O sorriso cativante e comprometido de Fatima Hassouna, fotojornalista palestina morta por Israel | Foto: Instagram

Fatima Hassouna, fotojornalista palestina e tema do documentário “Put Your Soul on Your Hand and Walk” (Coloque Sua Alma na Sua Mão e Caminhe), foi assassinada junto com dez membros de sua família durante um ataque aéreo israelense no bairro de Al-Touffah, no norte de Gaza, na última quarta-feira (16). Os bombardeios tiveram como alvo direto o prédio em que morava a jovem de 25 anos, ceifando a vida de 40 pessoas.

Um dia antes, a Associação Francesa para a Difusão do Cinema Independente (Acid) anunciou a seleção do documentário que protagonizava – como cronista da vida palestina diante da ameaça das tropas de ocupação israelenses – para o próximo Festival de Cinema de Cannes, uma das principais mostras de cinema do mundo. Conforme a Acid, “seu sorriso era tão mágico quanto sua tenacidade: testemunhando, fotografando Gaza, distribuindo comida apesar das bombas, do luto e da fome”.

A diretora iraniana Sepideh Farsi relatou que o documentário “é uma janela, aberta pelo milagre de um encontro com Fatem [apelido de Fatima], que me permitiu ver fragmentos do massacre em curso de palestinos”. “O destino se tornou meus olhos em Gaza, e eu me tornei um elo entre ela e o mundo exterior. Mantivemos essa ligação vital por quase um ano. Os fragmentos de pixels e sons trocados entre nós se tornaram o filme que se segue”, descreveu.

“Ontem, quando ouvi a notícia, inicialmente me recusei a acreditar, pensando que era um erro, como alguns meses atrás, quando uma família com o mesmo nome morreu em um ataque israelense. Incrédula, liguei para ela e enviei uma mensagem, outra e outra. Eu até me sinto culpada… talvez eles a tenham escolhido porque o filme foi anunciado”, protestou a diretora iraniana, condenando a brutalidade e a rapidez da execução da “fotógrafa brilhante e talentosa”. “Todos os dias ela me enviava fotos, mensagens escritas e de voz. Quando a conexão permitia, fazíamos chamadas de vídeo. Todas as manhãs eu acordava me perguntando se ela ainda estava viva”, recordou Farsi.

Sepideh Farsi considera que “todas essas existências luminosas foram apagadas por um dedo que apertou um botão e lançou uma bomba para apagar mais uma casa”. Assim, enfatizou, “não há mais dúvidas de que o que está acontecendo em Gaza é genocídio. Acuso aqueles que o cometem e seus cúmplices e exijo justiça para Fatima e todos os palestinos inocentes que pereceram”.

Farsi relembrou a última conversa entre as duas, quando convidou a jovem palestina para comparecer à exibição em Cannes e ela manifestou interesse em viajar, mas somente se pudesse regressar a Gaza, destacando sua forte ligação à sua terra e seu povo.

Com o acesso de jornalistas estrangeiros totalmente proibido pelos sionistas, as imagens captadas pela jovem palestina aproximavam o mundo de uma realidade que Israel se empenhava em encobrir, a devastação causada pela covardia e monstruosidade dos seus ataques, deslocamentos forçados, mazelas e torturas, mas também as crianças em meio às ruínas, apontando uma enorme coragem e resistência.

Seu rico registro fotográfico foi publicado por inúmeros jornais e portais de notícias dos cinco continentes. No perfil do Instagram, Hassouna era seguida por mais de 27 mil pessoas, em que se definia com a frase “uma mulher corajosa persegue a luz em busca de espanto”.

A Associação Francesa para a Difusão do Cinema Independente expressou seu horror diante das práticas israelenses, assinalando que viu a força e a resiliência da fotojornalista palestina brilharem através do seu trabalho, apesar das constantes ameaças ao seu redor.

Em um comunicado à imprensa, a Acid prestou-lhe homenagem: “Assistimos e programamos um filme em que a força vital desta jovem era nada menos que milagrosa. Não é mais o mesmo filme que exibiremos, apoiaremos e apresentaremos em todos os cinemas, começando por Cannes. Todos nós, cineastas e espectadores, devemos ser dignos de sua luz”.

A ONG Repórteres sem Fronteira (RSF) repudiou o comportamento genocida do governo israelense, a quem acusa de promover um “apagão da mídia” com mais de 200 profissionais abatidos em Gaza desde o dia 7 de outubro de 2023 – nesta nova etapa da invasão do território palestino -, incluindo 43 jornalistas alvejados enquanto trabalhavam.  

Nos seus últimos desejos, gravados pelo canal de mídia digital AJ+, do grupo Al Jazeera, Hassouna expressou: “Se eu morrer, quero que seja uma morte estrondosa. Quero que o mundo inteiro saiba da minha morte. Quero que ela tenha um impacto que não se apague com o tempo. Quero imagens que não possam ser enterradas no espaço ou no tempo”.

Cinicamente, o exército israelense alegou que o bombardeio teve como alvo o prédio de Hassouna porque “um oficial do Hamas estava lá dentro”, justificativa rejeitada de forma categórica pela diretora iraniana.

O filme estreia em Cannes no próximo 14 de maio e fica em cartaz até o dia 23.

Fonte: Papiro