Reencantar a política popular: resistir, reorganizar e recomeçar
Introdução
Vivemos uma era de transição histórica marcada pelo avanço global da extrema-direita, que ameaça direitos sociais, democracia e soberania. No Brasil, esse movimento assumiu contornos dramáticos: manipulação midiática, judicialização da política e retrocessos civilizatórios. Diante disso, a esquerda se vê diante de uma encruzilhada: ou se reconecta com o povo e propõe um novo ciclo histórico, ou seguirá fragmentada e sem protagonismo.
Este artigo, à luz do 16º Congresso do PCdoB, propõe reflexões sobre os caminhos possíveis para a reorganização da esquerda, dialogando com os desafios do presente e com a esperança de transformação popular para 2026.
A Ofensiva da Extrema-Direita
A ascensão da extrema-direita não é episódica, mas parte de uma ofensiva estruturada, articulada por elites econômicas, igrejas fundamentalistas, setores militares e redes digitais. Alimentada pela crise do neoliberalismo, explora o medo social com soluções autoritárias e moralistas.
No Brasil, esse fenômeno ganhou força a partir de 2013, quando pautas difusas de insatisfação popular foram capturadas por setores conservadores. O golpe de 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018 consolidaram esse projeto autoritário. Sob seu governo, vimos ataques à educação, à memória, aos direitos sociais e ao meio ambiente, com forte inspiração no trumpismo e no autoritarismo global.
Esse avanço expressa uma nova racionalidade política que rejeita a democracia liberal. Combatê-la exige mais do que resistência: requer disputar valores, afetos e narrativas.
A Crise da Esquerda
Parte da esquerda brasileira se institucionalizou em excesso, priorizando a governabilidade em detrimento da mobilização popular. Isso gerou um afastamento das periferias, um empobrecimento simbólico e uma perda da capacidade de encantar.
A esquerda deixou de ser vista como força transformadora, sendo associada à elite política. Negligenciou pautas de raça, gênero, território e cultura, afastando-se de juventudes negras, feminismos populares, movimentos LGBTQIA+ e ambientais. Essa crise não é apenas organizativa é afetiva e simbólica.
Reconstruir o vínculo com o povo exige escuta ativa, humildade, enraizamento e um projeto que devolva esperança concreta à vida cotidiana. Enquanto isso não for feito, a extrema-direita continuará ocupando esse espaço com discurso moralista e autoritário.
Um Novo Ciclo Histórico
O esgotamento dos paradigmas tradicionais exige à esquerda uma refundação ética, simbólica e programática. Precisamos reaprender a escutar, dialogar com as novas formas de militância e reconhecer que as pautas identitárias são expressões legítimas das contradições do capitalismo.
Um novo ciclo deve se basear na valorização da cultura popular, da economia solidária, das redes territoriais e da pedagogia política. Deve superar o tecnicismo e cultivar utopias realizáveis, capazes de mobilizar afetos e organizar ações coletivas.
Mais que recuperar espaço institucional, a esquerda precisa voltar a ser percebida como necessária para garantir comida no prato, dignidade no trabalho, segurança comunitária, justiça racial e equilíbrio ambiental.
Desafios e Caminhos Possíveis
Superar a crise exige ousadia e reinvenção. A formação política deve ser popular, cotidiana e territorial. A comunicação deve disputar sentidos e reencantar afetos, valorizando a arte e a oralidade como ferramentas políticas.
A economia solidária e as experiências coletivas devem ser visibilizadas como alternativas viáveis ao modelo neoliberal. Estruturas organizativas precisam dialogar com juventudes periféricas, corpos dissidentes e espiritualidades populares. A unidade, mais do que tática, deve ser um imperativo ético.
A radicalidade democrática não se esgota no voto: é presença nos territórios, é direito ao corpo, à cidade, à voz. A transformação exige coerência, coragem e compromisso com os de baixo.
Conclusão: O Futuro Se Constrói com Coragem
A luta contra a extrema-direita não será vencida com fórmulas antigas. Requer um novo pacto com o Brasil profundo, onde a esquerda seja ponte entre a indignação popular e a ação transformadora.
O futuro será obra de quem tiver coragem de reencanta-lo. E essa coragem nasce da luta, da memória e da esperança. Como ensinou Paulo Freire, “a esperança não é cruzar os braços e esperar, é ir atrás, é construir, é transformar.”
Tonny Anderson Santos é membro do PCdoB de Belo Horizonte- MG