Pobres gastam 32% da renda em impostos; os ricos, apenas 10%

Os privilégios tributários dos ricos brasileiros são estruturais e históricos, remontam ao passado colonial do Brasil e se perpetuam até hoje. A fatia composta pelo 0,1% mais rico da população compromete apenas 10% de sua renda com tributos, percentual que salta para 32% no segmento dos 10% mais pobres, segundo estudo da Oxfam Brasil.
Não à toa, a cada tentativa de reduzir a regressividade dos impostos, diversos obstáculos são colocados, sobretudo pela elite parlamentar, que tem protagonizado uma verdadeira batalha para manter “tudo como sempre esteve”.
Uma das tentativas mais recentes apresentadas pelo governo Lula é a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil (PL 1087/2025), o que beneficiaria 10 milhões de brasileiros. Também está no escopo do governo a redução da alíquota para quem recebe até R$ 7mil mensais.
O custeio da proposta parte de uma medida de progressividade até tímida diante do tamanho da desigualdade brasileira: a adoção de uma alíquota mínima de até 10% para aproximadamente 141 mil brasileiros que recebem renda acima de R$ 50 mil reais por mês.
“Ou seja, 0,13% de todos os contribuintes do país são capazes de arcar sozinhos com a desoneração de 10 milhões de pessoas, o que revela o tamanho da concentração de renda no país”, alerta a Oxfam.
No total, há aproximadamente 600 mil brasileiros com renda anual acima de R$ 600 mil. “No entanto, apenas um quarto desse grupo seria efetivamente afetado pela nova regra. Entre os que recebem entre R$ 500 mil e R$ 1,2 milhão, estima-se que apenas cerca de 16% (um sexto) sejam atingidos”.
Já entre os que recebem acima de R$ 1,2 milhão por ano, cerca de metade deve ser alcançada pela tributação mínima. “Esse segmento representa a elite econômica: os 0,15% mais ricos da população adulta brasileira, concentrando cerca de R$ 1,1 trilhão em renda — o equivalente a 14,1% de toda a renda nacional, valor superior à soma dos rendimentos da metade mais pobre da população, que detém menos de 12% do total”, destaca.
Raça, gênero e escravidão
Ao se debruçar sobre o tema da desigualdade entre ricos e pobres no campo dos impostos, o estudo “Arqueologia da Regressividade Tributária no Brasil”, divulgado nesta quinta-feira (10), aponta que os indicadores de raça e gênero também figuram entre os fatores de desigualdade.
Além da concentração extrema de renda, nesse micro-grupo dos 0,1% mais ricos do país, que recebe anualmente R$ 6 milhões, apenas 19% são mulheres e 20% são pessoas pretas ou pardas, conforme dados da Pnad, do IBGE. “Ou seja, a imensa maioria dos super-ricos é composta por homens brancos”, destaca o estudo.
Já os contribuintes que recebem entre R$ 3 mil e R$ 7 mil por mês — e que serão beneficiados pela ampliação da isenção — formam um grupo mais diverso, de acordo com o levantamento: 59% são homens e 41% mulheres; 55% se declaram brancos e 44% são pretos ou pardos.
“Embora essa composição ainda revele desigualdades, ela é consideravelmente mais plural do que a elite econômica que concentra os privilégios tributários, composta quase que exclusivamente por homens brancos”, argumenta a nota.
Segundo a Oxfam Brasil, “a regressividade tributária brasileira é histórica, advinda da elevada participação de impostos indiretos (como ICMS, IPI, PIS/Cofins) que incidem proporcionalmente mais sobre a renda das camadas mais pobres da população, onde os negros estão sobremaneira representados”.
Além disso, aponta o caráter limitado da progressividade do IRPF. As alíquotas baixas e restritas, explica, “não consideram plenamente a capacidade contributiva real, mantém a concentração de renda e penaliza desproporcionalmente famílias negras que começam a ascender economicamente”.
O estudo lembra que desde o pós-abolição, “políticas estatais negaram acesso à terra, educação e trabalho formalizado à população negra, privilegiando populações imigrantes europeias. Essa desigualdade estrutural persiste até hoje, refletindo-se também no sistema tributário, que, ao não considerar essas particularidades históricas, reforça desigualdades socioeconômicas”.
Nesse sentido, a nota salienta que “a regressividade tributária tem cor. A população negra, majoritariamente situada nas faixas de menor renda, paga proporcionalmente mais impostos. Mesmo entre os que ascendem socialmente, os encargos de manutenção de redes familiares historicamente empobrecidas tornam sua carga tributária mais pesada”.
E, nesse cenário, as mulheres negras são ainda mais impactadas, pois lideram lares com menos renda e mais dependentes. “Essa realidade não é acidental nem recente. Ela tem raízes profundas nas escolhas institucionais feitas ao longo da história do Brasil”, argumenta.
Recomendações
Após traçar um amplo e rico panorama histórico sobre como a regressividade tributária foi se formando e estabelecendo até os dias de hoje, o levantamento elenca algumas recomendações, como forma de contribuir para o debate atual sobre reforma tributária.
Dentre essas sugestões estão:
– expandir as faixas e aumentar as alíquotas do IRPF para torná-lo verdadeiramente progressivo;
– que o PL 1087/2025, ou outro que lhe faça as vezes, inclua mecanismos que permitam avaliar os impactos das políticas tributárias na promoção da igualdade racial e de gênero, bem como determine a inclusão de campo para autodeclaração racial na declaração do IR;
– revogar a isenção do imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos, pondo fim à assimetria de tratamento concedido entre as rendas do capital e do salário;
– regulamentar o imposto sobre grandes fortunas;
– implementar uma reforma que torne os impostos sobre herança e patrimônio verdadeiramente progressivos.
Por fim, o documento conclui ser crucial que as reformas tributárias “sejam amplas e abordem de forma incisiva as estruturas que historicamente favoreceram a concentração de riqueza entre as elites brancas e perpetuaram a exclusão social da população negra. A alegada neutralidade da política tributária ignora a realidade de que os impostos indiretos, amplamente aplicados, penalizam de forma desproporcional os mais pobres”.
E completa: “Isso demonstra que a tributação regressiva funciona como um mecanismo sofisticado de manutenção e reprodução de desigualdades raciais, cujas raízes remontam ao período colonial e escravocrata”.