Um ano depois, são acionistas vêem vantagem na venda da Sabesp, que acumula problemas de manutenção, perda de pessoal e inflação de tarifas. Foto: Governo do Estado de SP

Ao completar um ano sob controle privado, a Sabesp lançou uma campanha publicitária audaciosa: promete investir R$ 70 bilhões até 2029 — “mais do que nos 50 anos anteriores”. A comparação, porém, é uma fraude técnica. Levantamento da Folha de S.Paulo mostra que, entre 1995 e 2024, a Sabesp — ainda estatal — investiu mais de R$ 74 bilhões em valores nominais. Corrigidos pela inflação, esses aportes ultrapassam R$ 135 bilhões.

A “nova Sabesp” tenta justificar a propaganda com um malabarismo contábil: baseia-se na chamada “base de ativos regulatória”, que desconsidera investimentos anteriores depreciados. O resultado é um discurso técnico travestido de inovação, que esconde a realidade: o setor privado assume uma infraestrutura já construída e ainda quer lucrar em cima dela.

O povo paga a conta: tarifas sobem, dividendos disparam

Desde a privatização, casos de aumentos drásticos nas contas de água se multiplicaram. Moradores da Grande São Paulo relataram saltos de R$ 70 para até R$ 500 mensais. Embora a empresa aponte ampliação do acesso à tarifa social e crie o programa “Tarifa Social Paulista”, os descontos não compensam o impacto real da elevação tarifária.

Enquanto isso, os dividendos pagos a acionistas crescem rapidamente. A distribuição, antes limitada a 25% dos lucros, poderá chegar a 100% em 2030. No primeiro trimestre de 2025, o fluxo de caixa para investidores cresceu de R$ 1,18 bilhão para R$ 1,95 bilhão. Ou seja, o lucro está garantido — ainda que a água falte na torneira dos mais pobres.

Investimento com exclusão: periferias podem ficar de fora

O plano de universalização até 2029, principal vitrine do projeto privatista, tem brechas perigosas. Segundo o sindicato dos trabalhadores (Sintaema), comunidades periféricas correm o risco de exclusão por critérios de “viabilidade econômica”. Com foco no retorno financeiro, a Sabesp privatizada pode abandonar áreas de menor renda e difícil acesso.

Casos recentes de vazamentos de esgoto, como o que contaminou a Represa do Guarapiranga, expõem o risco de redução nas equipes de manutenção e resposta rápida. Ao mesmo tempo, mais de 2 mil trabalhadores foram demitidos desde a desestatização, e a terceirização se expande aceleradamente.

Desmonte silencioso: menos trabalhadores, menos serviço

A nova gestão vende a ideia de “eficiência” enquanto promove o enxugamento do quadro funcional. A empresa diz que a redução de 10% do efetivo se deve ao Programa de Demissão Voluntária (PDV), mas trabalhadores relatam pressão e insegurança. A aposta em tecnologias como IA e monitoramento por satélite não substitui o trabalho humano na ponta — especialmente nas regiões mais vulneráveis.

Para o Sintaema, trata-se de um processo deliberado de desmonte da capacidade pública de gestão da água e do esgoto, abrindo caminho para a precarização generalizada dos serviços.

A entrega do século: patrimônio coletivo nas mãos da Faria Lima

A venda da Sabesp — maior companhia de saneamento da América Latina — foi concluída por R$ 14,7 bilhões, com ações vendidas por R$ 67, enquanto o valor de mercado era de R$ 87. Hoje, os papéis já ultrapassam os R$ 110. A Equatorial Participações tornou-se investidora de referência sem enfrentar concorrência, num processo marcado por denúncias de falta de transparência e denúncias de desmonte.

O objetivo da propaganda, do discurso de “transformação” e da falsa comparação histórica é político: legitimar a privatização e sustentar a campanha de Tarcísio de Freitas à presidência em 2026. O preço? A entrega da soberania hídrica de São Paulo ao mercado financeiro.

Resistência segue firme: água é direito, não mercadoria

Enquanto a gestão privatista tenta reescrever a história da Sabesp, o Sintaema segue em mobilização. A entidade sindical denuncia os impactos da privatização, exige transparência na regulação e defende um modelo de saneamento público, universal e acessível.

A tentativa de apagar o passado estatal da Sabesp — reconhecida internacionalmente por sua tecnologia, cobertura e gestão — revela o verdadeiro projeto em curso: transformar um direito básico em ativo de mercado. O futuro da água em São Paulo não pode ser decidido por acionistas.

Cezar Xavier com informações da Folha de S. Paulo e Sintaema