Refletindo sobre a linha política revolucionária no Brasil e o papel do PCdoB
Segunda parte
No mundo capitalista que segue, realizando-se em um punhado de bilionários, em constantes crises e ataques à soberania das nações, o tarifaço de Trump, virulento economicamente e eivado de motivações político-ideológicas desencadeia movimentos e suscita reflexões que podem contribuir na atualização da linha revolucionária no XVI Congresso do PCdoB. O ato e a reação soberana do governo Lula reforçaram a importância do Brasil no cenário mundial no momento que a Europa capitula e há uma romaria de países indo a Washington. Mesmo considerando que os objetivos em última instância é enfraquecer os Brics e isolar a China, o fato despertou um movimento de cunho nacional em defesa da soberania, isolando os quinta-coluna. Ao mesmo tempo, as medidas do governo em defesa da economia e dos empregos, a busca de apoio em países amigos, e a provável diversificação e ampliação de mercados decorrentes dessa crise provavelmente darão ao país em médio prazo maior envergadura.
Podemos dizer que a correlação de forças interna ainda favorece o conservadorismo clientelista e a direita antipovo. O obscurantismo dirigido e organizado dos neopentecostais e a violência energúmena dos latifundiários e das viúvas da ditadura ainda mantêm alto grau de influência através de um poderoso sistema de redes sociais com fake News à torto e à direito; controlando bancadas no Parlamento, postos nas instituições, incluindo segurança e defesa. Como o Banco Central, a grande mídia e a classe dominante estão sob o domínio do capital fictício. As amarras do neoliberalismo permanecem impedindo quaisquer veleidades de avanço em investimento produtivo, tecnológico e infraestrutura. O golpe de 2016 e a ascensão de Temer e Bolsonaro vulnerabilizaram e sangraram a nação, acelerando a desindustrialização, tirando direitos e promovendo a devastação da natureza. Foram seis anos de tragédia que aumentaram a desesperança e a despolitização.
A nação brasileira é forjada na luta contra a opressão colonial e das elites dominantes subalternas; contra a exploração desmedida na escravidão e no capitalismo dependente. Apesar dos preconceitos e discriminações há uma história ímpar de miscigenação, resistência e superações que atravessa mais de cinco séculos. Essa herança possibilitou levantar novamente a bandeira da democracia com a vitória de Lula em 2022, derrotar o golpe fascista de 8 de janeiro, avançar de forma inédita no julgamento da camarilha golpista cujo chefete está em prisão domiciliar. Considerando o recente ataque desferido, a derrota da extrema-direita local tem um alcance além do democrático; livrou-nos de provável anexação aos EUA, disfarçada de acordos nefastos. A ingerência e as ameaças do governo Trump na política, economia e Justiça brasileira colocam na ordem do dia o entrelaçamento das questões de soberania, democracia e desenvolvimento social.
Observando os cenários com movimentos imprevisíveis dos EUA, onde qualquer bedel de embaixada ameaça um ministro do STF; que ainda perdura uma forte base social da extrema-direita com influência e ação política, permanece a necessidade de frente ampla democrática agora acrescida da defesa da pátria. Na atual situação não há meio termo: ou mantemos a união dessas forças em torno do governo Lula ampliando com parcela da direita para isolar os fascistas ou retrocederemos. A questão central que se coloca nesse momento é manter um governo, que apesar das limitações e da correlação de forças desfavorável, impede retrocessos e mantém acesa a ideia de desenvolvimento social; ao mesmo te mpo mantém soberanamente relações multilaterais com o mundo. Por outro lado, sabemos que a amplitude dessa aliança tende a diluir projetos mais avançados e inclusivos; no entanto, perante a tentativa de desestruturação da nossa economia e a pronta ação do governo com capacidade de solução interna, cabe um programa mínimo de defesa de crescimento do setor produtivo, com investimentos, infraestrutura e tecnologia, possível com o afrouxar das amarras neoliberais como o fim da independência do Banco Central e a queda de juros.
Essa tática necessária, diante das atuais circunstâncias, precisa ser interligada a médio prazo ao fortalecimento das forças progressistas, de esquerda e populares. Não haverá continuidade de avanços a um projeto nacional de desenvolvimento, no aprofundamento da democracia e no fortalecimento da soberania sem uma reestruturação dos movimentos político-sociais e populares, na sua capacidade política de mobilização, no seu enraizamento organizado nas bases. É necessário hastear bandeiras mobilizadoras no meio do povo, provocar indignação; apresentar propostas e perspectivas. Esse caminho de massas exige um nível de pensamento consequente, uma presença cotidiana, uma compreensão maior dos fluxos e refl uxos dos movimentos, enfim a construção na consciência da classe trabalhadora e do povo de um projeto alternativo. Entendendo enquanto processo, a permanência de um governo democrático e progressista deve ter entre seus objetivos possibilitar as condições de estruturação e capacidade de mobilização dos movimentos avançados de massas, de envidar esforços para mudar a qualidade do parlamento em favor do povo.
O PCdoB atualiza sua linha revolucionária, em plena ação política nas diversas frentes de atuação, em defesa do êxito do governo Lula, da soberania, na luta contra o fascismo e por direitos, enfim por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. As teses do XVI Congresso substanciam bem o contexto dando conta de um mundo em crise, mas em movimento, acelerando todas as contradições, em especial aquela que expõe as consequências degradantes do capitalismo e a pujança da experiência socialista chinesa. Dois caminhos antípodas que indicam aos povos alternativas de continuidade promissora ou decadência, ainda não tenhamos clima de grandes e rápidas mudanças. Em nível nacional, existe uma estrada ainda cheia de pedras no caminho, com movimentos mais reativos que proativos das forças progressistas. O governo Lula para cumprir o mínimo de sua proposta de campanha faz malabarismos; vê-se manietado pelas forças conservadoras e reacionárias, sem o devido apoio de massas dos movimentos organizados. Isso remete à distância e às dificuldades que ainda encontramos a realização do Programa.
O Programa do PCdoB ainda que trate de reformas estruturantes rumo ao Socialismo, exige para sua efetivação, pela dimensão das tarefas e das barreiras postas, uma determinada correlação de forças que derrote as classes dominantes, colocando as forças mais avançadas sob o comando do PCdoB no poder político para realizar a tarefa. A vida tem demostrado que a burocracia estatal, a composição do parlamento, o espírito de classe da justiça, a grande imprensa e as mídias sociais têm barrado com golpes e impedimentos quaisquer movimentos de mudança. Esse estado de cunho burguês é uma barreira impeditiva para reformas de tal envergadura. Difícil acreditar que o acúmulo de forças para mudanças mais pro fundas passe pela reprodução do mesmo. Embora sendo importante espaço de acumulação a frente institucional, cairíamos no taticismo e definharíamos se todos os esforços e ações estiverem voltados para essa frente cada vez mais controlada pelo poder econômico, clientelismo e neopentecostais.