O neoliberalismo conseguiu imprimir sua ideologia na subjetividade da maior parte da população ocidental, e não é diferente no Brasil. Segundo essa ideologia, a sociedade não existe, apenas indivíduos, que se relacionam através de um mercado, ou seja, por mio da exploração e da competição. Nesse modo de pensar, não existe espaço para comunidade ou solidariedade. O comum se perde e a ausência de um senso mínimo de comunidade entra em conflito direto com a democracia, destrói os seus pressupostos. O que não podemos esquecer é que houve uma enorme ação estatal, através de políticas públicas, para que esta ideologia fosse aceita e se tornasse hegemônica.

Nenhuma dessas afirmações espanta muito os comunistas, mas é preocupante que não olhemos a questão pelo outro lado com a mesma naturalidade. Célio Turino, idealizador do programa Cultura Viva, aponta em seu livro Pontos de Cultura, Brasil de baixo para cima, que a ação do Estado, já dizia Gramsci, tem um aspecto educador, que quando o Estado dispõe de recursos em uma política pública, ele educa o povo validando e fortalecendo a lógica dessa política pública.

Nesse sentido, como os Pontos de Cultura fortalecem e potencializam organizações coletivas, eles ensinam o povo a se organizar coletivamente para acessar benefícios do estado, em vez de ter seu acesso individualizado ou mediado por prestadores de serviço, como advogados. Como eles valorizam a autonomia desses coletivos, permitindo que cada um elaborasse um plano de trabalho mais adequado para a sua realidade, ensinam autonomia e autogestão. Como financiam a articulação em rede, a colaboração, o encontro, através de encontros como a Teia, Nacional dos Pontos de Cultura, ensinam a organização, a formação de alianças e a mobilização política. Como tem por princípio norteador o bem comum, ensinam a ver para além do mercado e do capitalismo.

E repare, apesar de tudo isso ser cultura, ser ideologia contra hegemônica, nada disso é sobre as expressões culturais efetivamente apoiadas, mas sobre a forma como a política pública se estrutura e se relaciona com seus beneficiados. O que Célio Turino esboçou foi uma resposta para a pergunta essencial para os comunistas: “Como a atuação dos comunistas nos governos pode colaborar para o Programa Socialista para o Brasil?”

A ideologia hiperindividualista neoliberal, o todos contra todos, é reforçada e reproduzida por políticas públicas de caráter individualista e individualizante, que em vez de direitos universais prega a focalização extrema. É tornada concreta no planejamento urbano que torna os espaços públicos cada vez mais hostis para garantir que a convivência possa ocorrer apenas nos espaços privados e mercantilizados (ou nos espaços religiosos). É tornada modo de vida quando o Minha Casa Minha Vida elege o condomínio fechado como forma padrão da habitação popular. É tornada modo ação política quando a contratação de advogados é mais eficaz para garantir o acesso a direitos que a mobilização coletiva. A ideologia se torna hegemônica quando se materializa e institucionaliza na vida pela ação do Estado através de políticas públicas.

O surgimento de políticas públicas como Rede Nacional de Cursinhos Populares (CPOP) e o Programa Cozinha Solidária mostra que há setores no governo que compreenderam a necessidade de políticas públicas que apoiem a ação coletiva dos movimentos sociais. O partido precisa olhar com carinho para a experiência da Cultura Viva. Compreender como ela ajudou a formar e organizar um movimento social e político que mostrou sua força na conquista das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo e começar a aplicar essa compreensão em sua atuação institucional.

Quais as políticas públicas que os comunistas devem implementar? O que essas políticas públicas ensinam com seu formato? Elas fortalecem a ideologia neoliberal, ou plantam sementes contra hegemônicas? Em que medida as políticas públicas que implementamos, quando no governo, atuam contra ou a favor da construção do socialismo? Em que medida elas fortalecem a organização popular e a luta de ideias?

Sem essa reflexão, o mais provável é que nossa atuação reproduza as políticas públicas neoliberais, porque são as oferecidas pela ideologia dominante, defendidas em palestras e simpósios, analisadas e quantificadas para serem apresentadas como baseadas em evidências. Através dela, podemos qualificar nossa atuação institucional, alinhando-a aos objetivos das outras frentes de luta do partido, a organização popular e a luta de ideias.

*Servidor público estadual. Filiado ao PCdoB em Porto Alegre-RS.