Quando se refere a crise sistêmica do capitalismo e volta-se para análise da perda de dinamismo da economia dos Estados Unidos tende-se a focar no comparativo da redução do papel jogado pelo gigante capitalista, principalmente em comparação à China, no cenário internacional.

Ainda que este comparativo esteja correto e tal redução de papel internacional dos Estados Unidos seja um fato inquestionável, estes elementos parecem estar mais para consequência do que para causa do drama norte americano. A própria relação entre EUA e China tem sido marcada, por décadas, por uma intensa ligação comercial. Inicialmente, os norte americanos levaram suas empresas para o país asiático visando ampliar a massa de mais valia a partir da exploração de mão de obra mais barata, o que possibilitava redução nos custos de produção, fornecimento de manufaturas com preços reduzidos, além de representar uma imensa fonte de demanda para seus produtos, graças a elevada população chinesa. Para a China, a relação com os EUA seria fonte de recursos para a modernização da economia e da indústria, contribuindo para o desenvolvimento do país, com geração de emprego e renda e intensificação de sua economia interna. Construía-se, assim, uma relação complementar entre os países, que compreendeu trocas comerciais significativas e intercâmbio de conhecimentos tecnológicos cruciais para o desenvolvimento chinês. Uma ligação, portanto, que se tornou conveniente, e as duas pontas atingiram seus objetivos.

A diferença entre esses dois países pode ser compreendida a partir daquilo que cada um acabou fazendo com o que ganhou desta relação. E é aí que podemos perceber a diferença dos modelos.  Se para os americanos suas empresas muito lucraram, porém, o seu conceito de desenvolvimento não permitiu que isso se voltasse de alguma forma para a melhoria de vida da maioria de seus cidadãos. Já para os chineses ocorreu o oposto e grande parte dos ganhos ajudou a tirar milhões de pessoas da faixa de miséria, promoveu cidadania, qualificou a vida das pessoas.

Deve-se então voltar a lente para o que está acontecendo dentro dos EUA, para a sua sociedade, para assim entendermos melhor o que é a crise americana. Alguns indicadores evidenciam um aumento da miséria. A pobreza e a insegurança alimentar cresceram após o fim de programas de auxílio emergenciais da pandemia. A taxa de pobreza oficial subiu para 12,4% em 2022, e, além disso, houve um aumento significativo da fome, com um milhão de famílias a mais enfrentando insegurança alimentar. Enquanto os milionários lucram cada vez mais através de um verdadeiro cassino que é o sistema financeiro, a perda de empregos em setores como a indústria, que ofereciam salários mais altos, tem contribuído para o aumento da pobreza em algumas regiões e afeta o acesso à saúde, educação e outras necessidades básicas. 

A fome nos EUA atingiu seu patamar mais alto em quase uma década, com 18 milhões de famílias, ou 13,5% da população, sofrendo em algum momento para garantir comida suficiente. Com a inflação persistente e os altos preços dos imóveis, o país estima que 771.480 pessoas viviam em situação de rua em janeiro de 2024, um número 18% maior do que o identificado em 2023. Os estados americanos da Califórnia e Nova York lideram a lista de cidadãos sem moradia em números absolutos, com 187 mil e 158 mil pessoas, respectivamente.

O projeto de resolução do 16º Congresso do PCdoB apresenta como sendo o receituário de recuperação da posição estadunidense a seguinte fórmula: a reforma do sistema de comércio global, para promover a reversão do quadro de desindustrialização; preservação do dólar como moeda de reserva internacional e forçar a sua desvalorização para favorecer a produção interna; e reconfigurar as zonas de influências geopolíticas. Esses são objetivos que, por si só, seriam muito difíceis de serem alcançados, e provavelmente ainda parecem ser insuficientes para os que os norte-americanos possam conseguir superar a sua crise sistêmica, uma vez que o que está evidente é que se trata da falência de um modelo que se baseia na ultra concentração de renda, com exclusão social, e agravada pelas consequências da financeirização da economia.

Diante deste quadro uma pesquisa da organização YouGov mostrou que a maioria dos norte-americanos da geração Y, também chamada geração do milênio, isto é, jovens entre 15 e 30 anos de idade, preferiria viver no socialismo e não no capitalismo. Metade dos jovens estadunidenses acredita que a economia americana trabalha contra eles, enquanto dois terços destacam a injustiça que existe no sistema tributário.

Se considerar que é nos EUA que consiste no grande modelo de propaganda anticomunista, e que por lá se exporta a ideia de que o capitalismo é associado as noções de justiça e liberdade, percebe-se uma importante mudança na percepção de realidade. Algo como isso não pode deixar de ser observado no 16º congresso do Partido Comunista do Brasil. O momento sugere ser propício para afirmação da identidade comunista e uma maior ofensiva na apresentação de alternativa revolucionária!

Ricardo Moreno é membro do Comitê Municipal do PCdoB-Salvador e do Comitê Estadual do PCdoB-BA