USP homenageia mais quatro estudantes mortos na ditadura

A Universidade de São Paulo (USP) homenageou nesta sexta-feira (28) quatro estudantes da instituição pelo posicionamento de resistência que assumiram diante da ditadura civil-militar instalada com o golpe de 1964 e que se sustentou no comando do país por 21 anos. A cerimônia de diplomação foi realizada no Auditório Professor Francisco Romeu Landi, no prédio administrativo da Escola Politécnica (Poli), unidade à qual os alunos estavam vinculados.
O projeto Diplomação da Resistência foi uma das formas eleitas pela USP para reconhecer a coragem e o protagonismo de alunos, funcionários técnico-administrativos e docentes que se ergueram contra as arbitrariedades cometidas pelos agentes do Estado no período. Ao todo, estão contemplados 31 estudantes na ação, promovida com a participação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento.
A Comissão Nacional da Verdade, que produziu um dos documentos primordiais sobre a ditadura de 1964, registra que, das 434 pessoas mortas ou desaparecidas durante o período, 47 pertenciam à comunidade da USP. O reitor Luís Antônio da Gama e Silva, da Faculdade de Direito, foi quem redigiu e anunciou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que determinou o fechamento do Congresso Nacional e facilitou violações de direitos.
Homenageados
Um dos estudantes da Poli homenageados com a diplomação foi Lauriberto José Reyes, assassinado pelos agentes de repressão aos 26 anos de idade. A versão oficial, disseminada pelo regime e replicada em uma nota da Folha de S. Paulo, é a de que Lauri, como era chamado por amigos, e um de seus companheiros do Movimento de Libertação Popular (Molipo), Alexander José Ibsen Voerões, trocaram tiros com as forças de segurança e morreram em decorrência disso, no bairro do Tatuapé, zona leste da capital paulista. Foi imputada a ambos a responsabilidade pelo disparo que matou o funcionário público aposentado Napoleão Felipe Biscaldi, que morava na rua apontada como o local do tiroteio.
Após cinco anos da morte de Lauri, sua família descobriu, com o apoio da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que, naquele dia, Lauri foi perseguido, como outros militantes da esquerda, pelo Esquadrão da Morte. Os militares fizeram ronda nas quadras a bordo de um Opala, munidos de uma metralhadora. Testemunhas confirmaram que foram os militares que executaram o aposentado e Lauri, que caminhava ferido e jamais disparou nenhum tiro.
No início da cerimônia na Poli, a organização exibiu um vídeo em que familiares das quatro vítimas contaram um pouco sobre elas.
Maria da Graça Mendes de Abreu, irmã de Manoel José Nunes Mendes de Abreu, falou sobre as circunstâncias em que ele morreu, mencionando que foi executado na ditadura. O jovem chegou ainda criança ao Brasil. Sua família havia trocado Portugal, sua terra natal, justamente por conta da ditadura de António de Oliveira Salazar.
Como Lauri, o jovem português entrou em um dos grupos que se organizaram para tentar derrubar os militares. Abreu integrou a Ação Libertadora Nacional (ALN) e já vivia na clandestinidade quando foi morto, em 23 de setembro de 1971. Ele, Antônio Sérgio de Mattos, Ana Maria Nacinovic Corrêa e Eduardo Antônio da Fonseca, todos militantes da ALN, caíram em uma emboscada na rua João Moura, no bairro Sumarezinho.
Além de Abreu e Lauri, foram homenageados Olavo Hanssen e Luiz Fogaça Balboni. Hanssen, conhecido como Totó, filiou-se ao Partido Operário Revolucionário Trotskista (Port) e foi morto em 1970. Durante a ditadura, foi perseguido em várias oportunidades, em virtude de seu posicionamento político-ideológico. Balboni foi assassinado aos 24 anos, apenas um ano após iniciar sua militância, também pela ALN.
Além da cerimônia de entrega dos diplomas aos familiares dos estudantes, foi realizada uma exposição e uma roda de conversa antes do evento, a partir das 15h.
Resgate da Memória
O projeto Diplomação da Resistência, resultado da parceria entre a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e outras instituições, concede diplomas honoríficos a 31 estudantes da USP mortos durante a ditadura militar brasileira, com o objetivo de reparar as injustiças e honrar a memória dos ex-alunos. Segundo a Comissão da Verdade da USP, as vítimas fatais na Universidade foram 39 alunos, seis professores e dois funcionários. Na Escola Politécnica, a diplomação foi aprovada em reunião de sua Congregação realizada no dia 27 de junho de 2024.
O evento busca relembrar a trajetória dos estudantes politécnicos Lauriberto José Reyes, Luiz Fogaça Balboni, Manoel José Nunes Mendes de Abreu e Olavo Hanssen. Confira uma breve biografia dos estudantes:
- Lauriberto José Reyes (1945-1972) – Engajado no movimento estudantil, foi dirigente da UNE e integrou o Molipo. Foi morto aos 26 anos.
- Luiz Fogaça Balboni (1945-1969) – Militante da ALN, cursava Engenharia de Minas na Poli e foi assassinado aos 24 anos.
- Manoel José Nunes Mendes de Abreu (1949-1971) – Português naturalizado brasileiro, militante da ALN, assassinado aos 21 anos.
- Olavo Hanssen (1937-1970) – Engenheiro e militante do Port, foi preso e morto sob tortura aos 32 anos.
Outros nomes: a extensão da tragédia
Além dos quatro homenageados na Poli, o projeto já emitiu diplomas para:
- Alexandre Vannucchi Leme (Geologia): Torturado até a morte em 1973, seu caso virou símbolo da resistência estudantil.
- Helenira Resende (Letras): Única mulher presidente da UNE, desaparecida no Araguaia em 1972.
- Frei Tito (Ciências Sociais): Dominicano que se suicidou na França após sequelas de tortura.
- Aurora Furtado “Lola” (Psicologia): Executada em 1972, sua morte foi atribuída a um “confronto” inexistente.
A USP não foi apenas vítima, mas também cúmplice em episódios sombrios. Luís Antônio da Gama e Silva, reitor em 1964, redigiu o AI-5, instrumento que institucionalizou a tortura. Enquanto isso, o DOI-Codi infiltrava campi: em 1973, o geólogo Alexandre Vannucchi foi preso na Cidade Universitária e morto sob tortura.
“Eles queriam calar vozes como a do meu irmão, que denunciavam a hipocrisia do regime”, disse Camilo Vannucchi, irmão de Alexandre.
Legado: por que lembrar?
Para Iara Weisseberg, colega de Ronaldo Queiroz (Geologia, morto em 1973), a homenagem é um alerta: “Diplomas não devolvem vidas, mas impedem que a história se repita”.
Enquanto isso, as famílias esperam mais que símbolos: “Queremos justiça. Muitos torturadores jamais foram punidos”, cobrou Suely Kanayama, prima de Suely Yumiko, desaparecida no Araguaia.
(por Cezar Xavier)