Comunicação e a Luta Revolucionária na atualidade – Parte 1
Uma das grandes viradas na luta política das últimas décadas, sem dúvidas, foi o advento da penetração de meios dinâmicos de comunicação na sociedade e na luta política. O avanço na indústria de hardwares dos aparelhos, que possibilitou a disseminação massiva como produto de consumo a partir do alargamento das condições de produção, foi acompanhado pelo avanço nos softwares, que garantem ferramentas cada vez mais rápidas e funcionais, muitas passando a fazer parte constituinte do nosso cotidiano.
As redes sociais, que surgiram há décadas, já nos primórdios da computação doméstica, deixaram de ser consumidas por uma minoria e passaram a fazer parte do dia a dia da grande maioria das pessoas do mundo inteiro. Se, na década de 80, uma rede social que reunia 10 mil pessoas do globo era considerada um sucesso, hoje em dia esse número saltou para a casa dos bilhões de usuários e usuárias.
O que, no início, era um espaço de bate-papos, troca de informações, conhecer gente nova e até reencontrar pessoas que a distância separou, passou a ser um dos principais palcos de disputa política e ideológica nos dias atuais, impondo à esquerda mundial um novo paradigma e um elemento concreto a ser levado em consideração nas formulações da luta revolucionária.
À bem da verdade, a comunicação nunca deixou de ser um item constituinte dos processos de lutas populares e revolucionárias, mas a mudança das ferramentas ao longo da história da humanidade foi centralizando cada vez mais as possibilidades de comunicação com a classe trabalhadora e, mais ainda, com aqueles e aquelas que atualmente se passaram a chamar de “indesejáveis” – afinal, essas pessoas sempre existiram.
Em 5 de maio de 1912, Vladimir Ilyich Ulianov, o nosso grande Lênin, fundou o jornal Pravda, que, em tradução livre, significa “Verdade”. Jornal dos bolcheviques, que rapidamente se tornou um potente instrumento de organização política e social da classe trabalhadora russa. Por ele eram convocadas assembleias, debates, manifestações; eram denunciadas as condições precárias em que vivia a população, entre muitas outras pautas. No ano seguinte, a tiragem do jornal era de cerca de 30 mil, chegando a 42 mil nos finais de semana. Imaginem o impacto que teria, nos dias atuais, um jornal com tal público cativo, diariamente consumindo
informações de que há um caminho para acabar com a opressão coletiva e se organizando politicamente, seria imenso. Imagine, então, naqueles tempos.
A perseguição czarista foi implacável contra o jornal, que chegou a mudar de nome algumas vezes, mas não alterou sua linha editorial. Ele foi uma das ferramentas principais para a construção de consciência coletiva sobre os danos que a classe trabalhadora e todo o povo russo estavam submetidos sob aquele regime. O Pravda existe até os dias atuais, tendo alcançado tiragem de 16 milhões na década de 1970, sendo privatizado em 1996.
O ponto central que quero abordar com esse resgate é que o manejo e o controle de uma ferramenta de comunicação de massa, que à época, era quase que exclusivamente impressa e acessível à maioria, podia ser feito por dirigentes políticos do povo ou, melhor dizendo, pela própria classe trabalhadora. O que é bem diferente nos dias atuais, com as big techs.
No Brasil, a história não é diferente. Em muitas lutas populares, líderes também puderam contar com veículos de imprensa ou periódicos impressos que serviram para conscientizar, organizar e disputar em torno de alguma pauta. Um exemplo clássico, e talvez o que melhor ilustra isso, é a abolição da escravidão no Brasil. Em 1864, Luiz Gama foi um dos fundadores do jornal Diabo Coxo, um jornal humorístico ilustrado que movimentou a política em São Paulo no seu curto período, fazendo crítica satírica à classe dominante escravista da época. O próprio Luiz também esteve em diversos outros veículos de comunicação, onde sempre escrevia sobre os males da escravidão, tendo profundo impacto em um tempo em que até mesmo membros e membras de famílias abastadas não tinham acesso à alfabetização.
José do Patrocínio, nosso Zé do Pato, conduziu o principal veículo abolicionista da época no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, o jornal Gazeta da Tarde, fundado em 1880. Em 1912, surge no Rio de Janeiro o jornal A Época, que, na sua “Coluna Operária”, noticiava greves, reivindicações e outros movimentos.
O jornal A Classe Operária, do Partido Comunista do Brasil, surgiu em 1º de maio de 1925, quando 5 mil exemplares circularam. Ele é um dos mais importantes jornais da história da luta revolucionária no Brasil. Após o retorno à legalidade em 1945, o Partidão organizava um projeto ousado: uma grande rede de comunicação chamada “Imprensa Popular”. Faziam parte dessa rede os jornais Hoje, em São Paulo; Folha Capixaba, em Vitória; Folha do Povo, em Recife; Tribuna Gaúcha, em Porto Alegre; O Democrata, em Fortaleza; Voz do Povo, em Maceió; Jornal do Povo,
em Belo Horizonte; e Tribuna Popular, no Rio de Janeiro. Mas os planos foram frustrados em março de 1946, sob o governo de Eurico Gaspar Dutra, que promovia censura e repressão política, especialmente contra comunistas e setores da esquerda. O deputado Barreto Pinto, do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), encaminhou denúncia ao Tribunal Superior Eleitoral contra o PCB, alegando que o partido estava a serviço da União Soviética. No ano seguinte, o parecer da Procuradoria da República alegou que havia irregularidades no estatuto do partido e que seu caráter político era, de fato, internacionalista. No plenário do TSE, o partido foi cassado por 3 votos a 2 e nunca teve seu recurso acolhido, perdendo todos os mandatos conquistados e ficando com atuação política embargada e sistematicamente perseguida. Mesmo com o duro golpe, o partido não desistiu: fundou o jornal Imprensa Popular em 1948 e, em 1959, o Novos Rumos, que perdurou até 1964.
Apesar de, nesse período, já existirem outras ferramentas de comunicação de massas como rádio, TV e cinema, o jornal impresso ainda ocupava espaço significativo na comunicação de massas no Brasil. E não foram apenas os comunistas que usaram esse mecanismo para se comunicar e fazer lutas políticas e sociais, outros grupos também o fizeram. Na década de 1970, durante a ditadura militar, o jornal Lampião da Esquina causou grande impacto ao abordar temáticas relacionadas às questões e demandas da comunidade LGBTQIAPN+.
No que tange à grande imprensa, o período militar foi fundamental para consolidar algo que acontece em pouquíssimos países modernos do mundo: gigantescos monopólios com propriedades cruzadas (cross-ownership), ou seja, a concentração de diferentes meios de comunicação sob o controle de um mesmo grupo econômico ou familiar.
Poucas famílias passaram a controlar a grande imprensa nacional. Notadamente, os mais conhecidos são: a família Marinho, do Grupo Globo; a família Macedo, do Grupo Record; a família Saad, do Grupo Bandeirantes; a família Frias, do Grupo Folha; a família Mesquita, do Grupo Estado; a família Civita, do Grupo Abril; além das oligarquias familiares estaduais que passaram a controlar conglomerados locais como os Magalhães, na Bahia; os Sarney, no Maranhão; entre outros.
A democratização dos meios de comunicação de massas, prevista na Constituição Cidadã de 88, nunca se materializou de forma concreta. Os grupos monopolistas sempre resistiram, se empoderaram e intensificaram a operação da comunicação
(notícias, informações e silenciamentos) em favor dos seus interesses e da classe dominante de forma estridente, influenciando diretamente no primeiro sufrágio universal da história do Brasil pós-constituinte. A imensa maioria dos brasileiros e brasileiras lembra do episódio de manipulação no Jornal Nacional, durante o debate do segundo turno da eleição de 89, que culminou na derrota de Lula e na vitória de Collor.
A década de 1990 foi marcada por um aprofundamento do projeto neoliberal, com o apoio da imprensa monopolizada. Com a democratização dos aparelhos de TV, ela cumpriu papel ideológico e ajudou a impor duros ataques à classe trabalhadora e a todo o povo brasileiro. Privatizações, entrega de setores estratégicos a empresas estrangeiras, financeirização da economia, assalto ao orçamento nacional pelos bancos e muito mais, intensas lutas marcaram esse período, além mobilizações e greves muitas sequer noticiadas.
Onã Rudá é Coordenador LGBTQIAPN+ do PCdoB Bahia