Crítica ao Projeto de Resolução (III)
(continuação de artigo anterior)
12. Dizer que o “socialismo retoma prestígio” (tese 44) que, “em linha ascendente” se “apresenta aos olhos de significativas parcelas da população mundial como sinônimo de avanço das forças produtivas, etc.” (tese 41) não passa de wishful thinking… Precisamos encarar a realidade, mesmo que – ou justo por que – muito desagradável. O que se encontra em evidente “linha ascendente” é o fundamentalismo religioso, o obscurantismo terraplanista, o nazifascismo. A nossa defensiva não é “estratégica” mas, antes, nos é imposta. E nem de longe estamos num estágio “positivamente distinto daquele de três décadas atrás” (idem): muito pelo contrário. A humanidade ocidental, aqui incluídos também as sociedades muçulmanas do Oriente Médio, caminhou a passos largos para a barbárie nos últimos 30 anos, num retrocesso assustador, devido ao esfrangalhamento do tecido social apontado em 11, acima. Sem dúvida, pode-se afirmar que essa caminhada para trás enfrenta resistência de amplos setores sociais ainda comprometidos com a Civilização e o Iluminismo. Mas não se pode afirmar que esses setores tenham clareza plena da luta civilizatória que estão travando. Idiossincrasias ideológicas têm, não raro, impedido que esses setores consigam se unir numa poderosa frente ampla em defesa da democracia e da civilização. Vimos, na última eleição presidencial, que essa frente ampla é possível. Mas se foi suficiente para eleger Lula presidente, não foi suficiente para evitar as muitas derrotas Brasil a fora e a eleição desse Congresso que aí está.
13. A China e países vizinhos do Extremo Oriente se colocam, sem dúvida, na posição de herdeiros do processo civilizatório diante da decadência do Ocidente. Se a etapa superior do processo civilizatório será o socialismo, então a China exibe, hoje, o melhor caminho para chegarmos lá. Dizer que a China está “na liderança em setores estratégicos, etc.” (tese 20), implica dizer que ela está liderando a 3ª revolução científico-técnica, porém, ao contrário do Ocidente capitalista, implementa políticas públicas socialmente inclusivas que elevam o padrão de vida do conjunto da sua população. Esse modelo pode e deve se tornar um trunfo propagandístico para um projeto comunista voltado para o século XXI e, também, exemplo de modelo de projeto para o nosso País. Neste sentido, deve ser claro aos comunistas que a democracia liberal, nos termos como estabelecida e cada vez mais degradada no Brasil, é impotente para levar à frente a gigantesca tarefa de alinhar, também nosso País, à fronteira da 3ª revolução científico-técnica com inclusão e progresso social. Esta tarefa que inclui, por óbvio, a reconstrução do Estado nacional (tese 90), é realmente revolucionária. O que impõe aos comunistas considerar tarefas políticas e ideológicas para além dos limites, cada vez mais estreitos, sobretudo diante do avanço nazifascista, da democracia liberal num país semi-periférico.
14. Uma das tarefas revolucionárias mais urgentes, está pressuposta na tese 62: “entre os anseios, cuja gravidade reclama respostas imediatas, destaca-se o direito da população à paz e segurança pública”. No entanto, a proposta do PR é apoio à PEC da Segurança Pública, projeto limitado em seu alcance e que dificilmente sairá do papel devido à correlação de forças parlamentar e política favorável à barbárie. As “milícias” e o “crime organizado”, hoje em dia presentes em todo o território nacional, já se impondo sobre uma população de 50 milhões de brasileiros e brasileiras, constituem a mais grave ameaça existencial ao Estado nacional brasileiro! Não é uma PEC que dá um pouquinho mais de poderes às polícias federais, liquefeita ao longo de sua tramitação pelos interesses paroquiais de governadores e parlamentares, não raro articulados a outros motivos inconfessáveis, que dará resposta a tão grave, a tão vital problema. Ele precisa ser enfrentado de frente. E justo porque a população reclama o seu direito à paz e à segurança pública, os comunistas, porque carregam em sua história uma larga experiência de enfrentamento à violência, precisam se posicionar de modo a virem a ser identificados pela população como uma força efetivamente capaz de propor e encaminhar soluções muito concretas que recuperem, para o Estado nacional, o domínio militar, econômico e cultural sobre vastas parcelas do território nacional hoje tomadas por essas organizações.
15. O enfrentamento ao nazifascismo de massas (fundamentalismo, obscurantismo etc.) é a nossa tarefa fundamental. No momento em que as hordas de Alarico ocupam até a capital do Império, com as consequências que já estamos sentindo, essa tarefa pode vir a ser um tanto facilitada por causa da explícita agressão que nosso país está sofrendo, com apoio dos quinta-colunas internos. A defesa da civilização e o aprofundamento da democracia na direção de uma democracia popular, pode vir a se conjugar, positivamente, com a defesa da soberania nacional. Um projeto nesse sentido, entre outras prioridades, não pode ignorar a absoluta necessidade de recuperarmos o controle nacional sobre nossas infraestruturas de comunicação e nos apropriarmos, nacional e publicamente, das plataformas sociodigitais que, sobre essas infraestruturas, tornaram-se, hoje em dia,essenciaisaos negócios e à vida cotidiana da sociedade brasileira. Entre outras tarefas imediatas, o Estado brasileiro (os Três Poderes, os três níveis da Federação, as Forças Armadas) não pode mais seguir “pendurado” nas “nuvens” e meios de comunicação das corporações mediático-financeiras. Urge transferir esses serviços para sistemas sob absoluto controle do Estado nacional. Urge, também, que o Partido passe a se apoiar em sistemas endogenamente desenvolvidos nas suas comunicações internas. O uso, pelo Partido, de plataformas da Meta, Alphabet, X etc., apenas se justifica como instrumentos de “agit-prop” (enquanto for possível) (ver 10, acima).
16. A tarefa dos comunistas na presente quadra histórica precisa ser lançar um forte brado em defesa da Civilização. Para isso, neste XVI Congresso precisarão elaborar um programa à altura desse enorme desafio. Um programa para o século XXI, não para matar as saudades do século XX…
*Professor Titular ECO-UFRJ. Presidente da Seção Rio de Janeiro da Fundação Maurício Grabois.