Lula e Xi Jinping durante cerimônia oficial de boas-vindas em Pequim, na qual os dois presidentes reforçaram a parceria estratégica entre Brasil e China.
Foto: Ricardo Stuckert / PR

Em um cenário de crescente tensão geopolítica, a opinião pública brasileira está passando por uma transformação profunda. Uma pesquisa da Quaest, encomendada pela Genial Investimentos e divulgada nesta terça-feira (26), mostra que a imagem dos Estados Unidos atingiu o patamar mais negativo desde 2023, enquanto a percepção sobre a China atingiu seu melhor momento, com quase metade da população avaliando o país de forma favorável. 

Com margem de erro de 2 pontos percentuais, o estudo, que reuniu 2.004 brasileiros entre 13 e 17 de agosto, revela um claro cenário impulsionado por decisões políticas e comerciais do governo norte-americano lideradas por Donald Trump. A percepção negativa sobre os Estados Unidos dobrou em apenas seis meses, atingindo o pior patamar desde o início dos levantamentos. A virada é tão marcante que, pela primeira vez em dois anos, mais brasileiros veem os EUA de forma negativa (48%) do que positiva (44%). Hoje, a China ocupa o posto de país mais bem visto.

O “tarifaço” de Trump: o estopim da mudança

O ponto de inflexão, segundo analistas, foi o anúncio e implementação de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros pelo governo Trump. A medida, justificada pelo presidente norte-americano com denúncias de “violação à liberdade de expressão” (defesa de big techs norte-americanas) e apoio a figuras como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi vista no Brasil como uma ingerência inaceitável na Corte Suprema brasileira.

“Está havendo uma migração de percepção positiva da relação do Brasil com os principais países do mundo”, afirma Felipe Nunes, diretor da Quaest. “O tarifaço está empurrando a opinião pública para o lado chinês, que tem se mostrado mais interessado em ajudar o Brasil, enquanto os EUA parecem hostis.” Analistas apontam que a guerra comercial entre EUA e China tem favorecido a aproximação entre Brasília e Pequim.

A extensão da imagem dos EUA não se limita à esquerda. Entre os eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva, a avaliação negativa sobre Washington saltou de 32% para 69% em apenas 18 meses. Já entre os eleitores de Bolsonaro, a percepção igualmente piorou: a visão desfavorável subiu de 16% para 23%, mesmo entre um grupo historicamente alinhado com os EUA.

China: da concorrência à parceria estratégica

Enquanto os EUA perdem pontos, a China ganha terreno. A avaliação positiva sobre o país subiu de 38% para 49% no mesmo período, enquanto a negativa caiu de 41% para 37%. É a primeira vez que a China ultrapassa os EUA na preferência dos brasileiros.

A mudança está ligada não apenas à ausência de ingerência, mas ao papel crescente da China como parceiro comercial e investidor. No primeiro semestre de 2025, o Brasil foi o segundo país que mais recebeu investimentos diretamente da China, atrás apenas da Alemanha. Setores como mineração, agricultura e energia limpa atraíram gigantes chineses, em um movimento que reforça a parceria econômica.

“O Brasil não precisa escolher entre EUA e China”, diz Nunes. “Mas a população está clara: ninguém quer ser tratado como alvo. A China, por enquanto, está se comportando como parceira. Os EUA, como adversários.”

Geopolítica e identidade política: o Brasil dividido

A pesquisa também revela como a percepção internacional está cada vez mais ligada à identidade política interna.

  • Entre os eleitores de Lula, a China é vista com simpatia por 62% , enquanto Israel é mal avaliado por 59% — reflexo do posicionamento crítico do governo federal ao conflito em Gaza.
  • Entre os apoiadores de Bolsonaro, o cenário se inverte: 58% veem a China de forma negativa , enquanto 54% têm opinião favorável sobre Israel .

A Argentina ganhou pontos entre bolsonaristas, com a vitória de Javier Milei em 2023. A avaliação positiva entre esse grupo subiu de 31% para 52%, embora tenha recuado levemente para 48% em agosto. Já entre candidatos de Lula, a visão sobre a Argentina permanece negativa (43%), reforçando a polarização. No total, o saldo permanece equilibrado.

Já Israel atingiu 50% de avaliação negativa, impulsionado pelo conflito na Faixa de Gaza, que reduziu a simpatia global ao país de 52% (outubro de 2023) para 35% (agosto de 2025). Mesmo entre eleitores de Bolsonaro, historicamente simpáticos ao governo Netanyahu, houve recuo na avaliação positiva.

Um novo equilíbrio nas relações internacionais

O Brasil, alinhado aos EUA em política externa, parece estar redefinindo suas prioridades. A resposta do governo federal ao tarifaço — com o mote “O Brasil é dos brasileiros” — ressoou na população e fortaleceu o discurso de soberania nacional. A mudança pode impactar o posicionamento do Brasil em negociações comerciais e diplomáticas.

Lula tem intensificado articulações com o Sul Global, fortalecendo laços com China, África e América Latina. “Estamos em um novo tempo”, disse o presidente em reunião ministerial. “Não aceitamos que ninguém venha aqui nos dar ordens.”

Enquanto os Estados Unidos enfrentam rejeição por medidas vistas como hostis, a China amplia sua influência no país — tanto no comércio quanto no imaginário popular.

Dados da pesquisa Genial/Quaest (agosto de 2025):

  • EUA : 44% favorável (eram 58% em fevereiro de 2024)/ 48% desfavorável
  • China : 49% favorável (eram 38%)/ 37% desfavorável (eram 41%)
  • Argentina : 42% favorável (eram 35%)/ 40% desfavorável (eram 39%)
  • Israel : 35% favorável (eram 39%)/ 50% desfavorável (eram 41%)
  • Rússia : 25% favorável (eram 16%)/ 59% desfavorável (eram 60%)

(por Cezar Xavier)