Fotos: Ricardo Stuckert/PR e Gage Skidmore/Wikileaks

Embora siga sendo uma decisão arbitrária e estapafúrdia, a taxação de 50% de Donald Trump aos produtos brasileiros não terá o peso econômico inicialmente previsto. Com as quase 700 exceções contidas na Ordem Executiva assinada pelo presidente norte-americano nesta quarta-feira (30), a nova tarifa recairá sobre uma fatia menor, de 36%, das exportações do Brasil para os Estados Unidos, e representará uma perda de 0,3 ponto percentual do PIB neste ano.

Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) — resultantes de análise feita após a divulgação do documento do governo estadunidense —, 44,6% das exportações brasileiras ficaram de fora.

Entre os itens que não terão de pagar o novo percentual — e seguirão com a tarifa de 10% estabelecida em abril —, estão, por exemplo, aviões, celulose, suco de laranja, petróleo e minério de ferro.

Do total de exportações, excetuando-se os que terão as tarifas de 50% e os que não terão — há ainda cerca de 20% sujeitas a tarifas específicas, adotadas pelo governo Trump com base em argumentos de segurança nacional. Entre esses produtos estão as autopeças e automóveis de todos os países, que pagam 25% para entrarem nos Estados Unidos desde maio.

Além disso, cálculo feito pela XP Investimentos indica que possivelmente as tarifas reduzirão o crescimento do PIB brasileiro em apenas em 0,3 ponto percentual neste ano e 0,5 p.p. em 2026. “As exportações para os EUA cairiam em US$ 6,5 bilhões em 2025 e US$ 16,5 bilhões no ano seguinte”, aponta.

Mesmo neste cenário — e considerando que a decisão dos EUA representou (mais uma vez) um recuo, ainda que parcial, frente ao que foi inicialmente anunciado —, o governo brasileiro reafirmou que seguirá no caminho do diálogo a fim de reverter os 50% que passarão a incidir sobre o restante dos produtos brasileiros no dia 6 de agosto.

Nesta quinta-feira (31), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que a pasta foi procurada pela Secretaria de Tesouro dos EUA para tratar do tarifaço. “A assessoria do secretário [Scott] Bessent fez contato conosco ontem [quarta-feira, 30] e, finalmente, vai agendar uma segunda conversa. A primeira, como eu havia adiantado, foi em maio, na Califórnia. Haverá agora uma rodada de negociações e vamos levar às autoridades americanas nosso ponto de vista”, declarou Haddad.

Ainda segundo o ministro, “nós estamos em um ponto de partida mais favorável do que se imaginava. Mas longe do ponto de chegada. Há muita injustiça nas medidas que foram anunciadas ontem”, esclareceu Haddad.

Uma carta que o governo brasileiro tem na manga é a aplicação da Lei da Reciprocidade, mas essa possibilidade não está sendo considerada num primeiro momento.

Lições do episódio

O episódio do tarifaço de 50% — iniciado com seu anúncio-surpresa em 9 de julho — explicita ao menos dois aspectos que devem ser levados em conta durante o mandato de Donal Trump.

O republicano, expoente da extrema direita, é irresponsável em suas decisões e propositadamente ignora a “etiqueta diplomática”, bem como tratados internacionais e a vida de milhões de pessoas dentro e fora dos EUA. Procura lançar mão de altas tarifas como forma de forçar os países-alvo a tomarem medidas às pressas, o que beneficia diretamente Trump e apoiadores; e depois, em geral, recua (porque sabe, no fundo, o prejuízo que isso poderá causar a ele mesmo frente à opinião pública estadunidense).

Tudo isso porque, assim como opera a extrema direita pelo mundo (inclusive no Brasil), o que lhe interessa é lucrar e se manter no poder, independentemente dos instrumentos usados e dos efeitos colaterais que possam causar. Ao estipular tarifas mais altas a diversos países sem apresentar motivos razoáveis, Trump certamente está trabalhando a seu favor e daqueles cujos interesses representa — em especial grandes corporações, dentre as quais aquelas ligadas à tecnologia, e o mercado financeiro (aliás, importante lembrar que ainda não se sabe, por exemplo, quem lucrou bilhões na bolsa de valores especulando horas antes e depois do anúncio da nova tarifa sobre o Brasil).

Na falta de argumentos comerciais factíveis para impor suas taxas, no caso do Brasil, Trump usou como desculpa a suposta “caça às bruxas” da Justiça sobre o “inocente” golpista Jair Bolsonaro e seus asseclas, extorquindo o país em troca de uma intervenção bizarra e inédita sobre as instituições brasileiras. Disse, ainda, que a balança comercial entre os dois países seria desfavorável aos EUA e mais adiante, resolveu investir contra o Pix. Esta última cartada atende diretamente às empresas detentoras dos cartões de crédito e débito.

Mas, durante o processo, veio à tona também que não apenas de “defender patriotas injustiçados” vive o mandatário. O interesse na exploração de minérios específicos e terras raras — nos quais o Brasil é rico e os quais interessam a grandes empresas na área tecnológica —, mostrou que o “bafo” que Trump deu no Brasil tinha, sim, segundas intenções.

O outro aspecto fundamental dessa guerra, talvez mais relevante do que o conjunto acima descrito, é a postura do governo brasileiro, sob o comando do presidente Lula e do vice, Geraldo Alckmin. Afinados numa mesma sinfonia, a dupla e a equipe ministerial buscaram negociações de alto nível, mostrando quem era o adulto da sala.

Se Trump imaginava que sua pressão faria o Brasil tremer, a condução acertada do governo e a adesão de parte considerável da população e do empresariado mostrou que o país sabe defender sua soberania e seus interesses e não pretende baixar a guarda para imperialistas de plantão.

Ainda há um caminho a ser percorrido neste episódio do tarifaço e muito tempo de mandato de Trump para ser enfrentado, com sua tirania e arbitrariedade. Mas, ficou explícito que mesmo tendo traidores travestidos de “patriotas” em seu seio, o Brasil é uma nação forte, altiva e soberana e que não vai se dobrar facilmente — o que é, aliás, um indicativo bastante incômodo para o bolsonarismo nas eleições de 2026.