Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Quando o assunto é violência e crimes contra a vida, o Brasil vem experimentando melhoras, por um lado, e pioras, do outro. É o caso, por exemplo, da queda de 5,4% no número de mortes violentas intencionais — ainda assim, o ano de 2024 registrou 44.127 ocorrências dessa natureza. Já no caso dos feminicídios, houve leve crescimento, de 0,7%, totalizando 1.492 vítimas no ano passado. Já os casos de estupro somaram mais de 87 mil, pior número já registrado.

Os dados foram revelados pelo 19º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (24). As informações — colhidas junto a órgãos públicos e analisadas por pesquisadores — reforçam que o país segue violento, realidade que exige políticas públicas específicas e contínuas por parte dos governos federal, estaduais e municipais.

Ao destrinchar esses dados, o Anuário reafirma que após os anos de disputa entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) — que levou ao pico de 64 mil assassinatos apenas em 2017 —, a partir de 2018 houve um processo contínuo de redução nos homicídios, com exceção de 2020.

Assim como em edições anteriores, o estudo aponta que dentre os fatores que explicam essa redução destacam-se “a implementação de políticas públicas de segurança orientadas por evidências, com programas de gestão por resultados e iniciativas multissetoriais de prevenção à violência; as mudanças demográficas pelas quais passa o país, com redução do número de adolescentes e jovens na população, grupo historicamente mais exposto à violência letal; e políticas de controle de armas”.

O documento reforça, no entanto, que embora as políticas públicas de segurança tenham papel relevante na redução dos homicídios, “conflitos e tréguas entre facções podem desencadear aumentos ou quedas abruptas nos índices de violência”.

Imagem: Anuário FBSP 2025

Olhando os dados mais detalhadamente, fica claro que problemas antigos e estruturais persistem, sendo os jovens negros os mais atingidos pela violência letal. Do total de vítimas, 91% eram homens, 79% negros e 48% tinham até 29 anos. Além disso, quase 74% foram mortos por armas de fogo e 57%, em vias públicas.

A letalidade policial também segue alta: no último ano, 6.243 pessoas foram mortas por esses agentes públicos. Na última década, foram mais de 60 mil casos.

Considerando apenas os dados de 2024, o Amapá tem a polícia mais letal, com taxa de 17,1 por 100 mil habitantes, seguido da Bahia, com 10,5 e do Pará, com 7. No entanto, vale ressaltar que as cidades de São Vicente e Santos, no Litoral de São Paulo, foram a segunda e a terceira do país em que mais de 50% das mortes violentas foram provocadas por policiais, num total de 66% cada.

Estupros e feminicídios

O Anuário explicita que um dos maiores desafios colocados para o poder público e a sociedade brasileira segue sendo o fim da violência contra meninas e mulheres. Pesam sobremaneira para esse quadro fatores políticos e culturais já arraigados, como o machismo e a misoginia, que, no entanto, foram potencializados e naturalizados conforme a extrema direita ascendeu política e socialmente, trazendo consigo a proliferação de discursos e práticas opressoras e preconceituosas.

Uma das informações mais dramáticas resultante desse cenário é o alto número de estupros e estupros de vulneráveis, que atingiu a maior marca da história: foram 87.545 vítimas em 2024, taxa de 41,2 por 100 mil. Nesse universo, quase 77% eram vulneráveis.

Imagem: Anuário FBSP 2025

A maior parte dos casos, cerca de 33%, ocorreu na faixa dos 10 aos 13 anos, seguida pela faixa dos 5 aos 9 anos, 18%. Entre os 14 e os 17 anos, foram 16% e entre o zero e os quatro, 10%. Do total de casos, quase 88% das vítimas eram do sexo feminino e 55% eram negras.

De acordo com o Anuário, “este é um problema cujo enfrentamento necessariamente exige uma combinação de estratégias que vão desde a prevenção — com uma educação que possibilite às pessoas, desde a infância, reconhecer um ato de abuso sexual, de fato, como violência — até a garantia de investigação qualificada, maior celeridade nos processos judiciais e a efetiva responsabilização dos agressores”.

Além disso, o levantamento mostra que houve 1.492 feminicídios em 2024, crescimento de 0,7% em relação ao ano anterior. Também neste caso, as principais vítimas são as negras, que representam 63% do total de feminicídios; pouco mais de 70% dos casos vitimaram mulheres entre os 18 e os 44 anos. Oito em cada dez foram mortas por companheiros ou ex e 64%, em casa. Os homens foram responsáveis por 97% desses crimes.

Imagem: Anuário FBSP 2025

“Ainda que os números mostrem uma situação grave, o que eles não mostram compõem um cenário mais amplo que é ainda mais cruel e duro do que nos dizem os registros oficiais. Isso porque, quando falamos de violência de gênero, falamos de um fenômeno que continua sendo marcado por subnotificação, silêncio e naturalização social”, argumenta o Anuário.

Nesse cenário, as medidas protetivas de urgência somaram mais de 555 mil, aumento de 6,6%, das quais quase 11% foram descumpridas pelo agressor. Ao todo, o Anuário reportou, ainda, mais de um milhão de acionamentos ao 190 para esse tipo de denúncia, o que corresponde a duas chamadas por minuto.

Para piorar, as tentativas de feminicídio saltaram 19% no mesmo período, com 3.870 vítimas. Também cresceram 6,3% os registros de violência psicológica, que beiraram os 52 mil, bem como os de stalking (perseguição obsessiva), que aumentaram 18%, com 95 mil casos.

Em artigo que compõe o Anuário, as pesquisadoras Isabella Matosinhos e Amanda Lagreca salientam: “É preciso garantir que a política pública chegue antes da ameaça, da violência psicológica, da perseguição, do tapa, do empurrão, do tiro, da faca, do silêncio cúmplice das instituições… Enquanto isso não acontecer, todos os dias, as estatísticas seguirão compostas por violências evitáveis, e nós, mulheres, seguiremos violentadas e mortas pelo (nada simples) fato de sermos mulheres”.