UNE mobiliza contra asfixia das universidades e do orçamento da educação
União Nacional dos Estudantes (UNE) e entidades como Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundaristas) e ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos), que denunciam os impactos do Decreto nº 12.448/2025 — norma que restringe o repasse de verbas às universidades e institutos federais
Nesta quinta-feira (29), milhares de estudantes devem tomar as ruas em todo o Brasil em resposta a um ataque ao financiamento da educação pública. A convocação partiu da UNE (União Nacional dos Estudantes) e de outras entidades do movimento educacional como Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundaristas) e Anpg (Associação Nacional de Pós-Graduandos), que denunciam os impactos do Decreto nº 12.448/2025 — norma que restringe o repasse de verbas às universidades e institutos federais e impõe um verdadeiro colapso administrativo e acadêmico à rede federal de ensino superior.
Publicada em 30 de abril, a medida do governo federal determina que apenas 1/18 do orçamento discricionário de cada instituição poderá ser utilizado até novembro. Na prática, a maior parte dos recursos só poderá ser executada em dezembro, inviabilizando a gestão das universidades e afetando diretamente a permanência estudantil. A medida compromete a manutenção de restaurantes universitários, o pagamento de bolsas, contas de luz e água, e até a infraestrutura básica dos campi.
A decisão acendeu o alerta entre reitores, estudantes e entidades da educação, que denunciam um cenário de sucateamento e iminente paralisação. O decreto, embora justificado como parte da programação financeira do Executivo, é considerado um instrumento de contingenciamento disfarçado, aprofundando a crise vivida pelas Instituições Federais de Ensino (IFES) nos últimos anos.
O noticiário já registra efeitos da crise orçamentária como da Ufal, que precisa de R$ 9 milhões por mês, mas recebe apenas R$ 4 milhões. A Ufrj tem dívida de R$ 61 milhões e aulas suspensas por falta de luz. A Ufrgs cortou transporte interno. A Ufcg está priorizando pagamentos atrasados. O Cefet-MG suspendeu reformas e compras de insumos.
O decreto afeta diretamente 69 universidades federais brasileiras, além de Centros de Educação Tecnológica. São 314 campi distribuídos por todas as regiões do país. Além do ensino de graduação, mestrado e doutorado para um contingente de cerca de um milhão e 300 mil alunos, as universidades federais são responsáveis por uma rede de equipamentos públicos e serviços que atendem à população nas mais diversas áreas, incluindo: 51 hospitais universitários de alta complexidade, clínicas e laboratórios; museus, teatros, cinemas, escolas de música, teatro e dança; agências de inovação, incubadoras de empresas de base tecnológica e parques de ciência e tecnologia; e escritórios de assistência jurídica à população carente.
Segundo o reitor Demetrius David da Silva (UFV), presidente da Comissão de Financiamento da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), durante reunião nacional de reitores na quarta (21), o déficit orçamentário projetado para 2025 é da ordem de R$ 249,35 milhões, o que reforça a urgência de medidas estruturantes. “A recomposição orçamentária não é apenas uma pauta da gestão universitária, mas um imperativo para a manutenção da qualidade e da equidade no acesso ao ensino superior público”, afirmou.
Avanços no acesso, retrocessos no orçamento
Enquanto o Brasil avançou na democratização do acesso ao ensino superior — com políticas de cotas, expansão de vagas e ampliação da assistência estudantil —, a garantia da permanência dos estudantes e da qualidade do ensino vem sendo estrangulada pela falta de recursos. A Lei Orçamentária Anual de 2025 previu um aumento de 10% para a educação, elevando o orçamento para R$ 177 bilhões, mas o valor ainda está muito abaixo do necessário, e distante da meta de 10% do PIB estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE).
A aprovação da LOA pelo Congresso Nacional, dominado por uma maioria conservadora — com dois terços dos parlamentares de direita —, contribuiu decisivamente para o aprofundamento do déficit orçamentário.
As contradições da austeridade fiscal
Para as entidades estudantis e sindicais, o problema é estrutural. Apesar das promessas de campanha, o governo Lula segue atado a um modelo fiscal restritivo herdado do período Temer-Bolsonaro. O chamado “arcabouço fiscal”, embora vendido como alternativa ao antigo teto de gastos, continua limitando investimentos em áreas estratégicas.
O Decreto nº 12.448 evidencia a contradição entre o projeto político vitorioso nas urnas e a influência por um modelo por austeridade que segue protegendo os interesses do mercado. Embora Lula reforce publicamente o papel da educação no desenvolvimento do país, o Executivo precisa agir de forma coesa para não legitimar, por dentro, a política de asfixiamento das universidades.
Mobilização estudantil: resposta nas ruas no dia 29 de maio
Diante do agravamento da crise, a UNE convocou um Dia Nacional de Lutas para 29 de maio, com manifestações em capitais e cidades do interior, exigindo a revogação imediata do Decreto nº 12.448 e a recomposição emergencial do orçamento da educação. A mobilização contará com a participação de entidades estudantis, sindicatos e movimentos sociais, numa tentativa de recolocar o orçamento nas mãos de quem mais sente seus impactos.
Para os movimentos sociais, é preciso ir além da denúncia. As manifestações de 29 de maio trazem consigo propostas concretas:
- Revogação do Decreto nº 12.448;
- Retirada da educação dos limites do arcabouço fiscal;
- Recomposição e ampliação imediata do orçamento das instituições federais;
- Auditoria cidadã da dívida pública;
- Reforma tributária justa, com taxação dos super-ricos.
Asfixia orçamentária: impactos práticos nas IFES
O contingenciamento imposto pelo decreto prejudica severamente o funcionamento cotidiano das IFES. Segundo dados das entidades representativas:
- Assistência estudantil: pagamento de bolsas e auxílios atrasado ou suspenso;
- Restaurantes universitários: funcionamento de RUs em risco por falta de recursos para compra de insumos e pagamento de contratos;
- Manutenção dos campi: risco de paralisação de serviços como segurança, limpeza e energia;
- Projetos pedagógicos e de pesquisa: comprometimento de cronogramas e cortes em projetos estratégicos;
- Execução orçamentária: instituições terão apenas algumas semanas em dezembro para empenhar e executar a maior parte do orçamento, o que inviabiliza a gestão eficiente dos recursos.
A Conif (Confederação Nacional dos Municípios) e o Andes-SN também se posicionaram criticamente, alertando para os efeitos colaterais do decreto na continuidade do ensino, pesquisa e extensão e cobrando uma resposta do Ministério da Educação (MEC).
O futuro da educação está em disputa
Em meio ao impasse, o movimento estudantil assume mais uma vez seu papel histórico: lutar por um projeto de educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada. A UNE conclama a juventude a ocupar as ruas e pressionar o governo para garantir não só a sobrevivência das universidades e institutos federais, mas também seu papel estratégico na formação de um Brasil mais justo e soberano.
Historicamente protagonistas das grandes transformações sociais no Brasil, os estudantes mais uma vez assumem o papel de resistência. Em um contexto de avanço do mercado sobre os direitos sociais, sua voz nas ruas ecoa em defesa da democracia, da soberania e da justiça social.
(por Cezar Xavier)