É importante rompermos com o distanciamento daquilo que acontece no continente africano, senão por conta de ali estar o berço da raça humana, ou ainda da grande contribuição que este continente deu na formação do mundo moderno, quiçá do próprio Brasil, mas, principalmente, pela sua importância no atual cenário das disputas da geopolítica mundial, o que tem levado, inclusive a intensificação de grandes conflitos locais e de alcance global.

O projeto de resolução política do decimo sexto Congresso do PCdoB dedicou uma única linha ao que acontece na áfrica. Mais especificamente se limitou a citar que “Na África, em vários países do Sahel, como Burkina Faso, Mali e Níger, foram formados novos governos com orientação patriótica e de rompimento com o neocolonialismo francês.

A afirmação de que novos governos da região do Sahel rompem com a herança do colonialismo francês, é verdade. A aliança das três nações constitui na novidade mais positiva no continente. Após a conquista da independência destes países a França conseguiu manter uma espécie de neocolonialismo, baseado no domínio da moeda e na exploração das riquezas através de suas empresas a custos muito baixos. O movimento de afirmação de Burkina Faso, Mali e Níger se insurgiu contra esse estado de coisas e em nome de uma soberania africana. Mas estes não são os únicos conflitos observados no continente.

A África tem sido palco de grandes tensões e conflitos armados, com destaque para a guerra civil no Sudão e os conflitos no leste da República Democrática do Congo. Outras áreas da África também enfrentam conflitos armados, como a Nigéria, a Somália e Burkina Faso. Tensões internas são observadas em Angola, Moçambique e África do Sul. Marrocos mantem um processo de ocupação ilegal em Saara Ocidental.

Os movimentos de independência africana decorridos no pós 2ª Guerra Mundial fez emergir governos de libertação nacional, bem como projetos de desenvolvimento. No entanto estas nações sofreram sucessivos golpes e viram um declínio de suas economias. Na década de 1990, com o fim da experiencia soviética e no auge da globalização financeira, o continente ficou à margem dos novos investimentos globais, e só voltou a crescer nas primeiras décadas do século 21, assim mesmo de forma desigual, com uma dinâmica concentrada em poucos países como Nigéria, Egito e África do Sul.

Ainda assim a África conta com 25% das reservas mundiais de urânio, mais de 35% do potencial hidroelétrico do mundo e é responsável pelo fornecimento de 15% da produção mineral do planeta, dos quais 20% de diamantes e platina, 50% de cobalto, mais de 30% de ouro e de cromo, e cerca de 20% de manganês e fosfato. O continente é rico em diversos recursos minerais, que despertam o interesse de grandes potências mundiais. 

A África do Sul, Gana, Zimbábue e Sudão possuem grandes reservas mundiais de ouro; A África do Sul, Botswana, República Democrática do Congo e Angola, reservas de diamantes; Nigéria, Angola, Líbia e Argélia são importantes produtores de petróleo e gás natural; O coltan, um mineral essencial para a indústria eletrônica, é extraído na República Democrática do Congo, onde a exploração muitas vezes financia conflitos armados, causando sofrimento e instabilidade. 

Empresas transnacionais e grandes potências, como Estados Unidos, China e países europeus, competem pelo controle da exploração desses recursos. Fato é que o continente africano desempenha um papel crucial na economia global devido à sua riqueza em recursos minerais. Além disso, a África é hoje uma grande produtora e fornecedora de petróleo para a Europa e a Ásia. E foi graças a essa sua produção energética, e de alguns outros minerais estratégicos, que a economia africana começou a se recuperar a partir de 2001, alavancada pelo crescimento econômico da China e da Índia.

Desde o início do século Os Estados Unidos mudaram sua política no continente africano, em nome do combate ao terrorismo e da proteção de seus interesses estratégicos e energéticos, culminando com a criação, em outubro de 2007, do Comando dos Estados Unidos para a África, o Aficom, estabelecido em Camp Lamonier, a maior base militar dos EUA na África, em Djibouti, onde França e China também possuem bases ultramarinas. A maior presença militar americana não é um fenômeno isolado. União Europeia e Grã- Bretanha, mantém uma importante base militar conjunta com os EUA nas Ilhas Chagos, especificamente em Diego Garcia.

A chamada “primavera árabe”, entre 2010 e 2015, que envolveu Tunísia, Líbia, Egito, Marrocos e Argélia. Foi um movimento que combinou, em todos os casos, a efervescência e a revolta social interna de cada um destes países com o patrocínio e a intervenção externa, direta ou indireta, dos Estados Unidos, foi reprimida no Marrocos e na Argélia, e foi revertida no Egito, mas se transformou numa guerra aberta no caso da Líbia, com participação direta das forças da Otan.

Atualmente, o principal projeto norte americano no continente consiste em estabelecer uma linha de transmissão entre Angola e a RDC, financiada pela Hydro-Link. O que ligaria áreas de importante extração mineral e de fornecimento de petróleo e gás, com portos fundamentais para escoamento destes produtos.

Hoje a China é o maior parceiro comercial da África e vem aumentando seus investimentos em infraestrutura, energia e mineração, assim como no caso da Índia, que compete com os chineses em muitos casos, rivalizando e superando em conjunto a Europa e os Estados Unidos, que foram os principais parceiros econômicos do continente africano logo após as independências nacionais. O projeto estratégico da China envolve investimentos em infraestrutura, comércio, ajuda financeira, projetos de desenvolvimento e perdão de dívidas, com o objetivo de fortalecer a influência chinesa. Dentro da “nova rota da seda” existe até um braço específico sobre os diversos investimentos e projetos chineses na África, o Belt & Road Africa lançado em 2018.

A África é fornecedora de mais de 1/3 do petróleo que a China importa, assim como 20% do algodão. Os chineses vem fornecendo apoio para o crescimento energético, de telecomunicações, na construção de estradas, pontes e portos, e no desenvolvimento da capacidade humana de produção em 42 países da África, com destaque para: ferroviárias no Quênia, Etiópia, Angola, Djibouti e Nigéria; construção de hidroelétrica em Angola e Guiné; investimento para exploração de bauxita em Gana; acordo para construção e refinaria em Nigéria; fabricação de cimento em Zâmbia; e mais construções e investimentos em Zimbabwe, República do Congo e Egito.

A Rússia tem intensificado sua presença na África, com foco em áreas como segurança, defesa, energia e recursos minerais. Essa atuação tem sido marcada pela expansão da influência em setores considerados “sensíveis”, como a assistência militar, a exploração de recursos naturais e a disseminação de informações. A cooperação em defesa tem sido caracterizada pelo fornecimento de equipamentos militares, treinamento e apoio a governos e grupos armados, muitas vezes em detrimento da influência de países ocidentais. O grupo Wagner, tem sido um ator importante em vários países africanos, fornecendo segurança e apoio militar em troca de acesso a recursos naturais, como minas de ouro e diamantes. 

Com isso, a Rússia busca expandir sua influência econômica na África através de acordos de cooperação técnico-militar, investimentos em energia, incluindo energia nuclear, e exploração de recursos minerais. Em Mali A Rússia tem forte presença militar e política, após a saída das forças francesas e o apoio a uma junta militar; na República Centro-Africana. O Grupo Wagner tem forte atuação no país, fornecendo segurança e acesso a recursos: Na Líbia apoiou as forças do general Khalifa Haftar, o que garantiu acesso russo aos campos de petróleo do país; em Burkina Faso a junta militar do país buscou apoio russo após expulsar as forças francesas; no Níger O país rompeu relações com os EUA e recebeu tropas e equipamentos militares russos. 

Com todo esse novo contexto, adquire enorme importância a incorporação de Nigéria, Egito e Etiópia como países-membros do Brics, na 15ª Cúpula do Brics, realizada em Johanesburgo. Estes vieram se somar à África do Sul como “membros plenos”, e a Nigéria e Uganda, que foram convidados como “membros associados” na 16ª. Cúpula do Brics.