Os problemas da produção de conteúdo revolucionário

Um dos maiores desafios enfrentados pela esquerda na comunicação digital é a persistência em formatos e linguagens ultrapassados. A produção de conteúdo revolucionário muitas vezes permanece ancorada em estratégias desenvolvidas para mídias offline, como televisão, rádio e jornais impressos. Embora essas ferramentas tenham sido essenciais em outro momento histórico, replicar essas mesmas linguagens e formatos na internet não é eficaz. As redes sociais têm suas próprias dinâmicas de consumo, baseadas em estética, semiótica e na lógica dos algoritmos. Ignorar isso significa perder a capacidade de mobilizar e conscientizar as massas de forma ampla.

A comunicação eficaz no mundo contemporâneo é essencialmente virtual. Ela exige o domínio da dinâmica dos algoritmos, o uso de linguagens visuais e textuais apropriadas e uma abordagem estratégica para alcançar o público certo. Nesse sentido, o foco da comunicação revolucionária deve ser gerar consciência de classe, alcançando não apenas quem já está engajado, mas principalmente aqueles que sofrem as injustiças sociais e ainda não conseguem se articular a favor de si.

Essa desconexão é particularmente evidente quando se trata de abordar temas complexos e urgentes, que exigem não apenas atenção, mas também engajamento emocional do público. O problema não está no conteúdo em si, mas na maneira como ele é apresentado. A esquerda, em geral, luta para traduzir mensagens profundas em formatos acessíveis que se alinhem à estética e à velocidade das redes sociais. Isso cria uma barreira entre a mensagem e o público-alvo, especialmente entre os trabalhadores, que são os mais afetados pelos temas abordados, mas muitas vezes não são impactados pela comunicação utilizada.

Parte do problema está na falta de entendimento de que a guerra contra os algoritmos é, em grande parte, uma batalha por linguagem e estética. Não se trata apenas de comunicar, mas de fazer isso de uma maneira que consiga competir pela atenção em um ambiente saturado e dominado por padrões visuais e semióticos próprios. A dificuldade da esquerda em adaptar sua linguagem ao formato das redes sociais é um entrave significativo. Muitos acreditam que mudar o formato significa diluir ou perder a seriedade da mensagem, mas essa visão é limitada. O verdadeiro desafio é traduzir informações densas e críticas – sobre a sociedade, as mudanças sociais e a realidade – para um formato que seja moderno, dinâmico e adaptado às redes sociais, sem abrir mão do rigor e da profundidade que os temas exigem.

Essa resistência a adaptar a comunicação não é apenas um problema técnico; é também cultural. Há uma ideia enraizada de que “não se mexe em time que está ganhando”, mas a realidade mostra que a esquerda está longe de ganhar essa guerra digital. Enquanto os algoritmos mudam constantemente e moldam o comportamento dos usuários, a esquerda segue agindo como há 10 ou 15 anos, sem reconhecer que as dinâmicas das redes sociais evoluíram drasticamente. Essa postura reativa impede a construção de estratégias baseadas em dados e insights, que poderiam ajudar a identificar o que realmente funciona na comunicação com diferentes públicos.

Para superar esse cenário, é necessário um esforço consciente para repensar as estratégias de comunicação, abraçar a análise de dados e compreender a semiótica das redes sociais. Não é suficiente produzir conteúdo “revolucionário”; é preciso apresentá-lo de forma que ele consiga competir com os conteúdos promovidos pelo algoritmo, conectando-se emocionalmente e visualmente ao público-alvo. Trata-se de uma luta semiótica e estética que é parte essencial da luta de classes no mundo contemporâneo.

Manipulação das Big Techs

A manipulação exercida pelas Big Techs é um fator crucial na luta pela comunicação revolucionária. Essas empresas não apenas priorizam conteúdos que reforçam a extrema-direita, mas também criam um ambiente em que ideias de esquerda são marginalizadas ou ativamente suprimidas. Trata-se de uma forma de censura velada, disfarçada pela lógica algorítmica, que favorece aqueles que têm maior poder financeiro e político. Redes como o Twitter (agora X) são exemplos claros de como essas plataformas são moldadas pelos interesses de seus proprietários bilionários, que utilizam suas ferramentas para reforçar estruturas de poder que já estão em vigor.

Por que multimilionários estão tão interessados em adquirir e estreitar laços com essas plataformas? Porque elas não são apenas redes sociais; são instrumentos de controle sobre a opinião pública e a narrativa política global. Para esses proprietários, não se trata apenas de lucro, mas de consolidar uma visão de mundo que perpetua o neoliberalismo, a desigualdade social e uma estrutura onde o trabalhador é visto apenas como um serviçal ou uma massa de manobra. Essas plataformas oferecem uma alavanca poderosa para moldar o debate público e bloquear a disseminação de ideias que desafiem o status quo.

Entender esse cenário é crucial para a esquerda. Nosso conteúdo muitas vezes não viraliza ou atinge o patamar necessário porque essas plataformas não estão alinhadas aos nossos valores ou objetivos. Não é apenas uma questão de “falta de interesse” por parte das Big Techs; é uma questão de estrutura. Elas estão intrinsecamente ligadas ao fascismo, ao capitalismo e a modelos que excluem qualquer possibilidade de transformação social. No entanto, as pessoas que mais sofrem os impactos dessas estruturas – trabalhadores e comunidades marginalizadas – frequentemente desconhecem o potencial transformador de propostas revolucionárias. Nosso desafio é superar essa barreira e alcançar esse público, gerando consciência de classe e demonstrando como nossas propostas podem impactar positivamente suas vidas.

Isso nos leva a um ponto central: adaptar nossa linguagem e formato não significa nos aproximar da extrema-direita, mas sim utilizar as ferramentas do inimigo contra ele mesmo, como já dizia Vilém Flusser. Precisamos identificar os gargalos na nossa produção e entender por que o conteúdo revolucionário não atinge a relevância que deveria, mesmo em uma sociedade cada vez mais interessada em temas como justiça social e direitos dos trabalhadores.

Não estamos apenas em uma guerra de narrativas, mas em uma guerra de linguagem. Quando apresentamos temas relevantes, como as condições de trabalho na escala 6×1 ou outras questões sociais importantes, vemos que a sociedade se mobiliza. Isso prova que o problema não está no conteúdo, mas na forma como ele é apresentado. É fundamental adaptar o formato às redes e ao público-alvo, sem abrir mão da essência do que queremos comunicar. Nosso objetivo é claro: alcançar o coração das massas, garantindo que aqueles que mais se beneficiariam das nossas propostas consigam acessá-las, compreendê-las e, finalmente, agir a favor delas.