Priscilla Chan, Mark Zuckerberg, Lauren Sanchez, Jeff Bezos, Sundar Pichai e Elon Musk, durante cerimônia de posse de Donald Trump, em 20 de janeiro de 2025

Na edição desta quinta-feira (14) do Entrelinhas Vermelhas, o programa mergulhou em um dos temas mais urgentes do século 21: o poder das Big Techs e sua influência crescente sobre a política, a economia, a cultura e até a guerra. Com a presença de Ergon Cugler, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa, conselheiro da Presidência da República no Conselhar e autor do livro IA-Cracia – Como Enfrentar a Ditadura das Big Techs, o debate revelou um cenário alarmante: vivemos sob o comando de um novo regime — a ditadura dos algoritmos.

Assista a íntegra da entrevista: 

Meta, Microsoft, Google, Apple e Amazon — avaliadas, juntas, em US$ 13 trilhões, seis vezes o PIB do Brasil — controlam dados, algoritmos e infraestrutura crítica. “O alinhamento comercial e político com o governo Trump transforma esse poder corporativo em arma geopolítica”, alerta.

“É difícil entender em que momento aceitamos que meia dúzia de donos de empresas nos digam o que podemos ou não ver na internet”, afirmou Cugler. “Essas plataformas decidem o que é real, o que tem alcance, o que é censurado. Isso não é liberdade — é censura privada, sem controle democrático.”

Para ele, o apoio de Donald Trump às Big Techs não é defesa da liberdade de expressão, mas da dominação econômica e geopolítica. “São as mesmas empresas que ele acusa o Brasil de ‘censurar’ que, nos EUA, têm poder para vigiar cidadãos, manipular eleições e alimentar discursos de ódio.”

Cinco poderes, uma influência global

Segundo Cugler, o poder dessas corporações vai muito além do econômico. Ele sistematiza cinco frentes de dominação:

  • Poder econômico: lucros bilionários e controle sobre mercados globais.
  • Poder político: interferência direta em eleições, como no Brasil, EUA e Israel.
  • Poder cognitivo: manipulação do pensamento, do desejo de consumo e da percepção da realidade.
  • Poder burocrático: infiltração nos governos e dependência tecnológica, como o armazenamento dos dados do SUS em data centers da Amazon.
  • Poder militar: parcerias com exércitos para desenvolver inteligência artificial letal, como no projeto Lavender de Israel, que usa reconhecimento facial para bombardear civis na Faixa de Gaza.

“Hoje, as Big Techs treinam algoritmos que decidem quem deve morrer em um bombardeio. E com uma margem de erro de 10% — ou seja, um ‘dano colateral’ de milhares de inocentes”, denunciou. “Isso é genocídio com respaldo tecnológico.”

Dependência tecnológica: o Brasil refém do Vale do Silício

Um dos pontos mais críticos da análise foi a dependência do Brasil em relação à tecnologia norte-americana. Dados do SUS, sistemas de governo e informações estratégicas estão armazenados em data centers localizados no Vale do Silício, sujeitos à Cloud Act, lei dos EUA que obriga empresas como a Amazon a entregar dados ao FBI quando solicitado.

“Isso significa que nossos dados de saúde, de políticas públicas, podem ser acessados por um governo estrangeiro a qualquer momento”, alertou. “Na guerra de tarifas com Trump, isso vira moeda de chantagem. Ele pode, literalmente, cortar nosso acesso à internet ou ao GPS.”

Ergon ainda criticou a proposta de atrair data centers para o Brasil com isenção fiscal — o chamado plano Redata. “Prometem emprego, mas geram apenas 20 vagas por data center, enquanto consomem milhões de litros de água, causam ilhas de calor e sobrecarregam a rede elétrica. É colonialismo digital: o lixo tecnológico do Norte Global sendo empurrado para o Sul.”

Segundo levantamento citado por Cugler, o Brasil gastou R$ 23 bilhões com serviços de Big Techs em poucos anos — valor suficiente para construir 86 data centers de ponta. Em 13 meses, foram R$ 10 bilhões, quantia que poderia bancar bolsas da Capes e CNPq para todos os mestrandos e doutorandos do país ou sustentar a Universidade de Brasília por mais de quatro anos.

Colonialismo digital e tecnofeudalismo

Cugler classifica o cenário como “colonialismo digital” — quando regras e interesses corporativos estrangeiros se sobrepõem à legislação nacional — e “tecnofeudalismo”, no qual dados e infraestrutura são explorados em benefício de poucos.

Ele critica planos que oferecem isenções fiscais para atrair data centers estrangeiros, lembrando que eles consomem enormes volumes de água e energia, com baixo impacto na geração de empregos.

“É como o período feudal: você trabalha, produz dados, gera valor, mas não é dono de nada. E os senhores do feudo digital ficam cada vez mais ricos, enquanto o povo paga caro por serviços essenciais.”

Falta coragem para regular

Projetos de lei que visam regular plataformas enfrentam resistência no Congresso, que, segundo Cugler, “se acovarda diante da manipulação das Big Techs”. A consequência é o avanço de práticas abusivas, desinformação e vulnerabilidade estratégica.

Apesar dos riscos, o Brasil ainda engatinha na regulação. Projetos como o PL das Fake News (2630/2020), o PL da IA (2338/2023) e o PL das Crianças e Adolescentes (2628/2022) enfrentam forte resistência no Congresso.

“Muitos deputados têm medo de votar a favor da regulação porque foram eleitos com o apoio da desinformação. Eles sabem que há crime na internet, mas se omitem por conveniência”, afirmou Cugler. “Já teve deputado evangélico que me disse: ‘Você tem razão, mas se eu votar a favor, minha igreja me expulsa’.”

Ele destacou que o Marco Civil da Internet já prevê responsabilidade das plataformas, mas o Congresso insiste em delegar a discussão ao Judiciário — o que é perigoso. “Não cabe ao STF decidir as regras da internet. Isso é tarefa do Legislativo.”

Soberania digital: o caminho para a libertação

Para Cugler, a saída é clara: o Brasil precisa construir uma política nacional de soberania digital. Isso inclui:

  • Criar data centers públicos com tecnologia sustentável;
  • Incentivar software livre e código aberto;
  • Exigir que as Big Techs moderem conteúdo com equipes humanas no Brasil;
  • Proteger dados sensíveis e impedir o uso comercial abusivo de informações pessoais.

O pesquisador defende um modelo de governança nacional da internet, inspirado em iniciativas como o Go European, da União Europeia, e políticas de soberania digital de países como China e Irã.
Para ele, é preciso quebrar a dependência tecnológica e proteger dados e plataformas, evitando que interesses externos ditem o que brasileiros veem, consomem ou acreditam.

“Não se trata de ser contra a tecnologia, mas contra o seu uso predatório. Queremos uma internet segura, justa e democrática — não uma ditadura algorítmica”, afirmou Cugler.

(por Cezar Xavier)