Avança na Câmara proposta para punir deputados que fizerem motim
A mesa da Câmara dos Deputados ocupada por bolsonaristas. Foto: Saulo Cruz/Agência Senado
Duas semanas depois da ocupação da Mesa Diretora por deputados bolsonaristas, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (19), o requerimento de urgência para um projeto que altera o regimento interno e prevê punições mais duras a parlamentares que impeçam fisicamente o funcionamento da Casa ou cometam agressão.
A urgência foi aprovada por 266 votos favoráveis, 114 contrários e uma abstenção. A análise do mérito, inicialmente prevista para o mesmo dia, acabou adiada diante da resistência de parte dos parlamentares. O projeto é de autoria da Mesa Diretora, presidida por Hugo Motta (Republicanos-PB). “O que houve aqui há duas semanas é inadmissível. Vários deputados tinham que ter sido suspensos imediatamente”, declarou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).
Foi na noite de 5 de agosto que o plenário da Câmara dos Deputados virou palco de um episódio inédito na história recente do Congresso: um grupo de parlamentares bolsonaristas ocupou fisicamente a Mesa Diretora, impedindo o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), de assumir sua carga. O motim, que durou mais de 30 horas, foi em resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na prisão domiciliar no inquérito do “trama golpista”.
Durante a manifestação abusiva e ilegal, deputados como Zé Trovão (PL-SC), Marcos Pollon (PL-MS) e Marcel Van Hattem (Novo-RS) recusaram a desocupar a presidência, desafiando o comando da Casa. A cena, considerada grave pelos líderes de todos os espectros políticos, expõe a fragilidade do regimento interno e a ausência de mecanismos ágeis para conter obstruções físicas ao funcionamento do Legislativo.
O projeto em discussão não terá efeito retroativo. Segundo a Mesa Diretora, ele servirá apenas como instrumento para prevenir episódios futuros semelhantes. A intenção é que, aprovado, passe a valer imediatamente, com aplicação imediata a novas infrações.
Poderes ampliados geram polêmica no plenário
Apesar do apoio majoritário, a votação foi adiada após pedido de partidos opositores e até de aliados, que questionaram a ampliação de poderes da presidência da Câmara. Tudo porque o projeto permite ao presidente suspender por até seis meses, de forma imediata e monocrática, o mandato de deputados que se envolvam em atos de agressão ou obstrução física das atividades legislativas.
Assim, o afastamento cautelar não teria a necessidade de aprovação prévia da Mesa Diretora, composta por sete parlamentares. A medida poderia ser divulgada posteriormente pelo colegiado.
Essa prerrogativa acendeu o alerta em partidos como PSOL e PCdoB, que temem um risco de autoritarismo. Até os membros do campo progressista manifestaram preocupação, destacando o risco de instrumentalização do dispositivo contra oposição legítima.
Motta defende postura energética, mas abre espaço para negociação
Diante das críticas, Hugo Motta afirmou que não tem interesse em “hipertrofiar poderes da presidência”, mas reforçou a necessidade de medidas firmes.
“Estamos tendo movimentos completamente desequilibrados. Só vamos conseguir controlar isso se tivermos a condição de punir e sermos pedagógicos com quem não cumpre o regimento”, argumentou Motta, destacando que o texto é uma “ideia inicial” e pode ser negociado com os partidos.
O presidente da Câmara, no entanto, enfrenta desgaste interno. Na semana passada, foi derrotado pela própria Mesa ao tentar aplicar o rito sumário contra os amotinados. O colegiado optou por seguir o trâmite normal, encaminhando as representações à Corregedoria — um caminho que pode levar meses.
Corregedoria analisa 14 deputados; pressão aumenta com julgamento de Bolsonaro
Atualmente, a Corregedoria da Câmara analisa representações contra 14 parlamentares bolsonaristas, como Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Zucco (PL-RS) e Van Hattem (Novo-RS). O corregedor Diego Coronel (PSD-BA) tem 48 horas para se manifestar sobre pedidos de suspensão ou cassação e poderá sugerir o uso do rito sumário, caso entenda haver gravidade. O Conselho de Ética, contudo, é visto como pouco propenso a aplicar punições severas, já que conta com integrantes ligados ao grupo.
Além disso, o PL apresentou uma representação contra a deputada Camila Jara (PT-MS), acusada de empurrões contra Nikolas Ferreira durante o motim — um caso que pode agravar ainda mais o clima de tensão.
A expectativa de que o STF inicie o julgamento de Bolsonaro no próximo dia 2 de setembro aumenta o temor de novos episódios de instabilidade. Líderes de diversos partidos avaliam que o Congresso pode enfrentar um período de acirramento político, exigindo regras mais claras e punições mais ágeis.
A urgência aprovada acelera a tramitação, mas a votação final do projeto ainda depende de negociações. Motta afirmou que não há pressa imediata e que o texto pode ser ajustado em diálogo com os partidos. “Pode-se conversar com as bancadas, mas algo precisa ser feito”, concluiu o presidente da Câmara.
O motim bolsonarista deixou marcas profundas na Câmara. Mais do que um protesto político, foi um ataque direto ao funcionamento do Poder Legislativo. O desafio agora é equilibrar a necessidade de manter a ordem com a preservação das garantias democráticas e do debate plural no Parlamento.
(por Cezar Xavier)