Comunicação e a Luta Revolucionária na atualidade – Parte 2
Um dos grandes momentos da América Latina que mostra o poder da grande mídia em desestabilizar governos e amplificar projetos golpistas aconteceu com nossos vizinhos venezuelanos, na tentativa de golpe contra Hugo Chávez, eternizada no documentário A Revolução Não Será Televisionada. Lá, Chávez pôde contar com a TV pública para impor a contra-narrativa diante de todos os outros conglomerados de comunicação que eram oposição.
Apesar desses cenários, os jornais e revistas da esquerda ainda conseguiam ser potentes catalisadores de informação e articulação política. Um grande destaque local é o jornal diário do Sindicato dos Bancários e Bancárias da Bahia, com tiragem diária há 35 anos, que se tornou um grande veículo de comunicação em Salvador e no interior, sendo estratégico e fundamental em diversas revoltas na capital baiana. Trago como destaque as manifestações pela cassação de Antonio Carlos Magalhães, antigo ditador e senador pela Bahia, que violou o painel de votação do Senado. Enquanto sua rede de TV silenciava o movimento, o jornal O Bancário ajudava a informar a militância e a população sobre os atos e manifestações. Foi com a chegada das notícias em tempo real nas mãos das pessoas que a tecnologia
passou a cumprir outro papel na luta política, ao passo que a impressa foi perdendo espaço.
Um dos primeiros laboratórios da extrema direita americana, usando as redes sociais como ponto focal de disputa de narrativa política com reverberação internacional, que podemos identificar, foi o da blogueira cubana Yoani María Sánchez Cordero. Nascida em 4 de setembro de 1975, em Havana, filóloga e jornalista, ganhou projeção internacional ao fundar o blog Generación Y no antigo Twitter, em 2007. Conquistou reconhecimento por denunciar supostas dificuldades da vida cotidiana em Cuba. Com isso, passou a ganhar prêmios internacionais de valores consideráveis e a viajar por diversos países do mundo criticando o socialismo cubano. Mas o que estava por trás de toda essa movimentação era uma articulação internacional. Estudo identificou que 56,9% de seus seguidores eram fakes, bots sem fotos no perfil e sem postagens. Essa movimentação não poderia partir dela própria, já que, nesse período inicial, ela ainda atualizava o Twitter por SMS. Como experimento, estava consolidado, a rede social se tornava um grande palanque político.
Nos anos seguintes, assistimos à apropriação narrativa da extrema direita de diversos movimentos políticos. No Brasil, isso ficou nítido com as Jornadas de Junho de 2013. A virada que falei no início deste texto surpreendeu a esquerda e setores progressistas, que viam, e alguns ainda veem, com desconfiança, a capacidade da internet de influenciar na luta política e ideológica e de mobilizar a sociedade.
As plataformas foram inundadas pelas investidas da extrema direita, de repente, as redes sociais que até então eram usadas para comunicação entre parentes, amigos, grupos, fotos e vídeos passaram a ter debates pautados por fake news disseminadas indiscriminadamente. A cena do Facebook repleto de arco-íris quando a Suprema Corte americana aprovou o casamento civil igualitário foi substituída por notícias falsas como “kit gay” e “mamadeira de piroca”. Mas não foi só a esquerda que foi surpreendida, foi o conjunto da sociedade, inclusive o próprio poder judiciário, que demorou a encontrar uma resposta aos abusos das pessoas e das big techs.
O Facebook mudou o percurso quando passou a manipular os algoritmos, trocando os conteúdos por ordem de publicação para relevância. Os algoritmos são um conjunto de cálculos, uma sequência lógica de dados que levam a resultados
específicos. Essa mudança influenciou o funcionamento de todas as redes sociais. Mas a questão que fica em aberto é quem define o que é relevante? É a partir disso que surgem a visibilidade e o engajamento. Todo mundo se espantou com a visibilidade do vídeo do extremista Nikolas Ferreira dando falsas informações sobre o PIX, que atingiu 335 milhões de visualizações, sendo que o Brasil tem, segundo o último IBGE, 212 milhões de pessoas, e no mundo inteiro são 260 milhões que falam português. O quanto o algoritmo influenciou nesse número em favor de um projeto extremista?
A crítica de que a esquerda e os setores progressistas não sabem usar as redes sociais para se comunicar com a sociedade brasileira, embora pareça totalmente correta e justa num primeiro momento, pela descrença desses setores nessas plataformas como ferramentas de mobilização, disputa ideológica e articulação social, deve considerar o fato de que nossa narrativa é, de fato, antissistêmica e que a ideologia dominante é a da classe dominante. Ou seja, em qualquer plataforma onde tentarmos nos comunicar com a sociedade, encontraremos sempre o desafio de superar o senso comum, que reproduz o discurso hegemônico. De forma prática, é mais fácil dizer que aborto é “matar criança” do que explicar o contexto social e de saúde pública que afeta especialmente mulheres negras e pobres e que deve sair da seara da justiça.
Desde a entrada das redes sociais com força na luta política no Brasil, foram poucas pessoas ou setores da esquerda que viram desde o primeiro momento essas plataformas como palco de disputa de narrativa e mobilização. Um dos projetos mais exitosos foi a Mídia Ninja, que se tornou o centro catalisador de grandes disputas de narrativas a partir das redes sociais, trazendo as vozes da esquerda e dissidentes para o centro da disputa. Mais do que isso, ela constituiu uma rede com milhares de comunicadores e comunicadoras do Brasil, sendo responsáveis diretos por grandes campanhas como a “vira-voto” em 2018, que teve grande engajamento, são eles também que coordenam a comunicação de Guilherme Boulos desde essa mesma eleição, tendo ele no início da campanha zero seguidores e, ao final, mais de um milhão. Em 2020 conseguiram produzir mais um grande feito, levaram Boulos ao segundo turno da eleição da maior cidade do Sul global e quase ganharam a prefeitura de São Paulo.
Durante um bom tempo a montagem das antigas coligações se pautava também pelo tempo de propaganda eleitoral gratuita de cada legenda, era um elemento
constituinte da construção de candidaturas. Nessa em específico o candidato Bruno Covas, então prefeito, tinha no primeiro turno mais de 3 minutos e 30 segundos de propaganda eleitoral gratuita, Boulos apenas 18 segundos, os mesmos 18 segundos que nosso camarada Orlando Silva. Outros candidatos como Joyce Hasselman, Celso Russomanno, Márcio França e Jilmar Tatto tiveram à sua disposição muito mais tempo. O diferencial foi a atuação dos ninjas nas redes sociais, sem dúvidas eles são um grande case de sucesso e hoje atuam em diversas frentes com suas afluentes e a mensagem deles é clara: precisamos hackear o sistema.
Não podemos esquecer que esse fenômeno também se repetiu na eleição presidencial de 2018, quando o inominável foi eleito. Ele contava, desde antes do processo eleitoral, com um grande engajamento nas redes sociais, produzidos a partir de manipulação e mentiras, mas o ponto é que foram as redes sociais o ponto central de sua ação, contando inclusive com disparos ilegais de mensagens financiadas por empresários, denúncia que nunca foi investigada, mas o fato é que ele tinha apenas 8 segundos de propaganda eleitoral e quase destruiu o peso que a propaganda eleitoral gratuita joga nos processos eleitorais no Brasil.
Importante também destacar os pioneiros e pioneiras que sempre fizeram essa disputa a partir das novas plataformas e redes sociais, figuras como Jean Wyllys, Manuela D’Ávila e Jandira Feghali despontaram na frente organizando a comunicação dos seus mandatos e atingindo números expressivos, e foram por vezes alvos de notícias falsas e perseguições das mais absurdas, à época as redes mais populares eram o Twitter, YouTube e Facebook.
Um fenômeno da atualidade que chama atenção é como os “donos do poder” e seus porta-vozes privilegiados pelas desigualdades ganharam no Brasil a faceta de “antissistêmicos”, ao passo que a esquerda e setores progressistas ganharam a conotação de “gestores do sistema”. Obviamente que essa é uma narrativa vazia de prática disseminada nas redes sociais, o stablement, quem diria, passou a ser vendido como “de esquerda”, o que contrasta com a realidade concreta das posições e práticas desses setores, a extrema direita está disposta a destruir a própria democracia burguesa para impor um projeto neoliberal autoritário mais cruel e que mantenha o aprofundamento da concentração de renda e desigualdades, é o que vemos com Bolsonaro, Milei e Trump, mas isso mostra a força da narrativa.
Onã Rudá é Coordenador LGBTQIAPN+ do PCdoB Bahia