para a informalidade”, lamenta a servidora do Ministério do Trabalho.
‘Gamificação’ e escravidão moderna
O assessor jurídico da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), representando as centrais sindicais, Cristiano Brito, aproveitou para explicar como as plataformas digitais que oferecem trabalho precarizado têm construído artimanhas para envolver a juventude e controlar todos os seus passos.
“Um caso concreto e recente é a “gamificação” do trabalho [elementos de jogos para o app com a oferta de trabalho]. Como um jogo de videogame, dá pontos, dá prestígio para aquele que cumpre uma certa demanda. As plataformas agora, para além do controle do pessoal, dão um chip de telefone e você passa a ter controle total do trabalhador. Então, se sabe o horário que o trabalhador começa a trabalhar, para onde ele vai, qual rumo tomou. Então, essa oferta de um chip como benefício, na prática, centraliza na empresa e permite o monitoramento continuado do trabalhador, com geolocalização, padrões de conexão e os horários que ele começou e desativou”, denuncia.
Já a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Corrêa Lima, demonstrou sua preocupação com o discurso neoliberal assumido pelos trabalhadores de aplicativo, pois esvazia o debate, assim como qualquer instância de representação de classe.
“O mais grave, na minha leitura, é quando a gente percebe que as pessoas estão convencidas de que isso [pejotização] de fato é o melhor. Isso é muito perigoso. Onde estará a resistência? E não é por acaso que também esse novo trabalhador não quer reconhecer qual é o papel de um sindicato, não quer se sindicalizar, para ele isso não tem importância. Então, onde é que nós estaremos? A classe trabalhadora estará reunida onde? A resistência se dará de que forma? A partir de que organização? Qual defesa será feita se o próprio trabalhador está convencido de que isso é o melhor para ele? É muito grave”, considera Lima.
Por fim, o diretor de assuntos parlamentares do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), Leonardo José Decuzzi, provocou quem acompanhava a sessão, de forma online e presencial: “Temos que pensar qual é o tipo de país que estamos construindo e qual é o tipo de trabalho que deixaremos para as novas gerações. O país do trabalho precário, da escravidão moderna, ou do trabalho digno?”, questiona.