Tarifaço é política ineficaz até mesmo para os americanos, diz economista, Dani Rodrik. André Telles/BNDES

O “tarifaço” promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é ineficaz até para os próprios norte-americanos, segundo o economista Dani Rodrik, professor da Universidade de Harvard e referência mundial em comércio internacional.

“Há uma boa chance de que, no final das contas, isso seja autodestrutivo”, afirmou Rodrik durante o seminário Globalização, Desenvolvimento e Democracia, realizado pelo BNDES e pela Open Society Foundations no Rio de Janeiro, no último dia 20.

Rodrik destacou que as tarifas de importação — principal arma da política externa de Trump — não garantem a reconstrução da indústria americana nem a geração de empregos melhores para a classe média.

A análise de Dani Rodrik desmonta o discurso central de Trump, que vende as tarifas como solução para fortalecer a economia doméstica. Para o economista, sem uma estratégia ampla de política industrial e social, o protecionismo tende a ser apenas um atalho populista, que prejudica parceiros comerciais e não entrega ganhos duradouros nem para os americanos.

“O problema com a América de Trump não é o nacionalismo econômico, é que Trump não está adotando políticas que sejam nacionalistas o suficiente. Não está servindo sequer ao interesse econômico americano”, concluiu.

Impacto limitado e contradições internas

Segundo o economista, sobretaxar produtos pode até elevar a arrecadação ou aumentar a margem de lucro de segmentos industriais, mas não há vínculo direto entre ganhos empresariais e inovação, investimento ou geração de empregos de qualidade.

“As tarifas apenas aumentam a lucratividade de certos segmentos da manufatura. Mas não está claro se isso se traduz em inovação, em investimento nos trabalhadores ou em maior competitividade. Muitas vezes, os lucros maiores acabam direcionados apenas para gestores e acionistas”, disse.

Rodrik defendeu que tarifas só fazem sentido se forem temporárias e associadas a uma estratégia doméstica consistente, algo ausente na política de Trump. “As tarifas são um escudo temporário, mas não são o principal instrumento pelo qual você atinge objetivos de fortalecimento industrial ou geração de bons empregos”, completou.

Brasil entre os alvos do tarifaço

Rodrik abriu sua fala com um tom quase cômico, mas de profunda seriedade: “Viver nos Estados Unidos é, sem dúvida, uma força mais potente do que no resto do mundo.” Referindo-se ao impacto de Trump, ele comparou o ex-presidente a um bullying escolar — um valentão que, ao bater em todo mundo, acaba se machucando mais do que os outros. “A questão é como você lida com o bullying”, disse, provocando risos. “Trump está, na maior parte do tempo, batendo os braços e batendo a si mesmo.”

O Brasil está diretamente afetado pela ofensiva protecionista americana. No último dia 6, entrou em vigor a tarifa de 50% sobre parte das exportações brasileiras — medida que atinge 35,9% das mercadorias enviadas aos EUA, equivalentes a 4% do total das exportações nacionais.

Embora cerca de 700 itens tenham ficado de fora, o impacto sobre setores como carnes, café e máquinas levou o governo a lançar o Plano Brasil Soberano, com medidas emergenciais de crédito, adiamento de impostos e busca de novos mercados.

A imagem do bullying escolar, segundo Rodrik, não é apenas simbólica. Ele argumentou que as políticas comerciais de Trump — baseadas em tarifas amplas e ameaças de guerra comercial — têm efeitos mais danosos para a economia americana do que para os parceiros comerciais. “Há uma boa chance de que isso seja tudo um tipo de derrota de si mesmo”, afirmou. “Mesmo que o Brasil se machuque ao se aproximar desse bule, o dano maior é interno.”

Modelo chinês em contraste

Ao analisar experiências internacionais, Rodrik citou a China como contraponto ao modelo de Trump. Segundo ele, o país asiático adotou políticas industriais e tecnológicas de longo prazo voltadas para os próprios interesses nacionais, o que resultou em crescimento econômico robusto.

“A China tem seguido políticas que promovem seus próprios interesses econômicos acima de tudo. Mas, como resultado, essas políticas foram, em sua maioria, bem planejadas em termos de crescimento — e acabou beneficiando o mundo”, avaliou.

Rodrik provocou ao dizer que o nacionalismo econômico não é o inimigo. “A melhor coisa que um país pode fazer pelo mundo é cuidar de si mesmo.” “E a China, ao perseguir seus interesses nacionais, acabou promovendo o bem-estar global.” Ele citou a China como exemplo: suas políticas nacionalistas geraram crescimento interno, mas também beneficiaram o mundo ao reduzir o custo das tecnologias verdes.

A China não foi a primeira a investir em energias renováveis, mas escalou a produção de painéis solares, turbinas eólicas e baterias elétricas com uma intensidade sem precedentes. “Essas políticas fizeram parte de um projeto econômico nacional, não de uma agenda global”, disse. “Mas o resultado foi que o custo das energias renováveis ​​caiu por ordens de grandeza — o maior avanço na luta contra a mudança climática nas últimas décadas.”

“O problema não é o nacionalismo econômico. O problema é o mau nacionalismo — como o de Trump, que não serve ao interesse americano.”

Efeitos para o Brasil: entre dependência e oportunidade

Diante dessa dicotomia — Trump, que prejudica a si mesmo, a China, que cresce e beneficia outros — Rodrik foi questionado sobre o lugar do Brasil nesse novo cenário de comércio internacional.

Ele percebeu o risco dos países do Sul ficarem confinados ao papel de exportadores de “minerais críticos” — como lítio, níquel e terras raras — enquanto a China, os EUA e a Europa agregam valor e dominam a tecnologia. “Estamos diante de uma nova rodada do padrão centro-periferia”, disse, referindo-se à teoria da Cepal sobre a divisão desigual do comércio internacional.

No entanto, Rodrik também revelou oportunidades. “Há nichos onde o Brasil pode inovar”, afirmou. Citado o etanol, os biofertilizantes e a cadeia de baterias como setores onde o país pode agregar valor localmente, especialmente se houver uma política industrial estratégica. “Não se trata de copiar a China, mas de aproveitar vantagens comparativas com inteligência.”

Ele destacou ainda que o Brasil já tem experiências bem-sucedidas, como os biocombustíveis, que surgiram de uma agenda nacional — não de pressão internacional. “O Brasil perseguiu sua própria visão de país, e isso acabou sendo verde”, disse. “Isso mostra que políticas domésticas bem feitas podem ter resultados globais positivos.”

Ao final, Rodrik deixou um conselho claro: o Brasil não deve temer o nacionalismo econômico, mas precisa praticá-lo com inteligência. Isso significa investir em setores estratégicos, mas com foco em produtividade, inovação e geração de empregos de qualidade — especialmente nos serviços, que são o futuro da classe média.

“Não espere voltar a crescer 8% ao ano com o modelo do passado”, disse. “Mas um crescimento de 3% a 4%, sustentável e inclusivo, baseado em serviços produtivos e tecnologia, é um grande avanço.”

E, crucialmente, esse modelo exige autonomia — não apenas nas decisões políticas, mas na capacidade de definir prioridades nacionais sem depender de modismos externos. “Políticas boas em casa são as melhores contribuições que um país pode dar ao mundo”, concluiu. “E o Brasil tem tudo para ser um exemplo disso.”

(por Cezar Xavier)