As big techs são inimigas de classe. A estratégia de comunicação dos comunistas precisa ir além delas
A esfera pública é o nome dado pelos estudiosos da comunicação para o espaço em que uma sociedade debate a si mesma e seus rumos. Onde se decide o que são problemas dignos de atenção e quais as soluções aceitáveis, o que a sociedade deseja, qual o projeto de país. Segundo a evolução tecnológica, esse espaço se materializou em parlamentos e salões de intelectuais, em jornais e revistas, nas rádios e TV. Hoje, o espaço mais importante da esfera pública é a Internet, ou mais especificamente as plataformas de mídia social das grandes empresas multinacionais que chamamos de “big techs”.
Ao longo do tempo, os comunistas raramente tiveram hegemonia na esfera pública, normalmente dominada por meios de comunicação burgueses, e não é diferente hoje em dia, mas é pior. Se o jornal do partido sempre enfrentou dificuldades de distribuição, ele tinha sua autonomia. A arquitetura das mídias sociais hoje dão poder absoluto para quem as controla. Seria o equivalente a uma mesma empresa possuir todas as bancas de jornal de uma cidade, e controlar cuidadosamente o quão escondida A Classe Operária vai ficar, tendo sempre o poder de, simplesmente, não distribuir mais o jornal de um dia para o outro. As mídias sociais imperialistas usam seus algoritmos para promover discursos reacionários e anti povo, ao mesmo tempo que censuram movimentos populares e progressistas. Já passou da hora dos comunistas atuarem nessas plataformas guiados pelo entendimento que seus donos são inimigos de classe.
Apesar de serem um ambiente hostil, as mídias sociais são uma realidade incontornável, o que elimina a opção de não participar delas. Ao mesmo tempo, o fato de serem território adversário, uma das mais poderosas amas do imperialismo, torna urgente criar meios alternativos e autônomos de comunicação do partido com seus militantes, filiados e simpatizantes. O PCdoB está na vanguarda deste movimento, contando com inovações como o App PCdoB digital. Mas qual deveria ser o papel destes outros meios?
Como podemos ver pela perseguição das plataformas imperialistas à defesa da Palestina, por exemplo, a política de moderação destes espaços impõe uma censura dos discursos. Uma estratégia vitoriosa da extrema-direita na última década tem sido direcionar seus apoiadores para outras plataformas, onde ela pode ser mais explícita sobre suas bandeiras. Algo que a esquerda, em todos os seus espectros, tem se mostrado incapaz. Apesar da censura, das páginas derrubadas, do boicote, a esquerda continua usando as plataformas corporativas como meio principal, quando não único de comunicação. Precisamos começar a usar as plataformas imperialistas como uma ferramenta para direcionar nossos apoiadores para plataformas próprias, onde nós acesso direto e privilegiado aos apoiadores, onde possamos fazer claramente o discurso radical e revolucionário do partido, que é penalizado plataformas. Plataformas próprias facilitam também que o partido execute sua tarefa central, de direcionar a militância. Sem precisar lutar contra algorítimos para a mensagem chegar à base, enviar direcionamentos claros, chamar à ação, ganha muito mais efetividade. A comunicação em plataformas próprias, voltada para militantes e simpatizantes se diferencia da comunicação de massas e pode ganhar caráter mais operacional, guiando o processo de organização e mobilização.
Entender as big techs como inimigas de classe e suas mídias sociais como o terreno adversário nos impõe a tarefa de enfraquecer esse inimigo, de acumular forças em nosso terreno, e isso passa por direcionar as pessoas para fora dessas plataformas, o que está longe de ser uma tarefa fácil. É preciso resistir à tentação de afirmar que sites tradicionais, como o portal do partido ou o Vermelho sejam o bastante. A dinâmica da internet nos últimos vinte anos é dos usuários se restringirem cada vez mais às plataformas sociais, onde é mais difícil competir com as plataformas imperialistas, porque o valor delas depende principalmente do conjunto de seus usuários. Esse empecilho torna a proposta de criar uma “rede social de esquerda” quase um devaneio quixotesco. As pessoas não participam de plataformas sociais monotemáticas e podemos ver um exemplo prático com o relativo fracasso do ICL em lançar uma rede social recentemente.
Felizmente, temos uma solução tecnológica para este problema, na forma de sistemas federados, em que é possível ter, ao mesmo tempo, controle e soberania sobre a sua plataforma e acessar outras plataformas. O “Fediverso”, uma união de vários sites sociais capazes de se comunicar entre si, tem milhões de contas distribuídas entre centenas de milhares de sites rodando programas compatíveis. O Fediverso é uma alternativa viável, porque não exige grandes investimentos em infraestrutura digital, pode ser implantado de modo descentralizado, por partidos, movimentos, instituições de ensino, etc. mas que ao mesmo tempo não se fecha em uma bolha, permite que cada uma dessas instâncias se comunique com as outras. Esta arquitetura federada contorna o problema central das redes sociais, de só ter valor em grande escala e de ter um custo insustentável em grande escala. Temos opções tecnológicas como o Mastodon, que tem uma interface parecida com o finado Twitter, o Peertube com funcionalidades similares ao Youtube, Vernissage, com uma interface similar ao Instagram, e todos os usuários cada instalação de todas essas opções conseguem se comunicar com todos os outros.
O Fediverso é reconhecido pelos seus milhões de usuários como um ambiente mais saudável que as mídias sociais imperialistas porque os administradores de cada instalação fazem a moderação diretamente, em vez depender da boa vontade das big techs. Isso permite desenvolver práticas que penalizam os maus atores, os bullies, os provocadores, ao contrário de os premiar, como ocorre nas redes imperialistas. A soberania sobre as práticas de moderação inclusive é um argumento poderoso para manter instalações como serviços públicos oferecidos por universidades para seus estudantes, técnicos e docentes, por exemplo.
Na fase atual do desenvolvimento do capital os dados que produzimos ao manter nossa vida online se tornam riqueza, apropriada pelas big techs em uma nova etapa de acumulação primitiva, como demonstra Shoshana Zuboff. Manter plataformas alternativas, fora do controle e da possibilidade de extração de dados das big techs pode ser uma forma de quilombagem, nos apropriando do conceito do grande Clóvis Moura, espaços de protesto radical, de recusa coletiva da ordem do capital e de seus processos de extração de mais valor, contribuindo para o desgaste permanente da ordem vigente.
A comunicação nas redes imperialistas é um imperativo prático para a luta de ideias, em que o partido tem tido avanços notáveis, principalmente a partir da atuação da Fundação Maurício Grabois. Mas se torna necessário começar a pensar em uma política de comunicação que vá além delas, que nos permita lutar em melhores condições. Que empregue as ferramentas tecnológicas com mais autonomia e torne a comunicação mais eficaz. Não podemos abandonar o terreno controlado por nossos inimigos de classe, mas não devemos nos restringir a eles.