Crescer entre os Trabalhadores, Elevar Consciência e Organizar a Esperança: uma contribuição à estratégia do Partido
Em meio à nova etapa da luta de classes no Brasil e no mundo, marcada por ofensivas reacionárias, precarização do trabalho, reestruturação produtiva e múltiplas formas de opressão, torna-se ainda mais urgente reafirmar a vocação histórica do Partido Comunista do Brasil: ser o instrumento revolucionário da classe trabalhadora brasileira na luta pelo socialismo.
O 16º Congresso do PCdoB nos convoca a debater o programa, a tática, a estrutura partidária e o enraizamento popular. Neste espírito, trago uma contribuição centrada em uma pergunta fundamental: quem é o trabalhador hoje? E, sobretudo: como o Partido pode crescer entre as massas, elevando sua consciência, sua organização e seu protagonismo?
O trabalhador na concepção marxista
A concepção marxista de trabalhador se baseia na posição estrutural do indivíduo nas relações de produção. Trabalhador é aquele que não possui os meios de produção — como terras, fábricas, bancos, empresas ou plataformas digitais — e, por isso, precisa vender sua força de trabalho em troca de um salário ou remuneração para sobreviver. Essa condição define sua inserção na classe trabalhadora, independentemente do vínculo formal, do tipo de ocupação ou da estabilidade no emprego.
Dessa forma, trabalhadores são tanto os operários da indústria quanto os técnicos administrativos, os trabalhadores de aplicativos, os motoboys com suas próprias motos, os vendedores ambulantes, os professores, os jovens desempregados e os que exercem atividades informais. Incluem-se também os assalariados da agricultura, os cortadores de cana, os operários da construção civil, os terceirizados da limpeza e da segurança, os entregadores de delivery, as trabalhadoras domésticas, os operadores de call center e telemarketing, os digitadores de plataformas, os funcionários de centrais logísticas, os operadores de caixa de supermercado, os cuidadores e cuidadoras de idosos, os freelancers de serviços digitais, os produtores de conteúdo para redes sociais monetizados por algoritmos e os trabalhadores por demanda em aplicativos de transporte, frete, conserto ou pequenos serviços.
Mesmo quem trabalha com meios próprios — como costureiras, artesãos, marreteiros, pequenos produtores ou trabalhadores por conta própria — pode ser considerado trabalhador, desde que não explore sistematicamente o trabalho alheio e dependa de seu próprio esforço pessoal para sobreviver.
É preciso considerar também os que vivem de “bicos”, das chamadas “rendas mistas” ou de estratégias de sobrevivência forjadas à margem do assalariamento formal, mas que continuam subordinados à lógica do capital.
A classe trabalhadora inclui também os desempregados e os que nunca tiveram um emprego formal, mas cuja sobrevivência depende, ou dependerá, da venda de sua força de trabalho. No capitalismo contemporâneo, essa definição precisa abarcar a diversidade de formas de exploração e as novas formas de subordinação ao capital, incluindo as falsas promessas de empreendedorismo individual e a ideologia da “autonomia” imposta pela precarização.
A definição marxista de trabalhador também está diretamente ligada à noção de geração de mais-valia. No capitalismo, a mais-valia é a base do lucro, extraída de diferentes formas: pela exploração direta do trabalhador assalariado, que produz valor acima do que recebe como salário; pelo exército industrial de reserva — os desempregados — que pressionam para baixo os salários e condições de trabalho dos empregados; e pelos trabalhos não remunerados, como o trabalho doméstico e de cuidado, que garantem a reprodução cotidiana da força de trabalho a custo zero para o capital. Esses mecanismos de extração de valor se articulam para manter e expandir a acumulação capitalista, ao mesmo tempo em que ampliam a exploração, a desigualdade e a opressão estrutural. Compreender essa totalidade é fundamental para uma política comunista que se proponha a enfrentar radicalmente as raízes da dominação burguesa.
Além disso, a definição marxista de classe trabalhadora deve abarcar também aquelas pessoas, em especial mulheres, que realizam o trabalho doméstico e de cuidado não pago, indispensável à reprodução da força de trabalho. Essas trabalhadoras, embora fora das relações assalariadas diretas, são parte fundamental do processo de acumulação capitalista, pois garantem diariamente a manutenção da vida, da família e da capacidade produtiva da classe operária. Sem esse trabalho invisibilizado e naturalizado pelo patriarcado, o sistema não se sustenta. Reconhecer essas mulheres como integrantes da classe trabalhadora é essencial para a formulação de uma estratégia socialista que integre a luta de classes com a luta antipatriarcal.
A posição na estrutura de classes é determinada pela relação com o capital, e não pela carteira assinada. Quem trabalha para viver e não vive do trabalho alheio, é trabalhador. E esse contingente forma a imensa maioria da população brasileira.
O capitalismo explora e oprime
A classe trabalhadora brasileira é marcada por contradições e diversidade, sendo atravessada por opressões históricas de raça, gênero, território e sexualidade. A juventude negra da periferia, as mulheres trabalhadoras, os povos indígenas, a população LGBTQIA+ e as pessoas com deficiência enfrentam, além da exploração, mecanismos de exclusão e invisibilidade que as afastam dos direitos, da cidadania e da própria participação política.
Essas opressões não são secundárias ou identitárias, mas expressões orgânicas da dominação burguesa. O capitalismo se serve da opressão para dividir e superexplorar a classe trabalhadora, desorganizando sua luta e neutralizando seu potencial transformador.
Um Partido que fala com o povo real
O PCdoB não pode se dirigir apenas ao “operário padronizado” das fábricas que já não existem como outrora, pelo menos em número. Precisamos ir além e também olhar para o povo como ele é: diverso, precarizado, informal, racializado, feminino, periférico, digitalizado e oprimido.
Esse povo é trabalhador e precisa ser reconhecido, acolhido, organizado e formado politicamente. Isso exige que o Partido:
- se enraíze nos locais de trabalho e moradia com uma linguagem compreensível e ações concretas;
- priorize a formação política de base, articulando a luta imediata com a consciência de classe e o projeto socialista;
- assuma a tarefa de organizar os setores mais explorados e oprimidos da classe, inclusive aqueles que o sistema tenta despolitizar ou criminalizar;
- amplie sua presença no sindicalismo, nas lutas populares e nas periferias urbanas, formando novos quadros e multiplicando núcleos de base.
A elevação da consciência como tarefa estratégica
O crescimento partidário não pode ser apenas quantitativo. Ele deve ser qualitativo e político, enraizado nas massas, fundado na elevação da consciência social, nacional e socialista dos trabalhadores e trabalhadoras.
A luta ideológica é central: contra o individualismo, o empreendedorismo ilusório, o moralismo reacionário, o negacionismo e a manipulação midiática. Formar, politizar e organizar a classe trabalhadora em sua diversidade é tarefa revolucionária.
Como afirmava Lênin:
“Não temos uma classe operária pronta e acabada. Temos de educá-la, organizá-la, elevá-la às alturas da missão histórica que lhe cabe.”
— V. I. Lênin, Duas Táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática, 1905.
Construir o socialismo com o povo trabalhador
O 16º Congresso deve reafirmar que o sujeito histórico da transformação revolucionária é a classe trabalhadora, com todos os seus rostos, suas cores, seus gêneros e suas dores. O Partido precisa ser o espaço onde o jovem LGBT que é expulso de casa e não se vê como trabalhador, a cuidadora e a trabalhadora doméstica precarizada, o operário invisibilizado e o camelô perseguido se reconheçam como parte de um projeto coletivo de emancipação. Para tanto, torna-se estratégico atualizar o Programa Socialista do PCdoB, incorporando de forma mais viva e concreta a realidade da classe trabalhadora em sua diversidade contemporânea — marcada por novas formas de exploração, informalidade, digitalização, trabalho por plataformas e opressões cruzadas que impactam diretamente sua capacidade de organização e resistência.
Não há projeto nacional de desenvolvimento, nem transição socialista possível, sem a classe trabalhadora organizada, consciente e protagonista. Mas, para que essa classe se reconheça como sujeito transformador, é necessário que o Partido atualize sua estratégia à altura do novo tempo histórico, compreendendo as mudanças estruturais no mundo do trabalho e acolhendo as múltiplas formas de luta que emergem de suas contradições. Crescer entre os trabalhadores hoje significa disputar consciências no cotidiano, na precariedade, nas redes, nos aplicativos, nas casas, nas periferias — sem nunca perder de vista o horizonte do socialismo.
Que o nosso Partido se fortaleça onde a luta é mais dura. E que a consciência floresça onde o capital tenta apagar o sujeito histórico da transformação.