“Somos 100% Brasil”: ato na USP reúne juristas e movimentos em defesa da soberania
O salão nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco lotou com representantes de mais de 300 entidades, além de personalidades do direito e do Governo Federal. Foto: Reprodução das Redes Sociais
O Ato em Defesa da Soberania Nacional, realizado nesta sexta-feira (25) no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, foi aberto pelo diretor Celso Campilongo e pela vice-diretora Ana Elisa Bechara. Organizado em um local considerado marco da formação jurídica brasileira, o evento reforçou o simbolismo do Largo de São Francisco como território legítimo de debate sobre soberania e autodeterminação.
O ponto alto foi a leitura — conduzida por Cida Bento, criadora do conceito de “pacto da branquitude” — da Carta em Defesa da Soberania Nacional. Lançada em meio à tensão causada por medidas externas, como o tarifaço norte-americano e a revogação de vistos de ministros do STF, a carta reafirma que a soberania brasileira não pode ser negociada nem ameaçada por chantagem. A manhã do evento, já registrava mais de 8.164 assinaturas, coletadas junto à USP.
O ato se insere em contexto de crescente tensão internacional, marcado pelo anúncio do presidente estadunidense, Donald, Trump de aumento de tarifas sobre produtos brasileiros, condicionando uma possível redução à interrupção do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF. A iniciativa norte-americana é vista como uma chantagem e uma grave ameaça à soberania do Brasil.
Participação plural
O ato reuniu lideranças do Judiciário — entre juízes, promotores e advogados —, defensores de direitos humanos, representantes de movimentos sociais (como MST, UNE, SBPC, CTB, CUT e Força Sindical), além de figuras públicas como o ministro Paulo Teixeira, o presidente do BNDES Aloizio Mercadante, o ex-ministro José Dirceu, o presidente nacional do PT Edinho Silva e o empresário Josué Gomes da Silva. Estiveram presentes ainda centrais sindicais, grupos estudantis e mais de 100 entidades da sociedade civil.
Presentes também figuras como o advogado José Carlos Dias — simbolizando a tradição da advocacia brasileira —, representantes acadêmicos do Centro Acadêmico 11 de Agosto como Julia Wong, e líderes como a presidenta da UNE, Bianca Borges.
Entidades como a OAB-SP, a Associação dos Advogados de São Paulo e o Instituto dos Advogados e figuras como Walter Casagrande, lideranças da União Nacional dos Estudantes e movimentos sociais fortaleceram o caráter plural e institucional do ato; e reforçou a ideia de que soberania é uma luta coletiva, atravessada pela história acadêmica e cultural do país.

Carta em defesa da soberania
Foi divulgada a Carta em Defesa da Soberania Nacional, cujo texto afasta toda interferência externa e reafirma o compromisso do Brasil com seus princípios constitucionais. O documento reforça que a soberania implica na prerrogativa de autogovernar-se, respeitando direitos humanos, autonomia institucional e a plena capacidade de decidir seus destinos segundo a Constituição.
A Carta reafirma o poder do povo brasileiro sobre si mesmo e a exclui qualquer forma de interferência externa. “Nossa Constituição garante aos acusados o direito à ampla defesa. Os processos são julgados com base em provas e as decisões são necessariamente motivadas e públicas. Introduções estranhas à ordem jurídica nacional são inadmissíveis”, destacou o documento.
A mensagem, lida em cerimônia solene, traz adesões de juristas, ex-alunos e lideranças representativas, como o ex-ministro do STF Celso de Mello, que qualificou a carta como “dever cívico e político rumo à intangibilidade da soberania constitucional”.
Afronta gravíssima
Para a vice-diretora da Faculdade de Direito e professora de Direito Penal, Ana Elisa Bechara a carta de Trump ao presidente Lula é qualificada como “afronta gravíssima” à democracia brasileira. Ela protesta contra o uso das tarifas como forma de pressão política. A vice-diretora destacou que “defender a soberania nacional é tão importante quanto defender a democracia — algo a ser cuidado sempre”.
Segundo ela, o ato nasce da necessidade de responder a essa ameaça de “sequestro da nossa democracia”. Bechara também enfatizou a importância da mobilização da sociedade civil: “Parece que há uma consciência social sobre a ideia de democracia, de que a democracia não é uma conquista estável, é algo a ser defendido e alimentado todos os dias”.
O diretor Celso Campilongo ressaltou o volume de adesões — com centenas de entidades envolvidas — e sua expectativa de que o ato se espalhe pelo país e por diferentes setores. Segundo Campilongo, a faculdade é um espaço que, desde sua fundação há dois séculos, foi pensado para formar os profissionais que garantiriam a soberania nacional. A leitura da Constituição e a construção do direito brasileiro têm raízes nesse solo.

“Nossa soberania é inegociável”
Os pronunciamentos enfatizaram a importância de defender a soberania com serenidade e prudência, mantendo a disposição para diálogo e negociação. Foi afirmado que ataques externos à soberania brasileira se traduzem em ameaças globais à ordem internacional baseada no direito e no multilateralismo.
Entre os discursos, destacaram-se menções à importância da juventude na defesa da democracia e da soberania. Estudantes relataram orgulho ao rever símbolos da trajetória universitária, incluindo o hino da faculdade — escrito por estudantes e musicado por Carlos Gomes — e episódios históricos como a campanha “Petróleo é Nosso”, nos anos 1950.
“Defender a soberania nacional é levar o papel de cidadão às últimas consequências, para que assim a cidadania seja o princípio de tudo”, afirmou Júlia Wong.
O advogado e ex-ministro do STF José Carlos Dias, reforçou a importância da defesa intransigente da soberania. “Repudiamos toda e qualquer forma de intervenção, intimidação e admissão que busquem subordinar a nossa liberdade como nação democrática”, afirmou. Dias destacou que intimidações estrangeiras são inadmissíveis e que a sociedade brasileira precisa se unir. “Nossa soberania é inegociável”, conclamou.

Herança democrática
O ato revisitou a trajetória do Largo como símbolo da luta por democracia — recordando os atos de 2022, quando a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito” mobilizou a sociedade contra ataques às urnas. A atual convocação expande essa herança histórica como resistência às novas ameaças externas.
Mais do que um ato pontual, o encontro em São Paulo sinaliza uma articulação nacional em defesa da autonomia do Brasil — valorizando a unidade entre entidades acadêmicas, jurídicas, sindicais e civis. O compromisso coletivo expressado reforça que a soberania brasileira permanece como força motriz na construção da democracia e do futuro do país.
(por Cezar Xavier)