Sempre por volta das 19:00 os palestinos de Gaza recebiam telefonema de alento do Papa | Foto: Andreas Solaro/AFP

Nos últimos 18 meses, o Papa Francisco ligou absolutamente todos os dias para a Igreja da Sagrada Família em Gaza, onde estão abrigadas quase 600 pessoas, cristãos e muçulmanos que fogem dos selvagens bombardeios israelenses, para saber como estavam sob a guerra devastadora e lhes dar uma palavra de alento. A última vez, no sábado (19), como relatou o pároco Gabrielle Romanelli.

Francisco, que morreu aos 88 anos de AVC e insuficiência cardíaca, está sendo velado na Basílica de São Pedro e o funeral está marcado para o próximo sábado.

No ano passado, em entrevista ao programa “60 Minutes”, da CBS, Francisco revelara ligar para um padre diariamente às 19h na Igreja da Sagrada Família, a única igreja católica da Cidade de Gaza.

“Outro dia, eles estavam felizes porque conseguiram comer um pouco de carne. O resto do tempo eles comem farinha, coisas feitas de farinha”, disse Francis ao programa. “Às vezes eles passam fome e me contam coisas. Há muito sofrimento.”

Em sua derradeira mensagem de Páscoa, Francisco expressou sua “proximidade aos sofrimentos dos cristãos na Palestina e em Israel e a todo o povo israelense e palestino”.

“Penso no povo de Gaza e em sua comunidade cristã em particular, onde o terrível conflito continua a causar morte e destruição e a criar uma situação humanitária dramática e deplorável”, acrescentou.

“Apelo às partes em conflito: peçam um cessar-fogo, libertem os reféns e ajudem as pessoas famintas que aspiram a um futuro de paz!”, convocou Francisco.

Esse compromisso diário do Papa Francisco para com os palestinos jamais será esquecido. O religioso George Antoun disse à AP que o zelo do papa deu esperança e inspiração à comunidade. Francisco era como um pai preocupado com seus filhos e perguntava se havia comida, assistência médica e remédios, disse ele. “Ele estava conosco passo a passo e dia a dia”, destacou.

“Não tenha medo. Estou com vocês e rezando por vocês e vou protegê-los”, disse Francisco, segundo Antoun.

“Ele deixou uma grande herança em Gaza. Ele é o santo de Gaza”, resumiu.

Suhair Anastas, uma mulher palestina que fazia parte de um grupo que conheceu Francisco em 2023 depois que ela fugiu de Gaza, disse que sentiu “grande tristeza” por sua morte. “Ele ficou ao nosso lado, deixando-nos ficar na igreja e cuidando de todos na igreja”, disse ela. “Eu sei que ele não foi capaz de parar o genocídio… mas não sei quem pode.”

Suheil Abu Dawoud, um cristão de 19 anos de Gaza, disse à Associated Press que ficou “profundamente triste. Ele foi nosso maior apoiador depois de Deus”. Francisco “sempre curou nossas feridas e nos pediu para sermos fortes”, disse ele. “Ele estava sempre orando por nós.”

Em dezembro de 2023, a paróquia da Sagrada Família foi atacada por tropas de ocupação israelenses e duas mulheres, uma idosa e sua filha, foram mortas. Segundo relato da época da AFP, houve um dramático e pesado bombardeio à noite na área em torno da paróquia, na Cidade de Gaza.

Segundo o testemunho de um pastor luterano, a filha foi assassinada ao tentar ajudar a mãe idosa que havia sido baleada pelos atiradores de elite. Também houve vários feridos, um deles em estado muito grave.

A comunidade cristã da Terra Santa diminuiu ao longo das décadas devido à emigração e a uma baixa taxa de natalidade e representa apenas uma pequena porcentagem da população total. Apenas 1.000 cristãos vivem em Gaza, de população predominantemente muçulmana, na maioria ortodoxos gregos mas também há católicos romanos.

No último ano e meio de guerra, Francisco tornou-se cada vez mais franco em sua condenação ao genocídio e limpeza étnica perpetrados pela ocupação israelense e em sua busca de um cessar-fogo e da paz.

Um mês após o início da guerra, Francisco pediu uma investigação sobre se a guerra de Israel equivalia a genocídio – corroborando o pedido feito pela África do Sul à Corte Internacional de Justiça de Haia.

Em dezembro, mês do ataque à igreja da Sagrada Família, Francisco expressou sua dor pensando em Gaza, “de tanta crueldade, com o metralhamento de crianças, com o bombardeio de escolas e hospitais. … Quanta crueldade!”

Francisco foi lamentado em todo o mundo árabe e por autoridades da ONU, incluindo Philippe Lazzarini, chefe da agência para refugiados palestinos, UNRWA. Ele postou no X que a voz do papa “contribuiu para chamar a atenção para a desumanização significativa da guerra em Gaza e além”.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em mensagem ao Vaticano, chamou Francisco de “símbolo de tolerância, amor e fraternidade”.

O alto dirigente do Hamas, Basem Naim, disse que Francisco era um “firme defensor dos direitos legítimos do povo palestino, particularmente em sua postura inabalável contra a guerra e os atos de genocídio perpetrados contra nosso povo em Gaza nos últimos meses”.

Em sua guerra colonial contra Gaza e sua população, o regime de Netanyahu já matou mais de 51 mil palestinos, na maioria mulheres e crianças, além de ferir mais de 200 mil. Mais de 20.000 crianças ficaram órfãs. E repetidamente vem expulsando de seus lares e forçando sob bomba e tiro 2,3 milhões de habitantes a vagarem famintos no enclave. Há mais de um mês, Israel vem se autoincriminando frente às Convenções de Genebra e a Corte de Haia, ao tentar acelerar o genocídio através da fome, ostensivamente recusando a entrada de comida, combustível, remédio ou socorro.

Fonte: Papiro