Ato na Paulista. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

A massiva participação popular nos atos contra a PEC da Bandidagem (ou da Blindagem) e o projeto de anistia aos golpistas, neste domingo (21), bem como seu reflexo nas redes sociais e na opinião pública, assustou a extrema direita e o centrão, patrocinadores dessas iniciativas. Na prática, ambas servem a interesses escusos e sua tramitação ignora que, na pauta do Congresso, medidas que incidem sobre a vida do povo estão em compasso de espera.

Na prática, esses setores políticos ficaram numa sinuca de bico entre o que querem aprovar para o próprio bem e o que a população enxerga, a pouco mais de um ano das eleições gerais.

De acordo com metodologia usada pela USP, os números de participantes das manifestações nas principais capitais neste domingo ficaram bastante próximos aos do Sete de Setembro — usado pelos bolsonaristas para pedir impunidade por meio da anistia aos golpistas. Mas, pode ter sido ainda maior, dado o grande número de pessoas espalhadas por todas as capitais.

Para ficar em algumas das principais cidades brasileiras, São Paulo reuniu 42,4 mil ontem, ante 42,2 mil no Sete de Setembro. No Rio, foram 41,8 mil contra 42,7 mil respectivamente.

As duas cidades protagonizaram os principais protestos, com a participação de importantes lideranças políticas e sociais, além de artistas do calibre de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Paulinho da Viola, que cantaram no ato da capital fluminense, realizado na praia de Copacabana.

Em São Paulo, o ato teve como palco a Avenida Paulista. Uma enorme bandeira brasileira foi aberta, em contraponto aos protestos bolsonaristas do Sete de Setembro — que tiveram a pachorra de estender uma bandeira dos EUA em plena data da Independência do Brasil — e estiveram presentes artistas como Marina Lima, Otto e Leoni, entre outros.

Um sem número de artistas e lideranças também compareceu em outros locais, sobre os carros de som ou junto aos manifestantes. Um deles foi o ator Wagner Moura, que discursou ao lado de Daniela Mercury, em Salvador.

Atos em todas as capitais

Ato no Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Os protestos foram mais espalhados, reunindo grandes públicos em várias cidades e em todas as capitais, até mesmo em locais tradicionalmente de direita. Um exemplo foi Florianópolis, onde milhares de pessoas foram às ruas contra a PEC da Bandidagem mesmo debaixo de forte chuva.

Na capital federal, uma multidão ocupou as seis faixas do Eixo Monumental. Atos massivos também aconteceram em Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Recife, João Pessoa, Natal, Porto Alegre, Curitiba, Belém, Manaus e Goiânia, entre outros.

Os protestos do Rio de Janeiro e de São Paulo, juntos, beiraram as 85 mil pessoas. Se somados os que estiveram em outras capitais, a conta deve superar os 150 mil. Com isso, figuram entre os maiores promovidos pelo campo da esquerda, superando, ainda, algumas das manifestações recentes da direita.

Nas redes, o peso da crítica às duas propostas legislativas também foi grande, superando as menções relativas ao Sete de Setembro. De acordo com a Palver, empresa especializada em monitoramento do ambiente virtual e que acompanhou mais de 100 mil grupos de WhatsApp, até o início da noite deste domingo, a cada 100 mil mensagens trocadas, 865 faziam referência aos atos, contra 724 durante as mobilizações da direita duas semanas antes.

Ao se manifestar sobre os atos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva traduziu bem o sentimento das ruas, o que fez com a direita sentisse ainda mais o peso de suas posições: “Estou do lado do povo brasileiro. As manifestações de hoje demonstram que a população não quer a impunidade, nem a anistia. O Congresso Nacional deve se concentrar em medidas que tragam benefícios para o povo brasileiro”.

Pedregulho no sapato da direita

O grande número de pessoas reunidas em todo o Brasil e a repercussão negativa nas redes às duas propostas legislativas — que já vinham incomodando os parlamentares favoráveis desde a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara na semana passada, ao ponto de muitos pedirem desculpas por seu voto — viraram não uma pedra, mas um pedregulho no sapato dos bolsonaristas e do centrão.

Se antes, fazer passar a PEC já era difícil, agora ficou praticamente inviável — assim como ficou mais complicada a vida do PL da Anistia, cuja tramitação esteve diretamente vinculada à da PEC. A repercussão sobre as propostas deixou claro que ambas beneficiam apenas os próprios políticos e escancaram as portas da impunidade, ao passo que outras matérias de interesse real do povo — como a isenção do Imposto de Renda, o fim da escala 6×1 e a PEC da Segurança Pública — ficaram relegadas a um segundo ou terceiro plano.

A PEC da Blindagem deve começar a ser analisada no Senado nesta quarta-feira (24), pela Comissão de Constituição e Justiça. O presidente do colegiado, senador Otto Alencar (PSD-BA), já havia se manifestado contrariamente à pauta, declarando que deve enterrá-la. Após os protestos, declarou: “foi uma manifestação do povo brasileiro em várias capitais para repudiar o passe livre para o crime. Os próprios mentores da PEC já se arrependeram. É totalmente impopular”.

O relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), também sinalizou que recomendará a rejeição do texto que, pontuou, “é um tapa na cara da sociedade”.

Já o PL da Anistia — que teve sua urgência aprovada também na semana passada e que vem sendo costurado para ser um projeto de redução das penas dos condenados por tentativa de golpe — também está no rol das matérias voltadas à impunidade e que só interessam a uma parte do Congresso, o que também ficou claro neste domingo. Com isso, a proposta sai, da mesma forma, bastante chamuscada e não deverá ter uma tramitação fácil.

Nesta segunda-feira (22), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), um dos principais alvos dos protestos, disse que o momento é de “tirar da frente todas essas pautas tóxicas”. Ambas as matérias andaram mais rapidamente devido a acordo entre o deputado e o bloco da extrema direita e centrão, costurado pelo ex-presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), após o motim em que parlamentares ocuparam a Mesa Diretora por horas, em agosto.

A ampla mobilização puxada pela esquerda e os sucessivos tiros no pé dados pela extrema direita facilitam o caminho para que, finalmente, matérias de interesse do povo sejam aprovadas, contra aquelas que nada mais são do que um escárnio contra a sociedade.