Bancada do Proarmas finge defender direitos sociais para estimular armamentismo

Parlamentares que defendem o uso de armas por civis e compõem a “bancada da bala” no Congresso se utilizam de graves problemas sociais — como a violência doméstica e nas escolas — como desculpa para a apresentação de projetos que, na verdade, servem apenas para impulsionar a cultura armamentista e agitar suas bases sociais.
Essa é uma das constatações trazidas pelo estudo “Proarmas no Congresso Nacional — uma análise da atuação parlamentar”, do Instituto Fogo Cruzado, divulgado nesta segunda-feira (26). O Proarmas é uma associação que defende a expansão do armamento civil, inspirada no modelo da National Rifle Association (NRA) dos Estados Unidos — a maior lobista do setor de armas do mundo.
Para fazer a análise da agenda desses parlamentares, as pesquisadoras Iris Rosa e Terine Husek Coelho examinaram 739 projetos de lei protocolados em 2023 e 2024 no Congresso, de autoria dos 23 congressistas eleitos com financiamento do Proarmas (19 do PL, 2 do Republicanos e 2 do União Brasil). Do total, 569 PLs são da Câmara dos Deputados e 170 do Senado Federal.
Nesse rol de proposituras, destacam-se as que autorizam o porte de armas para professores, concedem isenção fiscal a mulheres vítimas de violência doméstica na aquisição de armas e obrigam a presença de segurança armada em instituições de ensino.
O estado com mais parlamentares financiados pelo grupo é o de São Paulo, com três (Delegado Paulo Bilynskyj, Mário Frias e Marcos Pontes). Na sequência estão os estados com dois parlamentares cada: Acre (Alan Rick e Coronel Ulysses), Rio Grande do Sul (Hamilton Mourão e Tenente Coronel Zucco), Santa Catarina (Julia Zanatta e Jorge Seif), Rio Grande do Norte (Sargento Gonçalves e Rogério Marinho) e Mato Grosso (Amália Barros — falecida em 2024 — e Nelson Barbudo).
“A bancada do armamento civil engrossou o coro da bancada da bala, aquela que tradicionalmente defende a violência como política pública de segurança”, explica o estudo.
Além disso, mostra que essa sub-bancada é bastante atuante em seus esforços pró-arma de fogo: se de maneira geral os congressistas apresentaram, nesse período, uma média de 19 projetos, cada um dos financiados por esse grupo teve, em média, 32 propostas — quantidade 68% acima da média geral.
O estudo também alerta para o alto índice de renovação da bancada: dos parlamentares armamentistas mapeados, 37% estavam em seu primeiro mandato, contra 18% no campo pró-controle do armamento.
“Os dados sobre os parlamentares apoiados pelo Proarmas mais uma vez sugerem que o campo pró-armamento se expande, aprimora seus argumentos, renova seus quadros e se organiza internamente”, opinam.
Temas tratados
Dentre os principais assuntos guarda-chuvas tratados por esses parlamentares estão: segurança pública (78 PLs) e Código Penal (73 PLs); apenas na terceira posição aparece o tema armas e munições (52 PLs). Infância e adolescência vem em quarto (46 PLs) e, por último, estão os direitos fundamentais e a cidadania (45 PLs).
“É interessante notar como, muitas vezes, os temas dialogam entre si. As escolas, que atendem sobretudo crianças e adolescentes, são uma das principais preocupações da temática de Segurança Pública; ao passo que o endurecimento da pena, muitas vezes está voltado para a redução da maioridade penal. Essa sobreposição ajuda a perceber o quanto a temática da infância e adolescência é, ao mesmo tempo, objeto e instrumento de uma agenda moralizante e punitivista que, sob o pretexto de proteger crianças e adolescentes, propõe restrições a direitos fundamentais”, diz a análise.
O documento prossegue argumentando que “uma agenda moralizante se identifica pelo foco em regular comportamentos privados, uso de linguagem carregada de termos valorativos como ‘degradação moral’, ‘preservação da inocência’, ‘doutrinação’, ‘ideologia de gênero’, ‘ameaça à família tradicional’ e pela criação de pânico moral através da amplificação de casos isolados”.
Além disso, as autoras destacam a existência de propostas que visam criminalizar discussões sobre identidade de gênero, vetar “atividades pedagógicas de gênero” nas escolas, proibir tratamentos médicos para jovens transgêneros e impedir a participação de menores em eventos LGBTQIA+.
Esses projetos frequentemente “empregam termos vagos e imprecisos como ‘erotização infantil’ e ‘sexualização precoce’ para justificar intervenções em políticas educacionais e culturais, estabelecendo controle sobre conteúdos artísticos e pedagógicos”, explicam.
E acrescentam: “Em vez de fortalecer redes de proteção ou ampliar direitos sociais, estas iniciativas legislativas concentram-se em medidas punitivas, como o aumento do período de internação para adolescentes infratores, e em intervenções que restringem a autonomia de profissionais da saúde e educação, redirecionando o poder decisório para os pais ou responsáveis em questões sensíveis de desenvolvimento e identidade”.
Baixa efetividade
Apesar de serem projetos de forte apelo junto a setores de direita e extrema direita e da alta produtividade de seus autores, as pesquisadoras identificam uma baixa efetividade das propostas ao analisarem as que seguiram adiante e as que não concluíram com êxito sua trajetória legislativa.
Até janeiro deste ano, dos 739 PLs avaliados, 22 foram arquivados; 15 foram retirados pelo autor; 70 estão prontos para ir ao plenário e 21 já tiveram progressão de casa. Ao todo, 611 estão em tramitação.
Apenas quatro propostas desses autores se tornaram lei ordinária, nenhuma ligada à temática armamentista, tão cara a eles. Dentre elas estão a lei que concedeu à cidade de Cruzeiro do Sul (AC) o título de Capital Nacional da Farinha da Mandioca e a que reconheceu o Festival de Parintins e os bois Garantido e Caprichoso como manifestação da cultura nacional.
Para Terine Coelho, o número de projetos aprovados e os temas são reveladores da estratégia de atuação do grupo. “Esse é um dos achados do levantamento porque sugere que muitas das proposições dos congressistas têm função mais discursiva do que efetivamente legislativa. Quer dizer, servem para mobilizar, dinamizar suas bases”.